Já
me referi aqui à banda britânica The Clash. Muitas de suas músicas têm um forte
cunho político. Em 1980 foi lançado o álbum “Sandinista!”. O título homenageia
o movimento guerrilheiro nicaraguense. Aqui no rock gaúcho The Clash e a
Nicarágua também tiveram sua influência: Jimi Joe compôs e Os Replicantes
gravaram “Sandina”. É a história de um cara abandonado pela mulher que foi
lutar ao lado do sandinismo na Nicarágua. A letra é uma preciosidade, escute a
versão de Jimi Joe:
Sábado todo/eu chorei de
mágoa/ minha garota/foi pra Manágua.
A
Nicarágua (que tem em Manágua a sua capital), assim como grande parte da
América Central foi por muito tempo um “quintal” dos EUA. Desde o início do
século XX os ianques implementaram a política do “big stick” sobre o
continente, que se baseava no direito de usar a força para intervir em conflitos
ou posições que lhes fossem contrárias. A relação dos EUA com a América Central
se assemelha muito com o neocolonialismo, ou imperialismo britânico sobre Ásia
e África. Assim, em 1912 o exército norte-americano invade o país em
contrapartida de uma rebelião popular.
Sandino |
Em
1927, a Nicarágua é novamente vítima de um ataque de Washington. Mas dessa vez,
os nicaraguenses resistiram. Liderados por Augusto Cesar Sandino, um camponês
pobre, montam uma guerrilha que trava as pretensões americanas e das elites que
comandavam o país. Lutando contra o governo do então presidente Jose Maria
Moncada, que era apoiado pelos EUA, Sandino obteve importantes vitórias
militares. Em princípio defendiam um nacionalismo e contra a intervenção
estrangeira, com o tempo contaram inclusive com o apoio das esquerdas. A luta
da guerrilha durou até 1934 quando Sandino foi morto a mando de Anastácio Somoza
García, apelidado de Tacho.
Este
último viria a ser o próximo presidente do país, em 1937. Passou a perseguir os
guerrilheiros, desarticulando a oposição. A reorganização sandinista só voltou
na virada da década de 50 para 60, com as propostas de um sistema social
igualitário, reforma agrária e o direito de todos as trabalho. Se formava a
FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional). Mas a família Somoza mantinha
o poder através de Anastácio Somoza Debayle, Tachito, filho de Tacho. A repressão
aos sandinistas é mais uma vez muito violenta, sobretudo pela Guarda Nacional,
espécie de exército defensor do governo.
A
oligarquia Somoza governava a Nicarágua, tal quais outras oligarquias controlavam
a América Central com o apoio americano. Mas o governo de Jimmy Carter eleito
em 1976 tentou mudar esse panorama, buscando uma política de “direitos humanos”,
se opondo a ditaduras para afastar a face de “império americano” que Nixon e
outros antecessores haviam construído. Parou de enviar armas para a Nicarágua e
cortou o apoio oficial por não ver em Somoza um bom aliado na América Central.
Lutar pela revolução...
ela me deixou/me trocou/ por um sandinista especialista/ em granada de mão.
Durante
os anos setenta, cansados da manutenção dos Somoza no poder a população passa a
aderir aos sandinistas, apesar das perseguições da Guarda Nacional. Em 1978 os
guerrilheiros realizam um ataque ao Palácio Nacional que com vinte e cinco
pessoas fazem 1500 reféns. No ano seguinte, as ações aumentam e se dá a “Revolução
Sandinista”.
No
início do ano, os guerrilheiros conquistam importantes cidades no norte do
país. Na Semana Santa, Estelí uma das maiores cai nas mãos dos sandinistas. A FSLN
conquistava importantes posições no país e ganhava amplo apoio da população.
Sua combinação de marxismo com nacionalismo anti-imperialista e Teologia da
Libertação mobilizava as massas. Não esquecendo que o marxismo está ligado à
luta revolucionário pelo comunismo e a Teologia da Libertação é um movimento
católico que combina religião com a luta contra injustiças sociais.
Bandeira dos sandinistas |
Mesmo
que os EUA não apoiassem oficialmente Somoza, mercenários americanos faziam
parte das forças paramilitares que reprimiam a revolta. Destaca-se também
empréstimo do FMI para a Nicarágua no período. Os sandinistas, por sua vez
recebiam apoio estrangeiro, como da Costa Rica, Venezuela e Cuba. Os meses de
junho e julho foram decisivos. Na capital Manágua, foram montadas barricadas da
população contra o governo. Uma greve geral foi declarada e o país parou. Os sandinistas
já haviam controlado a maior parte da Nicarágua. Assim, Somoza renuncia e foge em
17 de julho de 1979. Seu líder no Legislativo esboça uma reação, dizendo que iria
assumir o governo, mas também foge. Os sandinistas haviam vencido a revolução.
Forma-se
uma Junta Provisória para o governo, que enfrenta inúmeros problemas
econômicos, porque a luta havia consumido muito dinheiro e país deveria ser
reconstruído, o que envolveria altos gastos. Mesmo com o apoio financeiro de
Cuba e da URSS, interessada em ter na Nicarágua um aliado, os anos que se
seguiram foram difíceis.
Mapa da Nicarágua |
Como
se não bastasse, o fim do governo Carter e o início da era Reagan nos EUA
marcou o retorno de uma política conservadora e agressiva por parte dos ianques
para com países que adotassem posições que lhes fossem contrárias. Dessa
maneira em 1981 teve o início de “operações encobertas” da CIA contra a
Nicarágua. A mais conhecida foi o caso dos “Contras”, grupo paramilitar formado
por ex-membros da Guarda Nacional, que a partir de Honduras atacaram o país, sem
conseguir se estabelecer ali, porém causando danos à população. Em 1983, os
americanos impuseram um bloqueio naval ao país.
A
rigor a preocupação com a Nicarágua não se devia a importância do país. Economicamente
e militarmente, esta nação da América Central era irrelevante. Mas sua
influência sobre outros países como o Panamá, Guatemala e El Salvador, junto do
apoio dado pela URSS, mesmo que os sandinistas não fossem simples “clientes de
Moscou”, deixava os americanos em alerta. Ainda que a Nicarágua não fosse Cuba
e a FSLN não tivesse Fidel Castro como líder, os EUA pretendiam reassumir sua
condição de controle sobre a situação.
Em
1990, contudo, os sandinistas perderam a eleição através de Daniel Ortega. A
queda da URSS resultou no fim da ajuda econômica, que junto do desgaste
provocado pelo conflito motivado pelo governo Reagan, tirou a esquerda do
poder. Hoje, a FSLN é um dos principais partidos nicaraguenses.
Acompanhe
a letra de “Sandina” na íntegra e escute a versão dos “Replicantes”:
Sábado todoEu chorei de mágoa
Minha garota
Foi pra Manágua
Lutar pela revolução
Lutar pela revolução
Todo mundo vai embora
Todo mundo tem sua hora
Ela me deixou
Ela me trocou
Por um sandinista especialista
Em granada de mão
Bibliografia:
MAREGA, Marisa. A Nicarágua Sandinista. São Paulo, editora brasiliense, 1981.
SCHILLIG, Voltaire. EUA x América Latina: as etapas da dominação.
Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984.
HOBSBAWM, Eric. Era dos
Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras,
1995.
VICENTINI, Paulo. Da Guerra Fria à Crise (1945-1990).
Porto Alegre, Editora da Universidade, 1990.
Um comentário:
Texto muito bom. Valeu!
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