quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O governo Jânio Quadros


Jânio Quadros
Há 50 anos, em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciava à presidência da República. O seu mandato durou pouco menos de sete meses e foi repleto de contradições. A rigor, surgiu do nada, numa carreira política “meteórica”. Foi de vereador paulistano a governador do estado de São Paulo em oito anos. Em 1960 se candidatou a presidente do Brasil pelo pequeno PTN (Partido Trabalhista Nacional), com forte apoio da UDN (União Democrática Nacional), se elegendo na brecha ocasionada por uma crise econômica no final do governo de Juscelino Kubitschek. Venceu as eleições em 1960 derrotando o General Lott e Ademar de Barros
O governo de Jânio Quadros se destacou por ser autoritário, moralista, personificado, numa espécie de “populismo de direita”. Ou seja, era popularesco, folclórico, arrebatando dessa maneira as massas. O símbolo da sua campanha era a vassoura, que iria “varrer” a corrupção do Brasil.
Politicamente, seu governo, ou melhor, a sua campanha política, foi um agrupamento de pequenos partidos sob a batuta da UDN. Contudo, com o tempo Jânio se revelou extremamente personalista. Julgava-se acima dos partidos e do congresso. Não nutria muito respeito pelo Legislativo, aliás. Uma de suas práticas mais famosas era a dos “bilhetinhos”. Enviava recados para os seus ministros, que se transformavam em meros cumpridores de suas determinações. Ainda tomou medidas esdrúxulas como proibir a rinha de galo e o biquíni.
No plano econômico Jânio retomou relações com o FMI, que haviam sido rompidas em 1959 no governo JK. Tratou de desvalorizar a moeda nacional, o Cruzeiro, conter os gastos públicos e cortar os incentivos financeiros aos produtos importados. Assim, favorecia os investidores estrangeiros e a burguesia agrário-exportadora, mas a inflação cresceu.
As principais medidas de Jânio foram no plano das Relações Internacionais. Buscando uma política externa independente se aproximou de países socialistas, como URSS, China e Cuba, e das nações que surgiam na África e na Ásia. Não devemos esquecer que em 1961, o mundo vivia a chamada Guerra Fria, que opunha soviéticos e americanos. Ao se declarar independente, Jânio acreditava que o Brasil deveria se relacionar tanto com os socialistas, como com os capitalistas, como com o Terceiro Mundo.
Jânio condecorando Ernesto "Che" Guevara
Uma semana antes de renunciar, condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul (a mais importante comenda dada aos estrangeiros) Che Guevara, o argentino que tomou parte na Revolução Cubana, o que desagradou muito os membros da UDN. A homenagem a Guevara não tem relação com Jânio ser socialista ou não, o que de fato não era, muito pelo contrário, se declarou antissocialista em algumas oportunidades. Tem a ver mais com sua política de relações internacionais independente.
Jânio tentou fazer com que todos “pertencessem” ao seu governo, o que resultou em fracasso. Os partidos em disputa eram muito antagônicos, não havia como agradar “a gregos e troianos” e suas medidas somente repeliram sua base aliada da UDN e afastaram ainda mais o PTB e o PSD.
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros entregou ao Congresso sua carta-renúncia. Tal ato, segundo ele, se devia a “forças ocultas”, que nunca foram muito bem explicadas. A verdade é que o presidente estava sozinho, a oposição crescia e se tornava mais ruidosa.
Capa de jornal noticiando a renúncia
Muitos entendem que Jânio renunciou confiante de que seria chamado de volta. Achava que a elite não deixaria o poder nas mãos de João Goulart, herdeiro de Vargas, ligado aos sindicatos. Imaginava que o povo ia querer o seu retorno, ia pedir para que ele governasse de novo. Acreditava que ao retornar ao cargo, poderia governar com um Executivo super fortalecido, sobre os parlamentares e sobre os partidos.
Mas nada disso aconteceu. O que ocorreu foi uma crise sucessória, que resultou na Campanha da Legalidade e na posse de João Goulart como presidente num sistema parlamentarista.
Julgar Jânio como um maluco, que tomou medidas doidas e que renunciou pela loucura é meio perigoso. Parecia existir na sua decisão final uma espécie de golpismo, pois entendia que seria chamado de volta para presidência com amplos poderes. Seu moralismo e autoritarismo, aliado ao seu desprezo pelo Legislativo vêm endossar essa ideia.
Creio que Jânio Quadros parecia não estar preparado para o cargo de presidente da República, sendo levado até lá pela direita conservadora, leia-se UDN. Esta havia conseguido uma vitória no pleito para o Executivo Nacional, eram elitistas demais para isso. Jânio e sua “vassourinha” pareciam perfeitos para a eleição de 1960. A UDN achava que poderia manobrar Jânio, porém não foi bem assim. Ele achava que teria o carisma suficiente para governar sozinho, uma espécie de Napoleão Bonaparte, ou Getúlio Vargas, mas quando renunciou pouca gente, ou ninguém, sentiu a sua falta.

Ouça o "single" da "vassourinha" de Jânio, uma das mais famosas músicas para campanhas eleitorais:
Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
BENIVIDES, Maria Victoria. O governo Jânio Quadros. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A juventude de 68 – “I hope I die before I get old”


O conflito de gerações sempre existiu e sempre vai existir. Contudo, nunca pareceu tão evidente como nos anos 60 e 70. A maior prova disso são os eventos na França em maio de 1968. Contudo, não foram fatos isolados. A eles se somam outros fatos como os protestos nos Estados Unidos contra a guerra na Vietnã, ou as manifestações no Brasil em oposição à ditadura vigente.
Em maio de 1968, estudantes universitários franceses tomaram as ruas de Paris para protestar contra o governo de Charles de Gaulle. A estes se aliou uma greve geral dos trabalhadores que levou o presidente francês a renunciar. No Brasil, este movimento chegou com a conotação do rechaço à ditadura e se mostrou em protestos como a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro.
Barricada de estudantes nas ruas de Paris
É difícil definir apenas uma causa para o maio de 68 na França. Em geral, pode-se entender como protestos contra o presidente Charles de Gaulle, por parte dos estudantes e de uma greve geral de trabalhadores. Mas, existia todo um contexto de mudanças no comportamento dessa juventude que deve ser analisado.
Os líderes nacionais dos anos 60, como De Gaulle, eram geralmente homens de idade avançada. Mas boa parte da população tinha em torno de dezoito e vinte anos, filhos do “baby boom” após a Segunda Guerra. Esses jovens nos EUA e Europa lidavam com uma verdadeira “Revolução Cultural”.
Atividades que antes eram proibidas, agora se encontravam liberadas. A liberação social se encontrava com a pessoal, os desejos individuais e do grupo deviam ser atendidos. O sexo e as drogas são dois bons exemplos disso, que ainda por cima, se mostravam como um ato de rebeldia contra a sociedade.
É notável que esta rebeldia contra a sociedade não necessariamente tinha ligação com alguma tendência política. Em 1968, os estudantes se posicionavam somente “contra” e não “a favor” de esquerda ou direita. Um dos lemas do movimento de maio parece traduzir bem essa ideia: “é proibido proibir”.
As mudanças na cultura jovem eram tanto informais como contraditórias. Informais pela própria natureza da juventude. Contraditória por revelar tanto interesses individuais como interesses dos grupos. Ou seja, cada um na sua, mas com uma certa união de ideias.
A pluralidade de propostas e ideias nesses anos 60 era muito grande, englobava a luta pelos direitos dos negros, o feminismo, lutas contra ditaduras, contra guerras, contra governos. O importante era a rebeldia, contra a sociedade, contra o conservadorismo dos mais velhos. O maio de 68 não foi apenas contra De Gaulle, mas contra todo uma situação e um establishment da época.
Acredito que a música que melhor reflete esse período é “My Generation” da banda britânica “The Who”. Apesar de ter sido gravada três antes de 1968, traduz como poucas a posição daquela geração. Confira a letra e a música abaixo:

My Generation - Pete Townshend
People try to put us down (talkin' bout' my generation)
Just because we get around (talkin' bout' my generation)
Things they do look awful c c cold (talkin' bout' my generation)
Hope I die before I get old (talkin bout my generation)

My Generation, It's My Generation baby
Why don't you all fade away (talkin bout my generation)
And don't try to dig what we all s s say (talkin bout my generation)
I'm not trying to cause a big sensation (talkin bout my generation)
Just talkin 'bout my generation (talkin bout my generation)

Why don't you all fade away (talkin bout my generation)
And don't try to dig what we all say (talkin bout my generation)
I'm not trying to cause a big sensation (talkin bout my generation)
Just talkin bout my generation (talkin bout my generation)

My, My, My, My Generation
People try to put us down (talkin' bout' my generation)
Just because we get around (talkin' bout' my generation)
Things they do look awful c c cold (talkin' bout' my generation)
Hope I die before I get old (talkin bout my generation)

Talking 'bout my generation (my generation)

Bibliografia:              
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
CARDOSO, Lucileide Costa. “ECOS DE 1968: 40 ANOS DEPOIS” Recôncavos. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras vol. 2 (1) 2008.
REIS FILHO, Daniel Aarão. “1968 o curto ano de todos os desejos”. Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 10(2): 25-35, outubro de 1998.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Foi maragato ou foi chimango?


O livro “O Tempo e o Vento” não é a minha obra preferida de Erico Verissimo. Prefiro “Incidente em Antares”. Mas seu valor literário é indiscutível: trata da saga de uma família ao longo da história do Rio Grande do Sul. Divide-se em três livros: “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago”. O capítulo “O sobrado” se estende por todo o livro “O Continente”. Conta a tensa história do cerco de um casarão em Santa Fé, cidade onde se passa toda a obra, durante o final do século XIX. Mais especificamente durante a Revolução Federalista. Mas o que foi este momento histórico do Rio Grande do Sul?
A Revolução Federalista foi um dos episódios mais sangrentos da história rio-grandense. A disputa foi marcada pelo embate entre federalistas e republicanos, com o uso da violência por ambas as partes. O destaque das barbaridades cometidas fica por conta da prática da degola.
Inicialmente é preciso entender as razões do confronto. O Brasil havia se tornado uma república em 1889. Os primeiros governos, Deodoro e Floriano, assumiram uma condição centralizadora e autoritária, apesar de a Constituição de 1891 dar certa autonomia para os estados, no modelo norte-americano.
O Rio Grande do Sul, portanto, também teve a sua Constituição, que teve o dedo do chefe político da região, Julio de Castilhos. Esta tinha uma forte inspiração no positivismo do francês Augusto Comte, que pretendia avanços industriais e econômicos, mas sem grandes mudanças sociais. No Rio Grande do Sul, este projeto foi abraçado pelas classes médias e pelos grupos de imigrantes que prosperavam.
A Constituição do estado, por sua vez, previa um Poder Executivo forte, com direito a reeleição e um Poder Legislativo débil. Assim, Julio de Castilhos poderia governar com mais força e autoridade. Isso acabaria desagradando alguns setores, principalmente as velhas oligarquias dos coronéis estancieiros ligados à antiga Coroa. Grosso modo, se formaram dois grupos:
Gaspar Silveira Martins
·         Os federalistas ou maragatos – Os revoltosos, favoráveis à monarquia e ao parlamentarismo. Eram contrários ao texto constitucional rio-grandense, pois limitava o poder destes “coronéis”, ou estancieiros, principalmente da região da Campanha. Além disso, as medidas econômicas do novo governo republicano eram insatisfatórias para eles. Seu principal líder foi Gaspar Silveira Martins. Usavam o lenço vermelho em volta do pescoço. Em “O sobrado” são representados pela família Amaral, que promove o cerco ao casarão.
Julio de Castilhos
·         Os republicanos ou chimangos – Os legalistas, defensores do regime republicano, tendo o apoio do presidente do Brasil, Floriano Peixoto. Tinham o apoio das elites rurais do litoral e da serra do estado e das classes médias urbanas. Seus principais líderes eram Julio de Castilhos e seu sucessor, Borges de Medeiros. Tinham um uniforme azul e quepe vermelho, que lhes valeu o apelido de “pica-paus”. Adotaram o lenço branco em volta do pescoço. Na obra de Erico Verissimo são representados pela família Terra Cambará, sitiada no sobrado.
A revolta começou em 1893, pouco depois de Julio de Castilhos ter vencido as eleições daquele ano. Terminou em 1895, com a promessa de que o texto constitucional do Rio Grande do Sul seria revisto pelos governistas, o que não ocorreu. No plano militar, a guerra foi vencida pelos republicanos, que por serem as tropas do governo, dispunham de mais recursos, como, por exemplo, o uso da Brigada Militar.
O sucessor de Floriano Peixoto na presidência do país foi Prudente de Morais, que deu início à chamada “República do café-com-leite”, marcada pelo domínio das elites paulistas, mineiras e gaúchas.
Os estados ganharam ainda mais autonomia a partir desse momento. Mesmo assim, predominava no Rio Grande do Sul o governo dos republicanos, comandados por Borges de Medeiros, que se reelegeu inúmeras vezes. A continuidade dos problemas e da rivalidade entre federalistas e republicanos foi eclodir em outra revolta no ano de 1923. A questão só foi se acalmar em 1928, com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo rio-grandense.
A Revolução Federativa durou “apenas” dois anos, tempo suficiente para derramar muito sangue na província. Ela não foi marcada por atos de heroísmo, mas pela violência e pela barbárie, assim como qualquer outra guerra.

Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
GRIJÓ, Luiz Alberto “Entre a barbárie e civilização: os conflitos armados no período republicano”. In:NEUMANN, Eduardo Santos. GRIJÓ, Luiz Alberto. O Continente em armas: uma história de Guerras no sul do Brasil. Rio de Janeiro, Editora Apicuri, 2010.
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. “1893: A revolução além fronteira”.in: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. AXT. Gunter. República – República Velha(1889-1930) Coleção História Geral do Rio Grande do Sul . Passo Fundo, Méritos, 2007, v.3, t.1.
VERISSIMO, Erico. O tempo e o vento – O continente 1 e 2. São Paulo, Editora Globo, 1995.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A questão nuclear

Desde o início, quero deixar claro que sou contra o uso da energia nuclear e evidentemente, contra o uso, pesquisa e proliferação de armas nucleares. Portanto, tudo o que eu disser aqui será tendencioso. Não sou contra o uso da energia nuclear, mas acredito que existem outras possibilidades mais limpas e seguras, ainda que não consigam gerar tanta energia quanto a nuclear. Alguém poderia argumentar que isso reflete um medo da tecnologia moderna, uma espécie de hipocondria do mundo atual. As razões pelas quais sou contra pesquisas com armas nucleares me parecem óbvias e de desnecessária explicação. Contudo, entendo o uso de materiais radioativos pela medicina, até em situações banais como o raio-X. Nesse caso, o objetivo não é tirar vidas, mas salvá-las. Ainda destaco que sou formado em História e não em Física, por isso não tenho a capacidade de explicar o processo de fissão nuclear, sem enrolar os leitores, o que não pretendo fazer.
Tivemos nesse ano o acidente nuclear de Fukushima no Japão em virtude do abalo sísmico de março. No mesmo Japão, ontem (dia 10 de agosto), fizeram 66 anos do lançamento da bomba atômica em Nagasaki. Enquanto o Brasil quer ampliar as usinas de Angra, a Alemanha anunciou que vai desativar as suas. O assunto parece estar em pauta. 
Quero abordar dois eventos que envolvem armas nucleares e dois eventos que envolvem acidentes com energia nuclear. São eles: o bombardeio das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, a crise dos mísseis em Cuba e os acidentes de Three Miles Island, nos EUA e de Chernobyl, na antiga URSS.  Vou tentar trazer elementos culturais que ilustrem esses eventos.

·         As bombas atômicas de Hiroshima e Nahasaki foram lançadas respectivamente dias 6 e 10 de agosto de 1945. Consistiram em mais uma das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra. Nessa altura, a Alemanha e a Itália, outras potências do Eixo já haviam se rendido, o conflito estava praticamente no fim. Mesmo assim, o governo dos EUA, do presidente Truman decidiu pelo bombardeio.

O cogumelo formado pela explosão da bomba atômica em Hiroxima
O Japão, através do seu imperador Hiroito, capitulou em 2 de setembro. Segundo o próprio governo americano, o objetivo não era apressar o final da guerra, mas impedir que mais soldados americanos morressem. O front oriental também foi bastante penoso e complicado, com disputas no Pacífico ilha a ilha. A rigor, o Japão não era fascista durante a guerra, nem antes dela. Tinha sim o objetivo expansionista na região. A união do Japão com alemães  e italianos se deve a questões táticas, principalmente pela disputa colonialista entre o país asiático e os EUA e URSS pelo controle de regiões do Pacífico.
Muitos autores, contudo, apontam que a bomba foi lançada para intimidar a URSS e impedir que esta também atacasse o Japão e reivindicasse a sua participação, como ocorreu na Europa. O resultado foi cerca de 100 mil mortos e 100 mil feridos em cada um dos bombardeios, sem contar as vítimas posteriores da radiação.
Logo após a Segunda Guerra, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema Rosa de Hiroxima, musicado pelo grupo Secos & Molhados, do qual Ney Matogrosso era o vocalista. Abaixo, o poema:

Rosa de Hiroxima
Vinícius de Morais
Pensem nas crianças mudas telepáticas
Pensem nas meninas cegas inexatas,
Pensem nas mulheres rotas alteradas,
Pensem nas feridas como rosas cálidas,
Mas não se esqueçam da rosa da rosa,
Da rosa de Hiroxima a rosa hereditária,
A rosa radioativa estúpida e inválida,
A rosa com cirrose a anti-rosa atômica,
Sem cor nem perfume sem rosa sem nada.

Assista ao vídeo da música interpretado pelo Secos & Molhados: 


·         A crise dos mísseis em Cuba aconteceu em 1962, auge da Guerra Fria. Este é o nome que se dá ao conflito não declarado entre URSS e EUA, que foi do término da Segunda Guerra Mundial até o final do regime soviético. Para além de um conflito ideológico entre capitalismo e socialismo, a Guerra Fria foi uma disputa entre potências por áreas de influência. 
As armas nucleares tiveram importante papel nessa disputa, uma vez que ambos as possuíam, o que equilibrava a disputa, ainda que os soviéticos só tenham desenvolvido a bomba quatro anos depois dos norte-americanos, em 1949. E ainda que os dois se envolvessem em conflitos periféricos, como o Vietnã, nenhum dos dois queria de fato o embate direto, tampouco “apertar o botão”, sob sério risco de extinção da humanidade.
Foto aérea dos mísseis soviéticos em Cuba

Um dos momentos mais tensos da Guerra Fria foi justamente a crise dos mísseis em Cuba. Em 1962, os russos instalaram mísseis nesse país como resposta ao fato de no ano anterior, os EUA terem colocado o mesmo tipo de armamento na Turquia, próximo à URSS. Sempre lembrando que em Cuba ocorreu uma revolução em 1959, que depôs o ditador aliado dos americanos, e que em 1961 houve uma tentativa de invasão ao território cubano por parte destes. No mesmo ano, Fidel Castro adotou o socialismo no país. 
O presidente dos EUA na época, John Kennedt

Foram treze dias de impasse entre o líder soviético Nikita Kruschev e o presidente norte-americano John Kennedy. Ao fim, os mísseis soviéticos foram retirados de Cuba e os americanos fizeram o mesmo com os da Turquia. O medo de uma guerra nuclear era algo latente naqueles anos 60.
O líder soviético da época, Nikita Kruschev.

Porém, por que não brincar com essa situação? É o que propõe a excelente comédia “Dr. Fantástico”, Dr. Strangelove no original, dirigida pelo genial Stanley Kubrick (tudo que esse cara fazia era bom) e estrelada por Peter Sellers (representando três papéis diferentes), o que já garante o filme. É a história de um general americano lunático que ordena o bombardeio atômico sobre os russos, o que pode ter consequências catastróficas para a humanidade. É uma obra imperdível que faz piada com um dos maiores temores da Guerra Fria: um conflito de armas nucleares.
Confira abaixo o trailer do filme:


·         Three Miles Island foi o acidente com energia nuclear mais sério da História do EUA. Ocorreu em 29 de março de 1979, durante o governo de Jimmy Carter em uma usina nuclear geradora de energia no estado da Pensilvânia, no norte da costa leste americana. Decorreu de uma falha nos equipamentos devido a erros humanos, o que gerou um vazamento. Os técnicos acabaram o controlando, entretanto água e gases com material radioativo escaparam. Os moradores da região foram imediatamente removidos e a dose de radiação que vazou nunca foi conhecida.

Já falei da aqui no blog ótima banda punk britânica The Clash, que trazia muitas vezes nas suas canções, conotações políticas. Uma de suas músicas mais clássicas é London Calling, do álbum homônimo. A canção fala de desastres e catástrofes, entre elas a nuclear. A letra diz: “Meltdown expected and the wheat is growing thin” e mais adiante: “A nuclear error but I have no fear”. A primeira frase, ou a palavra “Meltdown” se refere ao momento que o núcleo do reator atômico não é mais resfriado e os materiais radioativos derretem, liberando-os para o ambiente. O erro nuclear se refere justamente ao acidente de Three Miles Island. A música é de 1979, ano do fato em questão. Abaixo, assista ao vídeo oficial da canção:

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Chernobyl
foi o maior acidente de uma usina nuclear da humanidade. A usina de Chernobyl ficava na atual Ucrânia, próxima à Belarus, na época ambos os países faziam parte da URSS. A causa foi novamente falha humana, o que gerou o escapa de radiação. O acidente aconteceu em 26 de abril de 1986, época do governo de Mikhail Gorbatchov. Os soviéticos tentaram esconder o vazamento, o que se tornou impossível, pois a radiação se espalhou pela Europa e foi detectada por outras nações como a Suécia. 

Imagem atual da usina desativada
As pessoas que habitavam as imediações da usina foram as maiores vítimas. Segundo a ONU, cerca de 4 mil pessoas morreram devido ao acidente com a usina, mas o Greenpeace aponta para 100 mil. Com muito custo, os soviéticos conseguiram conter a radiação através do trabalho dos “liquidadores”, homens que construíram uma imensa barreira de aço e concreto em volta do reator. Evidente que muitos acabaram morrendo em decorrência da radiação. 

Tal qual The Clash, a banda punk brasileira Replicantes, da qual Wander Wildner fazia parte, abordou a questão da energia e das armas nucleares. Destaque para Chernobill que diz: “Eu não quero acordo nuclear, Eu não quero acidente nuclear, Eu não quero lixo nuclear, Eu não quero a bomba nuclear” e para Boy do subterrâneo, que imagina um apocalipse nuclear, com os seguintes versos: “Mas nossos filhos serão mutantes, Queria tudo como era antes, O sol nunca mais vai brilhar Aqui dentro do abrigo nuclear”.


Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do povo. Rio de Janeiro, Record, 1984. Primeira edição: 1945.
Dr. Fantástico. Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb. Stanley Kubrick. Columbia Pictures. Reino Unido: 1963. Local da distribuidora, Columbia Tristar Home Entertainment, DVD. (93 min.), p&b.
Jones/Strummer, THE CLASH. London Calling: CBS, Epic, Legacy, 1979.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

AGOSTO


Agosto parece ser o mês mais longo do ano. Tem trinta e um dias e nenhum feriado, enquanto o resto do tempo passa depressa, agosto parece que se arrasta. Como se não bastasse tem a má fama de ser o “mês do desgosto”. Dois importantes fatos da História do Brasil republicano endossam essa ideia: o suicídio de Getúlio Vargas em 1954 e a renúncia de Jânio Quadros em 1961. Nessa postagem quero me ater ao primeiro evento.
Getúlio Vargas havia sido presidente do Brasil entre 1930 e 1945, governando sob uma ditadura que se tornou mais ferrenha a partir de 1937. Em 1950 se elegeu presidente pelo voto popular, numa coalizão que unia inclusive setores da oposição. O PTB, seu partido, teve inclusive apoio de parte da UDN, seus maiores rivais, que agora pretendiam cargos nos ministérios.
Getúlio Vargas
Nesse segundo governo, seguiu uma linha nacionalista, buscando um sistema econômico independente do capital estrangeiro, definindo o Estado brasileiro como regulador e investidor nas principais áreas da economia. Ainda adotava uma política conhecida como “populista”. 
Apesar de geralmente assumir um caráter pejorativo, que liga o político a práticas demagogas, o populismo nem sempre pode ser considerado assim. Aqui não tenho o espaço necessário para explicá-lo, mas posso dar uma visão geral e breve. É antes um acordo entre o líder da nação e as classes populares. Ou seja, o governo dá para os trabalhadores aquelas necessidades e demandas, como por exemplo, férias remuneradas, salário mínimo, licença para gestantes, décimo terceiro, e estas o apóiam e dão seu voto. Não é uma simples manipulação, mas uma certa “troca de favores”.
Em meados de 1953, Vargas mudou seu ministério, retirando os membros da UDN e colocando homens como Jango e Osvaldo Aranha. A partir daí, o presidente começou a ser alvo de ataques frequentes e ferrenhos principalmente do deputado Carlos Lacerda. Dono do jornal Tribuna de Imprensa, deu início a uma campanha pela renúncia de Getúlio.
Nos ciclos mais íntimos do presidente surgia a noção que seria necessária remover Lacerda da cena política. O chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato, teve a ideia então de “apagar” Lacerda. Ele incumbiu Climério de Almeida e João Alcino de espionar Lacerda.
Carlos Lacerda
Na noite de 4 para 5 agosto de 1954, ambos estavam a sua espera, na frente da sua casa, na rua Toneleros no Rio de Janeiro, então a capital federal. Lacerda chegou acompanhado do seu filho e do major da aeronáutica Rubens Vaz, que notou uma movimentação estranha e foi ver o que era. Viu Alcino e foi atrás dele. Acabou sendo alvejado por um tiro e morreu. Lacerda foi ferido no pé. 
A investigação do crime começou na Polícia Civil, mas logo passou para a Aeronáutica, com a instalação de um Inquérito Policial Militar na base aérea do Galeão. A pressão pela saída do Vargas do poder então, só aumentou. A Tribuna de Imprensa passou a bater cada vez mais no presidente. Se iniciava uma violenta campanha pela renúncia de Getúlio, movida principalmente por setores conservadores da classe média.
Em 23 de agosto, Vargas percebeu que as forças armadas também estavam contra ele. Generais do Exército também estavam exigindo a sua renúncia. Na madrugada de 24 de agosto, convocou uma reunião com seus ministros e familiares para analisar a situação, na qual a maioria dos ministros se mostrou favorável a renúncia.
Após a reunião, Vargas teria se isolado em seu quarto e as 8 e 30, deu um tiro no próprio peito, caindo morto na cama. Na mesa estava a famosa carta-testamento. O suicídio, além de ter sido um ato desesperado, foi o seu último ato político.
O povo saiu nas ruas depredando tudo que remetesse a oposição a Vargas, como as sedes dos jornais Tribuna de Imprensa e O Globo, no Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, a multidão furiosa quebrou a sede dos Diários Associados e da UDN.
Com o suicídio, Vargas impediu que os setores conservadores da UDN e do Exército tomassem o poder naquele momento. Não havia clima junto à população revoltada pela perda do presidente para isso. 
Capa do jornal "Última Hora", favorável à Getúlio, quando da sua morte
Um livro interessante é Agosto de Rubem Fonseca. Intercalando o assassinato de Vaz com o de um empresário, o autor retrata esses momentos da História nacional pela ótica de Mattos, o policial que investigava o assassinato do empresário, misturando História e ficção. O livro foi adaptado para televisão em minissérie homônima da Rede Globo, com José Mayer e Vera Fischer como protagonistas.

Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.
FONSECA, Rubem. Agosto. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.