quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os 18 do Forte de Copacabana



Foto atual do Forte
Por todo o Brasil existem clubes de futebol com uma torcida pequena, mas bastante aguerrida. Um bom exemplo disso é a do Cruzeiro de Porto Alegre, que foi apelidada de 18 do Forte. De onde veio esse apelido? Suas origens remontam ao período conhecido como República Velha.
Quando estudamos a República Velha, sobretudo os anos 20 verificamos a existência de um fenômeno político conhecido como Tenentismo. No que ele consistiu? O tenentismo não chegou a ser uma ideologia, ficando mais no plano de um movimento contra a forma como as oligarquias controlavam o país.  É importante lembrar que, quando falamos em República Velha, falamos do poder nas mãos de poucas famílias ricas, sobretudo dos estados de São Paulo e Minas Gerais, e de eleições fraudulentas. Ainda estamos falando de um período no qual o café se destacou como principal produto do Brasil. Engraçado como o próprio termo que se refere ao período já é pejorativo. Claro, pois foi criado num período posterior, no qual se pretendia depreciar o que passou.
Sendo assim, os tenentistas diziam pretender moralizar a política nacional, ou ainda, salvar as instituições republicanas. Mas quem eram os seus representantes? A resposta não é muito difícil: principalmente os tenentes, oficiais medianos do Exército, geralmente jovens assim como alguns capitães.  A maioria deles era oriunda da classe média.
Epitácio Pessoa
A próxima questão: é como eclodiu este movimento? Tudo começou no famoso ano de 1922. Recordem-se que tivemos então a Semana da Arte Moderna e a fundação do PCB. No mesmo ano, houve eleições para presidência da República. O então presidente, Epitácio Pessoa indicou Artur Bernardes para ser seu sucessor, seguindo a política “café-com-leite” de uma alternância entre mineiros e paulistas no cargo. Contudo, as oligarquias dissidentes, lideradas pelo Rio Grande do Sul lançaram a candidatura de Nilo Peçanha.
Artur Bernardes
A campanha contra Artur Bernardes foi muito violenta. Entre os fatos nela ocorridos, houve a divulgação de duas supostas cartas suas contra o Exército, que depois foram comprovadas falsas. Em 1922, ocorreu o fechamento do Clube Militar, por este ter protestado contra o uso de tropas do Exército numa questão da política local de Pernambuco.
O movimento tenentista teve seu início justamente com o episódio dos 18 do Forte, em cinco de julho de 1922, no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, então capital federal. Os militares dessa guarnição se rebelaram e dispararam seus canhões contra alvos estratégicos. As forças do governo contra-atacaram, mas os amotinados diziam que só reconheceriam as ordens no marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente e pai do Capitão Euclides Hermes da Fonseca, uma das lideranças no forte.
No dia seguinte, dois navios de guerra se posicionaram em frente ao Forte de Copacabana. Acuados por forças de terra e mar, a maioria dos rebeldes desistiu e se rendeu. Contudo, permaneceram ainda 17 homens, sob o comando dos tenentes Siqueira Campos e Newton Prado. Entre eles estava Eduardo Gomes, que viria a ser candidato à presidência da República em 1945 e 1950 pela UDN, derrotado em ambas as eleições. A estes se uniu o civil Otávio Correa.
Os revoltosos então partiram para um dos episódios mais heróicos do movimento tenentista: saíram a pé caminhando pela Avenida Atlântica na direção das tropas legalistas, na famosa "Marcha dos Dezoito do Forte". Após um tiroteio e um combate de arma branca, os dezoito foram evidentemente derrotados. Dois tenentes foram mortos: Newton Prado e Mário Carpenter, que acabaram sendo tranformados em mártires do movimento.
Alguns dos 18 revoltosos do Forte de Copacabana
marchando nas rua da  então capital

Este fato acabou repercutindo nacionalmente e ajudou na propagação do movimento tenentista. A insatisfação com o governo de Epitácio Pessoa cresceu, o mesmo se verificou durante a presidência de Artur Bernardes. Contudo, em resposta, as oligarquias se uniram novamente e ficaram mais fortalecidas. Esse esquema só viria se romper na eleição de 1929, que culminou na Revolução de 30, da qual os tenentistas fizeram parte. Tanto que os governadores (na época chamados de presidentes de estado) foram substituídos pela figura do tenente-interventor. Mais tarde, os antigos tenentistas continuaram participando da História política do país, inclusive no golpe de 1964.
No meu tempo de estudante (não que eu não estude mais, digo estudante secundarista – atual Ensino Médio), achava este o episódio mais curioso da História da República, ou melhor, com o nome mais curioso. Nome melhor que esse, só mesmo “Noite das Garrafadas”, mas aí estamos falando de Império e já é outro assunto.
Bibliografia
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins. “Tenentismo e crises políticas  na Primeira República”. In: FERREIRA, Jorge. e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano. Vol.1 O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
SODRÉ, Nelson Werneck. O tenentismo. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Zumbi


Desde o início da colonização, Portugal adotou no Brasil a escravidão como mão-de-obra, primeiro a indígena e depois a africana. Ao que tudo indica, os europeus retomaram essa forma de trabalho que hoje nos causa repulsa, pois não tinham contingente populacional suficiente para emigrar em massa para a América.
Provavelmente, a opção pelos africanos foi principalmente econômica, dada a lucratividade do tráfico de escravos. É um erro dizer que os índios eram preguiçosos e indolentes. Eles não tinham a mesma noção de trabalho para produtividade, para excedente e para o retorno financeiro que os europeus. Trabalhavam pela sua subsistência. Houve diversos episódios de lutas dos indígenas contra o colonizador escravista.
Os africanos já conheciam o trabalho agrícola em larga escala, como o que foi implantada na América Portuguesa. Desde a década de 1570, a Coroa lusitana incentivou a vinda forçada de negros para o trabalho escravo nas terras brasileiras. Entretanto, eles não aceitaram passivamente esta condição. Houve diversas rebeliões e fugas de escravos. Talvez a forma mais conhecida de resistência africana no Brasil seja o quilombo.
Localização de Palmares
A grosso modo, quilombo era um lugar para onde os escravos fugitivos do trabalho forçado iam. O mais famoso e maior de todos os quilombos foi o de Palmares, localizado onde hoje é Alagoas. Sua origem, muito provavelmente está ligada a uma fuga em massa de escravos. Ele não foi apenas um grupo de pessoas, mas uma espécie de federação de comunidades. A principal era Macaco, mas também havia Subupira, Dambranganga, Tabogas, Osengas e outras.
Estima-se que Palmares tenha começado no início do século XVII e terminou em 1694, com o massacre e prisão de seus habitantes. O quilombo de Palmares resistiu quase cem anos aos ataques de portugueses e holandeses (não podemos esquecer que entre 1630 e 1654, a Holanda dominou boa parte do nordeste). Ali se formou uma sociedade complexa, diversificada e organizada. Não existiam somente negros, mas também índios e brancos perseguidos pela justiça.
Durante esses quase cem anos, Palmares teve diversos líderes, geralmente chamados internamente de “rei’, o que refletia a autoridades das suas lideranças baseada numa identidade que vinha da África. Um desses líderes foi Ganga Zumba, que em 1678 firmou um acordo com o governador de Pernambuco, Pedro de Almeida, se comprometendo a não expandir os limites do quilombo, na devolução dos escravos fugidos e na rejeição de novos membros. Em troca, os nascidos em Palmares seriam homens livres.
Esse acordo não deu certo pela oposição de Zumbi. Ele acabou sendo o último líder de Palmares. O bandeirante Domingos Jorge Velho foi contratado pelas autoridades locais para destruir o quilombo. Sua expedição conseguiu derrotar a comunidade de Macaco e aprisionar Zumbi. O líder da Palmares foi enforcado em 20 de novembro de 1695 e teve sua cabeça exposta ao público, para demonstrar aos escravos que Zumbi não era imortal, como alguns poderiam acreditar e para demonstrar o poder de Portugal.
Depois de Palmares, a Coroa passou a perseguir mais os quilombos e a controlar mais os cativos.  Surge a figura do capitão-do-mato, um caçador de escravos. Mesmo assim,ainda houve diversos casos de resistência escrava, revoltas e formação de novos quilombos durante todo o regime escravista.
Busto de Zumbi em Brasília
Com o tempo, Zumbi se tornou um símbolo da resistência escrava. Sua figura atualmente está ligada a diversos grupos de afirmação da população negra no Brasil. Ele até hoje é lembrado e no dia 20 de novembro, recordamos o Dia Nacional da Consciência Negra, quando se discute a inserção no negro na sociedade brasileira.
A rigor, deveríamos ter essa discussão diariamente, permanentemente. Trata-se de um grupo que sempre esteve à margem da sociedade, escravizado por mais de trezentos anos e que quando se viu livre, não recebeu nenhum tipo de assistência do governo.  Considero que examinar a situação do negro no Brasil é sempre importante. A história de Zumbi é uma excelente oportunidade para realizar este debate em sala de aula
Zumbi é lembrando com justiça pelos movimentos negros e em diversos momentos na cultura brasileira, como na espetacular música do grande Jorge Ben que tem o mesmo nome do último líder de Palmares.
 

Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
REIS, João José. “Quilombos e revoltas escravas no Brasil”. Revista USP, São Paulo (28): 14-39, Dezembro/Fevereiro 95/96. – disponível para baixar na internet.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

300

“Nossas flechas vão eclipsar o Sol!”. “Então lutaremos à sombra”. Este diálogo entre um persa e um espartano demonstra a diferença numérica da batalha em Termópilas, na Grécia no ano de 480 a.C.
A história é bem conhecida: o rei de Esparta, Leônidas, partiu com apenas 300 homens para enfrentar o numeroso e bem armado exército persa do rei Xerxes, que pretendia conquistar a Grécia. O principal relato do confronto é o de Heródoto, em seu livro Histórias, no qual relata as Guerras Médicas ou Persas.
Busto de Heródoto
Segundo Heródoto, os persas eram ao todo 2641610 soldados!  Os espartanos enviaram Leônidas com 300 homens, aparentemente, para encorajar os demais gregos. Ele seria o chefe das tropas gregas nas Termópilas, um desfiladeiro em posição estratégica, por possuir maior prestígio.
Ali, os gregos teriam derrotados os medos e os imortais. Os primeiros eram um povo aliado dos persas, os segundos, parte da guarda pessoal do rei Xerxes, a elite de seu exército. Entretanto, os espartanos foram vítimas de traições, por correligionários que entregaram aos persas o caminho para encurralá-los e atacá-los.
Leônidas teria despachado os aliados, gregos de outras cidades-estado, e permanecido no lugar com sua tropa. Na batalha, Leônidas foi morto, assim como os demais soldados. O corpo do rei de Esparta teria sido destroçado, tal era a rivalidade entre este e o rei persa.
Capa da obra de Frank Miller
Em 1998, Frank Miller passou esta história para os quadrinhos. Desde os anos setenta do século XX, os quadrinhos não são mais uma mídia somente para o público infantil ou adolescente. Adultos passaram a consumir histórias em quadrinhos e necessitavam de títulos que os agradassem. Frank Miller foi um dos artistas que desenhou e escreveu para este público. Com obras como “Batman: o cavaleiro das trevas”, “Sin City” e “Ronin”, Frank Miller é um dos maiores desenhistas e escritores de HQ da atualidade. Seu trabalho em “300 de Esparta” é primoroso, cuidadoso e muito bem elaborado. Em 2006, a obra foi passada para o cinema, pelas mãos do diretor Zack Snyder. Veja o trailler abaixo:

Relativamente fiel a Heródoto, o trabalho de Frank Miller narra a história do rei Leônidas que parte com 300 homens para a morte certa na luta contra o exército do rei Xerxes. A superioridade numérica persa aparece claramente. Um importante elemento discutido por Heródoto era a questão de quem estava lutando. Do ponto de vista grego, os espartanos representavam a civilização e os persas os bárbaros. Daí o porquê de o Leônidas falar em lutar pela liberdade e que ele comandava homens livres, enquanto Xerxes comandava escravos. Trata-se de uma questão de como ver o outro, o rival.
Durante a obra, Miller descreve a seriedade e o aspecto guerreiro do povo de Esparta. Realmente, essa cidade-estado tinha uma característica de submeter às populações ao seu redor e de preparar seus homens para o combate. Um espartano só voltava “com seu escudo, ou sobre ele”, como diria a mulher de Leônidas, antes dele partir para o combate na obra de Miller.
Mapa do Império Persa
Durante muito tempo, Esparta teve disputas com cidades vizinhas. Supõe-se que boa parte do seu poderio de deve ao legislador Licurgo (não se sabe ao certo se existiu ou não), que teria elaborado as leis da cidade. Quando começaram as Guerras Médicas, no final do período arcaico, Esparta era a principal potência militar da Grécia. Baseada num princípio do “bem comum”, a lei de Esparta evitou que a cidade-estado caísse na tirania, como ocorreu em várias outras nesse momento. Por isso, que em “300”, os espartanos dizem lutar pela liberdade, se recusando ajoelhar-se perante Xerxes: a cidade de Esparta era “livre” e “independente”, pelo menos no que se refere aos homens que haviam nascido ali, desde que fossem todos filhos de espartanos.
Localização do desfiladeiro das Termópilas
onde teria ocorrido a batalha dos "300 de Esparta"
            A batalha de Termópilas deve ser inserida no contexto das Guerras Médicas, ou Persas, durante a expansão persa para a Ásia Menor. Houve duas guerras. A primeira foi consequência da revolta das cidades da Jônia, em 494 a.C. contra o domínio persa de mais de cinquenta anos. Atenas apóia estas, mas o rei persa Dario sufoca a rebelião e decide atacar Atenas no ano de 490 a.C. Porém, os gregos vencem a batalha em Maratona.
            A segunda, com as tropas persas lideradas por Xerxes, filho de Dario se deu em 480 a.C. Estes tiveram que esperar dez anos pela revanche, pois se viam obrigados a acabar com diversas revoltas internas que pipocavam no seu império.
            Xerxes montou um grande exército e deu início a uma invasão armada pesada para atacar os gregos. Porém, dessa vez, Atenas ganhou o apoio de Esparta de outras cidades-estado. Nestas circunstancias que Leônidas e seus soldados tentam, mas não conseguem barrar os persas em Termópilas. Mesmo com a heróica resistência, o exército de Esparta foi cercado e derrotado.
            A principal vitória grega veio com Atenas, na batalha marítima de Salamina. Os atenienses abandonaram a própria cidade, se refugiando na ilha de Salamina. Os persas tinham navios maiores e tentaram a invasão sobre a ilha por mar. Os gregos, com menos e menores navios, mas mais rápidos e ágeis, conseguiram a vitória. Após, houve a expulsão dos persas da Grécia.
            Como resultado dessa guerra, Atenas se consolidou na principal potência da região, dando início a hegemonia desta cidade-estado, assim como ao controle grego sobre o mar Egeu e a consolidação da democracia ateniense. Este momento ficou conhecido como o período clássico da Grécia Antiga.
            É importante relativizar a história contada por Heródoto. Primeiro, no que se refere à questão da Grécia como civilização e símbolo da liberdade em contrapartida do despotismo persa. A rigor, estes últimos tinham uma tolerância religiosa. Tanto que algumas cidades-estado gregas se posicionam em prol dos persas. Esta contraditoriedade foi uma construção grega. A outra se refere a relativizar o tamanho e o poderio que Heródoto atribui ao exército de Xerxes. Dificilmente, as tropas persas estivessem em número tão grande. De qualquer maneira, os gregos tiveram que enfrentar uma invasão tanto por mar, como por terra.
            A história de rei de Esparta e a corajosa resistência de seus soldados pode até ter sido romanceada por Heródoto e muito mais tarde por Frank Miller. Mas, mesmo assim é muito interessante se utilizar da HQ, ou do filme para trabalhar com História da Grécia junto aos alunos, desde que devidamente contextualizados.
Bibliografia:
MOSSÉ, Claude. e SCHNAPP-GOURBEILLON. Annie. Síntese de História Grega. Lisboa, Edições Asa, Lisboa, 1994.
HERÓDOTO, Histórias. – em diversas edições, disponíveis até na internet.
MILLER, Frank. Os 300 de Esparta. São Paulo, Devir, 2006. 
300. Zack Snyder. EUA: 2006. Warner Bros. 2006, DVD, colorido.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Início da colonização nos EUA


A Inglaterra nunca aceitou a divisão do Tratado de Tordesilhas sobre a América. Evidente, pois também queria um pedaço do Novo Mundo. A situação se tornou mais explícita com a Reforma Religiosa promovida pelo rei Henrique VIII, da dinastia Tudor. Afinal, a divisão entre Portugal e Espanha era patrocinada pela Igreja Católica. Não que uma tenha sido causa da outra, mas reforçou a rejeição ao Tratado.
Elizabeth I
A monarquia britânica sempre foi muito frágil e limitada pela nobreza local. Mesmo assim, Elizabeth I, filha de Henrique VIII entra em guerra marítima contra a Espanha. Uma das estratégias desse confronto era a pirataria: o ataque dos corsários (bandidos patrocinados pela Coroa britânica) contra galeões espanhóis na costa da América Central e norte da América do Sul. O conflito culminaria na derrota da “Invencível Armada”, a marinha do governo de Castela em 1588.
Desse modo,a rainha Elizabeth I deu a sir Walter Raleight concessão para começar a colonização inglesa da América, em uma região que a rigor não recebeu o interesse dos espanhóis: o norte. Seguia-se o mesmo modelo das capitânias hereditárias da América Portuguesa, ou seja: a coroa sem capital para financiar a aventura da conquista, terceiriza as funções. A colonização dos EUA foi uma iniciativa privada e não estatal.
A bem da verdade, as “colônias do norte”, ou as que tiveram “colonização de povoamento”, eram desinteressantes para os europeus, pois possuía o mesmo clima do continente destes, não tendo características que possibilitassem a produção de “especiarias”.
Entre 1584 e 1587 sir Walter Raleight criou expedições para esta nova terra, que chamou de Virgínia, em homenagem a sua rainha, que seria virgem. Porém, a empreitada de Raleight dura pouco tempo: ataques de indígena e a fome pela falta de noção desses colonos de lidar com a terra, acabam com essa primeira iniciativa.
Os ingleses continuaram insistindo na colonização, criando companhias comercias como a de Londres e a de Plymouth, que também tiveram concessões no novo mundo. Houve, entretanto, novo fracasso e ambas tiveram sua licença cassada em 1624 e 1635, respectivamente. Mesmo assim, entre 1607 e 1733 foram fundadas as treze colônias que dariam origem aos EUA. Sempre marcado pela ação de particulares.
As 13 colônias

Os colonos ingleses na América eram, em geral, miseráveis que fugiam de uma condição social adversa na Europa. Eram uma espécie de refugo, o Novo Mundo foi válvula de escape para alguns indesejados, pois a Inglaterra já enfrentava um problema de superpopulação no século XVII. Junto com estes rejeitados vinham, trazidos à força, órfãos, que serviam de servos para os primeiros colonos e mulheres que se dispunham ser vendidas para os colonos. Não é preciso muito esforço para supor que estas mulheres fossem de uma classe social extremamente necessitada.
O Mayflower, navio onde vieram
os "peregrinos".
Portanto o início da colonização dos EUA foi marcado por homens que foram colocados de lado na Inglaterra, mulheres que aceitavam ser vendidas e órfãos raptados. Mas ainda existem os “pais peregrinos”, que seriam os fundadores da nação americana.
Pois bem, estes eram puritanos, os calvinistas ingleses. A Inglaterra, durante o governo de Jaime I, já sob a dinastia Stuart, impôs uma série de perseguições religiosas aos católicos e calvinistas. Portanto, esses “pais peregrinos” vieram fugidos para a América.
Chegaram no território onde hoje é Massachusetts em 1620, a bordo do navio Mayflower e sob o controle da Coroa Britânica. Mas estes que são apresentados como os fundadores dos EUA, não representavam de fato toda a população que habitava a colônia. Pelo contrário: era apenas uma parcela de tantos rejeitados na Inglaterra.
Bibliografia:
Karnal, Leandro; Fernandes, Luiz Estevam; Morais, Marcus Vinicius de; Purdy, Sean. História dos Estados Unidos: das Origens ao Século XXI. São Paulo, Editora Contexto, 2007.
Anderson, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo, Ed. Brasiliense,1985.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Os Muckers – messianismo em Sapiranga


O Brasil, da segunda metade do século XIX até meados do XX, foi um terreno fértil para movimentos milenaristas, como Canudos (veja a postagem http://historiaeavida.blogspot.com/2011/10/civilizacao-ou-barbarie-o-massacre-de.html) ou o Contestado. No Rio Grande do Sul, não foi diferente. O mais conhecido movimento foi o dos Muckers, que ocorreu do final da década de 1860 até 1874, em Sapiranga, quando este município ainda fazia parte de São Leopoldo.
Quando os imigrantes alemães chegaram ao Brasil, receberam terras e incentivos do governo. Mesmo assim, havia problemas quanto a questão das heranças. As partilhas acabavam gerando propriedades muito pequenas. Além disso, como o Brasil era um império católico, os imigrantes luteranos acabavam sendo prejudicados, pois todos os registros de batismo, casamento e óbito deveriam estar registrados nas Igrejas, não reconhecendo, portanto, a herança de quem não fosse católico.
Nesse contexto, existiam disputas veladas entre imigrantes germânicos luteranos e católicos, moradores do meio rural e do meio urbano, como comerciantes. Foi nesse contexto e nas bordas entre estes conflitos que surgiram as figuras do casal Jacobina e João Jacob Maurer.
João Jacob era um curandeiro local, conhecido como “Wunderdoktor”, que recebia os doentes em sua casa. A sua esposa, Jacobina, dizia ter visões, e passou a interpretar a Bíblia (ainda que muito provavelmente fosse analfabeta) e a fazer profecias. Muitos dos que frequentavam o lar dos Maurer em busca de curas passaram a ver Jacobina como Messias, uma reencarnação de Cristo, que viria salvar aquelas pobres almas.
Por volta de 1872, os seguidores de Jacobina passaram a se instalar no Morro Ferrabrás, isolando-se do restante da comunidade. Tal comunidade não era muito bem vista pelos membros de uma elite econômica local e causavam problemas para as autoridades. O casal chegou a ficar preso por quarenta e cinco dias em 1873.
O grupo em questão ficou pejorativamente conhecido pelos demais como muckers, palavra alemã que desgina um “falso beato”, ou alguém que parece ser santo, mas na verdade não é de confiança. O termo ainda era usado na Alemanha para designar os membros de uma ala “purista” do luteranismo, os pietistas.
É importante frisar que entre os Muckers havia tanto protestantes como católicos. Foi um movimento social religioso milenarista, que via em Jacobina o seu Messias. Ao mesmo tempo, foi depreciado tanto pelas autoridades eclesiásticas, como por pastores luteranos. Mesmo assim, a mensagem de Jacobina atingiu uma ampla gama da sociedade: tanto pobres quanto pessoas mais abastadas se identificaram com suas ideias.  
Entretanto, com o tempo, o grupo se tornava cada mais separado e cada vez mais se opunha aos outros imigrantes, ou descendentes de imigrantes alemães. Em contrapartida, esta comunidade passou a hostilizar os Muckers cada vez mais. Com isso, os ânimos se acirraram e as normas do grupo ficaram mais rígidas.
Em 1874, os seguidores do casal Maurer teriam praticados atos violentos contra moradores das redondezas. O atentado contra uma autoridade local, o assassinato de um órfão cuja tutela um mucker havia perdido, e vários incêndios a casas, galpões e vendas foram os crimes que lhes foram atribuídos.
No início de agosto de 1874, os Muckers foram massacrados e Jacobina foi morta por uma intervenção militar brasileira. Cerca de cento e cinquenta pessoas foram mortas. O grupo heterogêneo, composto de homens e mulheres; adultos, idosos e crianças ainda resistiu com táticas de guerrilha, apesar da desproporção das forças em combate.
O atual secretário da Cultura do Rio Grande do Sul, Luiz Antonio de Assis Brasil, escreveu o romance “Videiras de Cristal”, que narra a história de Jacobina e seus seguidores. Existem dois filmes sobre o tema: Os Muckers, de 1978, com Paulo César Pereio e José Lewgoy e A Paixão de Jacobina, de 2002, com direção de Fábio Barreto.
Bibliografia:
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.
DICKIE, Maria Amélia Schmidt. “O movimento mucker, o demônio, a irracionalidade e o espírito”. In: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf e PADOIN, Maria Medianeira. Império - Coleção História Geral do Rio Grande do Sul. Passo Fundo, Méritos, 2006, v. 2.