Localizado no oeste da ilha “La Española”, era colônia francesa desde a primeira metade do século XVII. Sob o nome de Saint-Domingues, na região eram cultivados produtos tropicais, como o açúcar, sob o sistema de plantation, com mão-de-obra escrava e grandes propriedades de terra.
Os escravos, em sua maior parte vindos da África Equatorial, e a chegada destes era enorme. Dadas as condições de vida destes, a mortalidade também era bastante elevada. Os escravos africanos formavam a imensa maioria da população, representando 88% dela em 1789. Havia ainda brancos ricos e pobres, além de mulatos e negros livres, conhecidos como afranchis. Claro que os escravos eram excluídos da sociedade local.
Com a Revolução Francesa em 1789, os brancos de Saint-Domingues foram chamados para participar da assembleia dos Estados Gerais. Aos afranchis, este direito foi negado. Os mulatos e negros livres se rebelaram, mas fracassaram nessa tentativa.
Contudo, em 1791 começou a rebelião escrava liderada por Toussaint-Louverture e a colônia francesa pediu apoio dos afranchis, lhes dando igualdade de direitos junto aos brancos. Era uma revolta dos africanos após muitos anos de exploração e de muitas vítimas da ganância dos europeus.
Toussaint-Louverture |
Sob a liderança de Toussaint-Louverture, os negros aliados dos franceses vencem os espanhóis em 1796 e os ingleses em 1798. O ex-escravo ascende à condição de governador-geral, tomando medidas para recuperar a economia arrasada pelo conflito. Mas, na França, a maré vinha contrária à liberdade dos negros.
Napoleão assumiu o poder em 1799 e pretendia retomar o controle sobre as colônias, principalmente Saint-Domingues. São enviados 60 mil homens para a região. Toussaint-Louverture é derrubado e preso. A escravidão é restabelecida. Os negros tinham sido traídos. Parece que o ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade” valia somente para a Europa.
Mas a rebelião continuava. Dessa vez o líder era o também ex-escravo Jean-Jacques Dessalines. Na revolta morrem 50 mil franceses, até que em primeiro de janeiro de 1804 eles capitulam e Dessalines proclama a república do Haiti. Ele confiscou as terras dos grandes proprietários e os haitianos acabaram eliminando o poder dos brancos, dando início à primeira república controlada por negros na História.
Dessalines |
Dessalines foi assassinado em 1806, deixando o país num caos. O Haiti teve uma série de governantes nos anos seguintes, inclusive se dividindo em dois territórios entre 1806 e 1820. As maiores disputas de poder eram entre negros e mulatos, que acabaram se distinguindo em duas classes sociais distintas. Um ditado popular local resume bem isso: “negro rico é mulato, mulato pobre é negro”. Os mulatos se tornaram uma classe social privilegiada.
Ou seja: ainda havia uma elite local. Elite essa que se preocupava com a capital Porto Príncipe e outras regiões urbanas. A massa miserável continuou carecendo de assistência. As medidas de Dessalines não duraram o tempo suficiente e outros governantes como Boyer (1820-1843) adotavam medidas favoráveis aos mulatos. Alguns presidentes com políticas voltadas aos negros também se destacam, mas por menos tempo.
De qualquer maneira, a Revolução Haitiana, como é chamado o processo de independência local assustou grande parte das elites da América espanhola e portuguesa. Surgia o medo de uma revolta escrava de proporções tão grandes. Isso levou os poderosos locais, como na Argentina, México e Brasil, a manter a população pobre a margem dos processos de emancipação. O objetivo era fazer a independência antes que o povo a fizesse.
Nos últimos anos, as ditaduras de “Papa Doc” e “Baby Doc”, da família Duvalier, com o apoio dos EUA, pioraram muito a situação do Haiti. Hoje ele é o país mais pobre da América, necessitando de auxílio contínuo. Mas até que ponto seria interessante às grandes potências auxiliar o Haiti?
Mapa do Haiti, dividindo a ilha com a República Dominicana |
Lamentavelmente a independência do Haiti quase nunca faz parte dos currículos escolares. Parece que é mais importante se reportar a processos que ocorrem na Europa do que numa nação americana composta por negros. O ensino de História tem muitas deficiências ainda. Não abordar a revolução haitiana é apenas uma delas. Ao mesmo tempo, é difícil encontrar bibliografia sobre o assunto no Brasil.
Parece que a música do Caetano Veloso faz cada vez mais sentido: Pense no Haiti, reze pelo Haiti/O Haiti é aqui/O Haiti não é aqui. É de se perguntar, se diante das respostas que alguns brasileiros dão para negar asilo aos haitianos, se o Haiti de 1780 é aqui. Se anos após a abolição da escravidão e após a ditadura militar o Brasil ainda poderia se negar a aceitar refugiados.
Será ainda vivemos no século XIX? Quando a elite fazia de tudo para que o Haiti não fosse aqui? Não o Haiti miserável com profundas desigualdades sociais que conhecemos hoje, mas o Haiti que libertou os escravos e deu um exemplo para a América em 1806. Para alguns, o Haiti de “Papa Doc” é melhor do que o de Dessalines.
Bibliografia:
GRONDIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. São Paulo, editora brasiliense, 1985.
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. “A crise do sistema colonial e o processo de independência”. In: WASSERMAN, Claudia. (coord.) História da América Latina: Cinco Séculos (temas e problemas). Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 1996.