quarta-feira, 5 de outubro de 2011

“Civilização ou barbárie”? O massacre de Canudos

Mapa da localização
de Canudos
Em 1897, a república brasileira ainda era uma criança. Proclamada oito anos antes, até então, só havia contado com presidente militares. O então presidente Prudente de Moraes foi o primeiro civil a assumir o cargo. Era um momento delicado e de rixas políticas. De um lado havia uma elite política dos grandes estados, favoráveis a uma autonomia destes. Do outro, republicanos mais “jacobinos”, membros de uma classe média carioca, aliados dos militares, defensores de um executivo forte e capaz de combater os monarquistas.
Foi nesse contexto que em, 5 de outubro do ano em questão, ocorreu o fim daquilo que se conhece como “Guerra de Canudos”. Vamos, então, retornar ao ano de 1828, quando em Quixeramobim, no Ceará, nasceu Antônio Conselheiro. Filho de um comerciante que foi à falência, estudou latim e francês, tornou-se caixeiro-viajante, mas, um belo dia, eis que sua mulher foge com um militar. Após esse triste fato, passou a peregrinar pelo sertão, até se fixar em uma fazenda abandonada chamada Belo Monte, no norte da Bahia, em 1893.
O lugar recebeu o nome de Arraial dos Canudos. Em pouco tempo, já abrigava entre 20 e 30 mil pessoas, atraindo a população sertaneja. Segundo as autoridades da época, porém, Conselheiro “perturbava as consciências”. Isso porque ele declarava não acreditar na República, pois esta não representaria a vontade de Deus, e era favorável à volta da família real.
Em 1896, um pequeno incidente foi o bastante para Canudos ser atacado. O fato, que não tem comprovações, foi aparentemente banal. Comerciantes de Juazeiro não teriam entregado uma encomenda de madeira para Conselheiro; por causa disso, os membros do Arraial teriam supostamente “assaltado” a cidade. Os “jacobinos” viram ali uma ação para a volta da Monarquia e pressionaram o governo para intervir militarmente no local.
As primeiras expedições todas fracassaram. O ataque inicial a Canudos, em novembro de 1896, contou com 116 homens. Seguiu-se outra tentativa de reprimir o Arraial, em janeiro de 1897, com 619 soldados. A terceira expedição foi realizada em fevereiro de 1897, contando com mil e trezentos militares; teve o mesmo resultado das anteriores. Cento e dezesseis soldados morreram nesta última intervenção.
Moradores de Canudos prisioneiros
do Exército
Por fim, a quarta expedição juntou cerca de dez mil homens, havendo uma grande mobilização de forças. Liderados por Artur Oscar, os militares entraram em Canudos no dia 5 de outubro, após um cerco que vinha desde agosto. Quando o Exército entrou no Arraial, degolou homens, mulheres e crianças, numa das maiores chacinas da História brasileira.
A “Guerra de Canudos” está muito bem documentada em Os Sertões, de Euclides da Cunha. Este foi o enviado do jornal O Estado de São Paulo para realizar a cobertura do conflito. As reportagens, juntamente com outros textos, acabaram virando o livro. Euclides foi “testemunha ocular da história”, conferindo de perto o que ocorreu no Arraial de Canudos.
Primeira edição
de "Os Sertões"
Apesar de importante, o livro é um calhamaço de intermináveis páginas, e por vezes, sua leitura é maçante. A obra se divide em três partes. “A Terra”, em que descreve a geografia física e a natureza inóspita do sertão nordestino. “O Homem”, em que descreve o habitante dessa região: “O sertanejo, é, antes de tudo, um forte”, descreve Euclides da Cunha. Porém, apesar disso, acreditava que o homem do sertão era degenerado pela mestiçagem, numa perspectiva fortemente racista. Segundo as palavras do autor, o sertanejo era um “Hércules-Quasímodo”, combinação do herói grego com o “Corcunda de Notre-Dame”. Tal ideia foi baseada nas teorias de Nina Rodrigues, médico introdutor das propostas de Cesare Lombroso no Brasil. Em síntese, entendia que havia raças superiores às outras e a miscigenação racial fazia mal ao país. Pode-se perceber que era uma concepção de mundo (e de ciência) bastante preconceituosa.
Por fim, a terceira parte era “A Luta”, na qual é narrado o confronto do Exército brasileiro com os homens de Canudos, durante a quarta expedição. Segundo Euclides da Cunha, “Canudos não se rendeu. Resistiu até o esgotamento completo”. Para ele, Canudos era um empecilho à construção da nacionalidade brasileira e à formação desta nação. Isso porque enxergava ali “um foco de restauração da monarquia”. Mais do que isso: para ele, Canudos significa o atraso diante do desenvolvimento do país. O autor estava muito imbuído da ideia positivista de “ordem e progresso”. Apesar disso, parece ter ficado chocado com o que foi encontrado em termos de morte e destruição no dia 5 de outubro de 1897.
Positivismo é uma doutrina elaborada por Augusto Comte que prevê um executivo forte, a harmonia entre as classes e, segunda as palavras do seu criador “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. O positivismo esteve em moda nos primeiros anos da República brasileira, principalmente junto aos governos militares de Deodoro e Floriano, e no Rio Grande do Sul durante a República Velha.
Euclides da Cunha
Para o Euclides e para o governo, a luta contra Canudos significaria luta da civilização contra a barbárie. Hoje, pode-se perguntar quem era a civilização e quem era a barbárie. Será que os homens “ilustrados” da capital federal que promoveram o massacre podem ser considerados como “civilizados”? Por que estes homens não tiveram a capacidade de entender aqueles pobres sertanejos?
A rigor, Canudos combinou o conteúdo religioso com carência social. De um lado, as crenças católicas bastante fortes no nordeste, o que também pode ser conferido no caso do “Padre Cícero”, anos mais tarde. Do outro, infindável miséria, fome e exploração de grande parcela da população local. Talvez, os sertanejos tenham buscado e encontrado em Canudos uma esperança de vida melhor. Mesmo assim, não se deve pensar em Canudos como uma sociedade igualitária nos moldes de um comunismo. Tal ideia é completamente fora de propósito e fora do tempo e do espaço (para não dizer “fora da casinha” também).
Única foto de  Conselheiro, já morto

Um detalhe sórdido: a degola que os soldados promoveram lá foi “importada” do Rio Grande do Sul, prática bastante conhecida por estas bandas durante a “Revolução Federalista”. Um detalhe triste: em 1909, Euclides da Cunha descobre que sua mulher o traía com um tenente do Exército. Tenta matá-lo, mas acaba sendo morto pelo militar.
Bibliografia:
HERMAN, Jacqueline. “Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado”. In: FERREIRA, Jorge. e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano. Vol.1 O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1956. (existem diversas edições)

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