quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Um “ano novo” de mudança: A Revolução Cubana

Viva la revolución: o exército rebelde
entre na cidade de Santa Clara
No ano-novo, costumamos fazer uma porção de promessas, pretendemos mudar as nossas vidas. Mas no dia seguinte, geralmente, tudo continua igual. Agora, houve um Réveillon que realmente mudou muita coisa: o de 1958 para 1959. Talvez tenha sido o mais importante da História. Nele ocorreu a Revolução Cubana, que levou Fidel Castro ao poder na ilha caribenha.
A Revolução Cubana derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista que vinha desde 1952. Era um governo corrupto, que fazia de Cuba um “quintal dos EUA”, ou ainda, um quintal da máfia norte-americana. Fidel Castro vinha lutando contra este regime desde 1953, quando tentou atacar um quartel do Exército junto de cerca de 160 homens. Chegou a ser preso, e montou uma guerrilha no ano de 1956 em Sierra Maestra, uma das províncias mais remotas do país.
Che Guevara e Fidel Castro
A ele se juntou Ernesto “Che” Guevara, argentino, que foi conquistar o resto de Cuba com 148 homens, que chegaram a 300, mas praticamente no fim do processo de queda de Batista. Algo unia Che e Fidel: ambos eram filhos de famílias ricas, o primeiro era médico, o segundo advogado (nenhum dos dois era professor de História); extremamente carismáticos e talentosos guerrilheiros. Esses fatos os transformavam em ícones da liberdade nos anos 60, em homens que lutavam pelas suas ideias. Deve-se destacar ainda a ação de outros revolucionários como Camilo Cienfuegos e Raul Castro.
Contudo, deve-se destacar que Cuba não aderiu imediatamente ao socialismo, como se pode imaginar. Para começar, apesar de ser uma ditadura, o regime de Fulgêncio Batista era tão frágil como corrupto e inapto, além de não ter grandes aprovações na sociedade cubana. A revolução contou tanto com apoio dos comunistas como da burguesia democrática local. Os rebeldes eram em sua maioria, anti-imperialistas, portanto, contra os EUA, e nacionalistas. Por exemplo, um dos lemas da Revolução Cubana era Patria o muerte, pátria ou morte. Ainda pretendiam realizar uma reforma agrária, o que evidencia o caráter popular do movimento.
Fulgêncio Batista
Em primeiro de janeiro de 1959, Fulgêncio Batista renunciava ao poder. Fidel Castro assumia o comando da ilha e colocava em prática algumas mudanças. A opção pela URSS só veio no início dos anos 60. Talvez tenham sido os EUA os principais responsáveis. Mesmo que Cuba não tivesse grande importância econômica para os norte-americanos, apesar do controle da máfia, eles não aceitariam este afronte num país tão próximo.
Aqui peço um rápido aparte: é muito boa a sequência de O Poderoso Chefão 2, assim como o filme inteiro é muito bom, na festa para virada de 1958 para 1959 em Cuba, quando nas primeiras horas do novo ano, Fulgêncio Batista renuncia. É significativa a cena em que o personagem de Al Pacino, Michael Corleone, sai do país, assim como tantos outros americanos, com o povo cubano na rua comemorando o sucesso da revolução em plena noite de Réveillon.
A revolução foi encarada pelos EUA como um desafio, uma ameaça a sua soberania na região. O governo americano tratou de isolar a ilha e foi hostil ao novo regime desde o começo. Um país pequeno como Cuba precisava de um apoio internacional e foi encontrá-lo na URSS. O socialismo foi uma escolha feita após o processo revolucionário e talvez, a única possível diante da situação que se apresentava.
Ao mesmo tempo, Cuba foi um modelo para tantas outras revoluções, ou tentativas de revolução. Se aqueles jovens barbudos conseguiram, nós também conseguimos, pensava a esquerda ao redor do mundo, principalmente na América Latina. A ideia de que seria possível derrubar um governo ditatorial que contava com o apoio dos EUA acalentou o sonho revolucionário por muitos anos e talvez ainda inspire a revolução na nossa América Latina.
Há que se destacar que o governo cubano seguiu o rumo de outra ditadura, dessa vez a de Fidel Castro. Só existe um partido oficial em Cuba: o comunista. Hoje, com o embargo imposto pelos EUA, os cubanos vivem uma tragédia particular: apesar de contar com bom sistema de saúde e uma boa educação, o país sem o apoio da URSS não consegue mais se manter. O governo, ainda ditatorial, está nas mãos de Raul Castro, irmão de Fidel. Uma provável abertura política ainda é incerta.
Infelizmente, Cuba parece uma caricatura do que já foi um dia. Não representa mais uma ameaça para os Estados Unidos e não tem mais a mesma força que tinha no pensamento das esquerdas. Ainda significa uma certa resistência ao “imperialismo ianque”, mas sob o custo de uma ditadura e de complicados problemas econômicos, forjados pela proibição que os americanos impõem sobre o comércio com a ilha.
Mapa de Cuba. Observe Sierra Maestra no sul da ilha
e a proximidade geográfica com os EUA.

A todos leitores do blog um bom ano novo e um feliz aniversário da Revolução Cubana. Que todos tenham um excelente 1959, ops, 2012!
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A Guerra da Coreia


Mapa dos duas Coreias
Em 17 de dezembro desse ano morreu o então líder do governo norte-coreano, Kim Jong-il. Governou sob ditadura desde a morte de seu pai e terá seu filho como sucessor. A região é marcada pelo confronto entre a Coreia do Norte e a do Sul, que teve início com a chamada Guerra da Coreia.
Este confronto “fratricida” começou pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial e deve ser entendido no contexto da Guerra Fria. Estamos falando da longa disputa por áreas de influência entre EUA e URSS que se estendeu até a década de 90. O temor norte-americano de uma expansão do comunismo levou este país a intervir em diversas regiões do mundo onde os comunistas tinham adeptos.
Durante a Segunda Guerra, a Coreia foi invadida pelo Japão, com a resistência local de uma guerrilha armada. Após o conflito, em 6 de setembro de 1945, foi proclamada a República Popular da Coreia, com um governo assumidamente comunista, sob o comando de Kim Il Sung, pai do ditador recentemente morto.
Kim Jong Il
Dois dias depois, os EUA responderam, atacando o sul do país e colocando Syngmann Rhee, de forma ditatorial, no poder da região. Dividiam-se assim, as duas Coreias, delimitadas pelo paralelo 38.
A partir de 1950, o governo sul-coreano, apoiado pelos americanos, passou a realizar provocações à Coreia do Norte, como algumas incursões militares, que rebateu, atacando o sul em 25 de junho do mesmo ano. O Conselho de Segurança da ONU decidiu aceitar que os EUA enviassem tropas, em nome da própria ONU, para conter a invasão sofrida pela Coreia do Sul.
Em pouco tempo, os norte-coreanos foram obrigados a recuar. Porém, no início de outubro do mesmo ano, o general Mac Arthur, comandante das forças da ONU, ordenou o avanço rumo à Coreia do Norte. As tropas chegaram até Pyongyang, a capital norte-coreana e se preparavam para passar da fronteira com a China. Recordando que nesse período a China também era comunista. O comunismo, mais do que a própria URSS, era visto como um perigo aos olhos dos EUA.
Os chineses, então, se viram obrigados a forçar os americanos a recuar. Na volta ao sul, os americanos iam destruindo o que encontravam, jogando napalm, uma arma química. As duas Coreias foram praticamente destruídas. O conflito só foi terminar em 1953, com a assinatura de um cessar-fogo e com o afastamento do general Mac Arthur por parte do presidente americano, Harry Truman.
Como saldo da guerra, morreram entre 3 e 4 milhões de coreanos e cerca de 50 mil americanos. Tanto a Coreia do Norte como a Coreia do Sul acabaram tendo regimes ditatoriais. O norte socialista, comandado por Kim Il Sung e o sul capitalista, sob o poder de Syngmann Rhee.
A Guerra da Coreia ainda foi importância para despertar para o mundo a força da China. Quando esta interveio no norte, causou um certo temor aos EUA. Os chineses reapareciam como potência após a Segunda Guerra Mundial, entrando também no contexto da Guerra Fria.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
VICENTINI, Paulo. Da Guerra Fria à Crise (1945-1990). Porto Alegre, Editora da Universidade, 1990.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Robin Hood e a monarquia medieval inglesa


Imagem de Robin Hood
do século XVII
A figura de Robin Hood é bastante conhecida: a história do aristocrata que rouba dos ricos para repassar aos pobres já foi contada e recontada por diversas canções na Idade Média e por Hollywood no século XX. A lenda do nobre ladrão tem paralelo em diversas outras culturas e sociedades, buscando sempre ajudar aos mais necessitados. Isso não faz dele um revolucionário, mas em teoria alguém que busca restabelecer a justiça.
Por estas palavras, entenda-se manter os velhos costumes. E na Inglaterra do século XIII, os velhos costumes significam tanto uma monarquia forte como uma nobreza não muito poderosa. Foi justamente o período em que se passa a lenda de Robin Hood: o final do século XII e início do XIII,
A centralização do poder nas mãos dos reis na Inglaterra foi cedo. A invasão normanda em 1066 possibilitou esse fato político. Assim, foi criado o cargo dos sheriffs, funcionários reais, que presidiam os tribunais dos condados,que correspondiam às divisões do reino.
O grande vilão das histórias de Robin Hood, é, não por acaso, o sheriff de Nottingham, local onde a história se passa. Segunda esta lenda, a autoridade estaria abusando de seu poder junto aos camponeses locais. Além disso, Robin Hood lutaria contra o rei João I, irmão de Ricardo I, que havia partido para a Terceira Cruzada entre 1189 e 1192.
Conforme a lenda, Robin Hood lutou pelo o que seria justo. Segundo este ponto de vista, o justo seria o poder voltar para Ricardo I e os excessos do o sheriff de Nottingham terminarem. A bem da verdade, Robin Hood não estaria defendendo somente os mais pobres, mas também uma nobreza que estava bastante alijada do poder.
Tanto é que em 1215, o rei João I foi obrigado a assinar a Carta Magna, contrato que limitava os poderes monárquicos. Assim foram criados os Parlamentos e o governo inglês passou a ser controlado tanto pela Coroa, como pela nobreza, como pela burguesia comercial que vinha surgindo.
Percebe-se que a Inglaterra já vinha em crise política desde que Ricardo I partira para as Cruzadas. A assinatura da Carta Magna e a criação dos Parlamentos ajudaram a por fim nessa crise, mas criaram um absolutismo fraco durante o período medieval.
Quanto a Robin Hood, se ele existiu mesmo, é algo que não vem ao caso. O importante é perceber sua figura como um ladrão herói. Sim, porque em princípio, ele lutava pelo que seria justo, pelos mais necessitados, mas, sobretudo, para evitar o abuso ou o excesso do poder tanto do sheriff de Nottingham, como do rei João I. Assim, Robin Hood não é um simples bandido. Ele é bom, pois dá aos pobres, mas também por ter uma origem nobre, por fazer tudo isso por um ideal. Ou seja, seus atos como bandidos só são válidos e justificáveis, pois ele é um nobre.
Não deixa de ser curioso que o herói de um período anterior a assinatura da Carta Magna seja um nobre, justamente a ordem social que se favoreceu com este documento.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Rio de Janeiro, Editora Forense-Universitária, 1975.
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Bauru, Edusc, 2005.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo, Ed. Brasiliense,1985.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

“Tanto Mar” – A Revolução dos Cravos


Semana passada o cantor e compositor Chico Buarque esteve fazendo shows em Porto Alegre. Infelizmente não pude ir. Mas pelo menos, isso me motivou a escutar algumas das suas canções. Uma das mais conhecidas é “Tanto Mar”. De cunho político, como muitas outras de sua obra, ela traz um episódio da história recente de Portugal.
O ditador português Salazar
Como muitas outras de suas obras, foi censurada. A letra exalta o fim da ditadura em Portugal, com a Revolução dos Cravos em 1974. Os lusos viviam sob um governo autoritário e extremamente católico desde 1926. Em 1933, António de Oliveira Salazar assumiu o governo e ali permaneceu até 1968. Salazar não foi um simples ditador. Ele era um simpatizante declarado dos regimes nazista e fascista. Talvez esteja para Portugal, assim como Franco estava para a Espanha. Em seu lugar assumiu Marcello Caetano, que deu continuidade ao regime ditatorial.
Uma das principais marcas da ditadura portuguesa, além é claro da repressão à oposição com prisões, torturas, mortes e censura à imprensa, foi a manutenção do Império Colonial Português, com as suas possessões na África e Ásia, como em Angola e no Timor. A rigor, desde 1961, as colônias portuguesas lutavam pela sua independência. Detalhe que a esta altura, a grande maioria das nações africanas já haviam se libertado do domínio europeu.
Até que em 25 de abril de 1974, parte do próprio Exército português derrubou Marcello Caetano com o apoio da população. Os soldados recebiam flores do público no dia da queda do ditador, daí o nome “Revolução dos Cravos”. O fim do regime autoritário em Portugal foi relativamente pacífico, não ocorreu nenhuma guerra civil.
Soldados portugueses no 24 de abril de 1974, com as flores nos fuzis
Tanto os setores do Exército que se levantaram contra Caetano, como o povo português, estavam fartos do regime ditatorial e dos gastos econômicos e humanos em manter as colônias na África e Ásia. O ditador Marcello Caetano praticamente não resistiu. Detalhe: ele fugiu para o Rio de Janeiro. Não esqueçamos que em 1974, o Brasil ainda vivia sob ditadura.
Não é a toa que Chico Buarque compôs “Tanto Mar” no ano seguinte. Ao comemorar o fim da ditadura sobre nossos irmãos lusitanos, ele pede o fim da ditadura na nossa terra brasileira. O primeiro verso fala: Sei que estás em festa, pá/ Fico contente/ E enquanto estou ausente/Guarda um cravo para mim. E no último: Lá faz primavera, pá/ Cá estou doente/ Manda urgentemente/ Algum cheirinho de alecrim. Ou seja, pede para que os ares da liberdade, melhor falando, “os cravos” cheguem no Brasil também.
No entanto, não foi fácil o processo de instalação da democracia em Portugal. Depois de 25 de abril de 1974, houve seis governos provisórios, até que em 25 de novembro de 1975, um regime democrático liberal foi instaurado.  Ao final, Mario Soares, do Partido Socialista, acabou se elegendo Primeiro-Ministro em 1976. Contudo, era o representante de uma Social-Democracia, apoiado pela burguesia e por alguns setores conservadores. Setores mais esquerdista tentaram assumir o poder, mas fracassaram. De qualquer modo, era uma organização política de esquerda, setor que havia se fortalecido. Por outro lado, uma tentativa de revolução com uma finalidade socialista se transformou numa revolução burguesa.
O principal resultado da Revolução dos Cravos, além do fim da ditadura portuguesa foi a independência das suas colônias. Quando Chico Buarque lançou “Tanto Mar” em 1975, só pode veiculá-la em Portugal. No Brasil, a música foi editada somente em 1978, com uma letra que faz um balanço da revolução pacífica. Veja a letra de 1978. Nela podemos perceber a derrota do projeto socialista para a Portugal e a esperança do cantor de que um dia a ditadura no Brasil chegasse ao fim, o que só aconteceria em 1984:
Tanto Mar
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim
 
Confira as duas versões da música de Chico Buarque junto com uma entrevista com o compositor:


Bibliografia:
MAXWELL, Kenneth. O império derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Secco, Lincoln. A Revolução dos Cravos. São Paulo, Alameda Casa Editorial, 2004.