Em 30 de junho de 2011, os mexicanos recordam os duzentos anos da morte do padre Miguel Hidalgo, fuzilado por tropas espanholas. Na sua luta pela emancipação da nação juntou milhares de miseráveis, que por cerca de um ano obtiveram importantes vitórias na região norte do país. O México era colônia espanhola, conhecido como Vice-Reino da Nova Espanha. Essa revolta popular fracassada pode ser explicada por uma série de motivos. Para tanto, precisamos retornar um pouco no tempo.
No México em 1808, impulsionados pela invasão napoleônica na Espanha, os criollos – descendentes de espanhóis nascidos na América – depõem o vice-rei local. Fora uma tentativa da elite da Nova Espanha de assumir as rédeas da nação. Apesar das dificuldades, as autoridades hispânicas conseguem retomar a ordem. Como em 1810 as classes dominantes locais não tinham forças para uma tentativa de separação da metrópole, a revolta no México teve seu início eminentemente popular.
É nesse momento que surge a figura do padre Hidalgo. Influenciado por ideias iluministas, em setembro de 1810, proclama uma revolução em nome da independência, da religião, da Virgen de Guadalupe, do rei e contra o mau governo local, dando início ao movimento rebelde. Não foi à toa que a revolta explode no norte mexicano, região que combinava uma atividade mineradora com latifúndios (grandes propriedades) agrícolas. A população local era em sua maioria composta de índios, mestiços, negros e mulatos, submetidos ou à escravidão, ou ao trabalho compulsório. No entanto, em seu começo a revolta ainda contava com o apoio de alguns criollos. Porém este amparo acabou cedo devido aos episódios de violência contra espanhóis e outros membros das elites logo no início do movimento, durante a tomada da cidade de Guajanato.
Imagem do padre Miguel Hidalgo |
Os rebeldes, que segundo estimativas chegaram a somar cerca de 80 mil, conquistaram vitórias em cidades como Querétaro, San Luís de Potosí (não confunda com Potosí na Bolívia) e Guadalajara. Mesmo assim eram homens pobres, mal alimentados e mal armados. Miguel Hidalgo, enquanto líder do movimento tomou medidas sociais como o fim dos tributos indígenas, a abolição da escravidão, a abolição do tráfico escravo, o fim dos latifúndios e a distribuição destas terras entre os indígenas, ou seja, uma reforma agrária.
Em outubro de 1810, as tropas de Hidalgo enfrentaram as do General Trujillo, nas cercanias da Cidade do México. Mesmo que Trujillo fosse o vencedor, seu exército teve muitas perdas. Apesar disso, Hidalgo não avançou sobre a Cidade do México, preferindo reorganizar-se. Este tempo perdido foi fatal para suas pretensões. Devido a este recuo por parte de Hidalgo, os desfavorecidos que o seguiam entenderam que a velha ordem que combatiam ainda era mais forte. Com isso, ocorre uma desagregação entre os revoltosos, o que resulta na captura de Hidalgo em Chihuahua no início de 1811.
Antes de ser morto, o padre foi excomungado pela Igreja, ainda que dissesse estar em prol da religião e da Virgen de Guadalupe, além de ser obrigado a declarar arrependimento. O simples padre do baixo clero rural mexicano se transformou rapidamente em líder de multidões, inspirado pela leitura dos iluministas franceses. Seu movimento influenciou, logo no ano seguinte, outro padre mexicano, o mestiço Morelos, dessa vez no sul da Nova Espanha, em uma revolta que durou até 1815.
A independência do México só veio a rigor em 1821, com a manutenção das elites e dos defensores do Antigo Regime no poder. Foi empossado um imperador, Agustín de Iturbide, que havia lutado contra Morelos. Era uma solução encontrada pela elite criolla para evitar novos levantes populares e ao mesmo tempo, se separar da metrópole espanhola que já havia perdido o controle sobre a colônia.
É interessante fazer uma comparação com o processo de independência vivido no Brasil. Ainda que algumas revoltas emancipacionistas como a Conjuração Baiana de 1789 e a Revolução Pernambucana de 1817 tivessem apelo popular, não tinham caráter nacionalista. A primeira, por exemplo, não chegou nem a eclodir, sendo reprimida no seu início. A segunda, com um grande número de padres entre os revoltosos, teve sucesso efêmero. Declarou a emancipação de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte em março de 1817, mas foi massacrada pelo exército português em maio do mesmo ano. Interessante notar que as revoltas coloniais raramente se pronunciavam contra a Coroa, mas contra as administrações locais, em geral corruptas e violentas. Não devemos nos esquecer que durante o período napoleônico a Coroa portuguesa se refugiou no Brasil em 1808, o que acabou com as relações entre Metrópole e Colônia, apesar de não romper com o Antigo Regime. No caso mexicano, não obstante a guerra na Europa, a Pacto Colonial não foi totalmente rompido.
Mesmo que as revoltas populares antes da independência mexicana tenham tido maiores repercussões que as brasileiras, também acabaram sendo reprimidas. E o processo de independência também foi levado a cabo pelas elites, deixando o povo a margem, com a manutenção de diversas estruturas coloniais. Não por acaso, existe grande semelhança entre estes dois países latino-americanos, de Terceiro Mundo, em desenvolvimento, com grande território e segundo dizem, grandes capacidades. Em ambos, a maior parte população, os mais desfavorecidos, sempre esteve de fora das decisões políticas, sempre foi excluída e explorada economicamente.
Bibliografia:
GUAZZELI. Cesar Augusto Barcellos. “A crise do sistema colonial e o processo de independência”. In: WASSERMAN. Cláudia. A História da América Latina: Cinco séculos. Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000.
HALPERIN DONGHI. Tulio. História da América Latina. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1975.
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