quarta-feira, 22 de junho de 2011

“Just let me hear some of that rock and roll music” – A origem do rock

Chuck Berry



Já é um clichê afirmar que o Rock and Roll marcou e continua marcando gerações. Quero me referir nesse momento à geração que começou com isso tudo. Se aceitarmos que os fãs do rock são indubitavelmente, os jovens a pergunta a se fazer é: quem foram estes jovens que deram o pontapé inicial para esse estilo musical? Como era a sociedade em que estes jovens viviam quando o rock se originou?
As primeiras gravações do que é reconhecido como rock datam de meados dos anos cinquenta do século XX. Grandes roqueiros como Little Richard, Chuck Berry, Elvis Presley e Jerry Lee Lewis começaram seus trabalhos nessa década. A década de 50 pode ser vista como uma reconstrução do mundo depois da Segunda Guerra e da crise do capitalismo liberal dos anos 30.
Era necessária a remontagem do mundo capitalista. Nos EUA, esse processo foi conhecido como New Deal, implementado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt no final dos anos trinta. Estabeleceu-se uma perspectiva keynesiana, sobre a economia, compreendendo a interferência do Estado na economia, o aumento no número de empregos e a melhoria nas condições de vida da população. Era uma reestruturação do capitalismo. Tais práticas ficaram conhecidas como “Estado de Bem-Estar Social”.
Consequentemente, a economia cresceu em alta escala. As indústrias, impulsionadas por benefícios dos governos, se expandiam cada vez mais e geravam mais empregos. O Estado se tornou previdenciário universal, para alguma provável situação difícil. O cidadão não ficaria desamparado no desemprego, doença ou velhice.
Com tudo isso, era de se esperar que crescesse o poder aquisitivo das pessoas. Quanto mais gente com emprego, mais renda por pessoa. Quanto mais o Estado oferece aos indivíduos saúde e educação, mais eles têm dinheiro para gastar em outras coisas e fazer a economia girar. Nesse momento que se fortifica uma sociedade de consumo e que surge o jovem como consumidor.
Os tempos difíceis da crise e da guerra haviam acabado. Nos anos cinquenta os adolescentes passam a ter o seu dinheiro, sem ter que precisar trabalhar para a família, ou sem ter que ir para o combate na Europa. Mesmo jovens de uma classe menos abastada, tinham uma situação financeira melhor que há dez anos. É nesse contexto que surge o interesse pelo rhythm and blues. Mais especificamente, a percepção das gravadoras da preferência das massas por esse estilo.
Grosso modo, estilisticamente, o rock tem raízes no rhythm and blues, no country e na pop music. A pop music era a música das grandes gravadoras, feita por brancos. O country era a música folclórica do interior dos EUA, feita por brancos. O rhythm and blues era a música produzida por negros, derivada do jazz e do blues. Interessante de observar que a partir de agora, jovens da classe média passavam a se interessar pelos gostos da classe operária, não somente na música, mas nas roupas, como o jeans, e na linguagem.
Todas essas mudanças faziam parte da Revolução Cultural que estava acontecendo nesse período. A inserção da mulher no mercado de trabalho e a ascensão do jovem como membro considerável da sociedade contribuíam para isso. A juventude dos anos 50, diferentemente das décadas anteriores, se mostrou rebelde e insatisfeita com setores da sociedade conservadora. Pretendiam quebrar com o moralismo, repressão sexual e puritanismo vigente nos EUA na época.
Surge uma música comercial, mas que atende aos anseios desses jovens. Era um ritmo mais palpitante e insistente, com letras que remetiam ao cotidiano, falando de mulheres, romances e carros. Contudo, enquanto os brancos faziam letras ingênuas como Rock around the clock, de Bill Halley, os compositores oriundos do rhythm and blues carregavam suas letras com uma certa conotação sexual. Por exemplo, a letra de Tutti Frutti de Little Richard dizia que: “I've got a girl named Sue/ She knows just what to do”. Não é preciso muito para saber o que a Sue sabe fazer. Esse erotismo tem uma inegável influência do blues. Claro que este tipo de música, com essa carga sexual não era bem aceita na sociedade norte-americana. Ainda mais vinda de Little Richard, que era negro.
A maioria dos negros norte-americanos se concentrava no sul. Little Richard era nascido na Geórgia, Chuck Berry no Missouri, estados do sul dos EUA. Esta região é reconhecida como racista até os dias de hoje, mas já foi muito pior. Mesmo no resto do país, os negros sofriam com a segregação racial. Ainda que ocorresse uma emigração em massa do Sul para o Norte e o Oeste, eram relegados aos guetos das grandes cidades.
Mesmo a mídia costumava celebrar os valores de uma sociedade branca, anglo-saxônica e protestante. Em geral, as grandes gravadoras apresentavam artistas que representavam esta ideia como Frank Sinatra. Mesmo que houvesse espaço comercial para os negros no mundo musical, principalmente a partir do jazz, o preconceito ainda era latente.
Um bom exemplo disso é Chuck Berry e a letra de Johnny B. Goode. Relativamente autobiográfica, a música conta a história de um rapaz pobre do sul americano que estava destinado a fazer sucesso com a sua guitarra. Entretanto, o compositor teve que mudar a letra para que fosse aceita por aquela sociedade. O próprio Berry afirmou em entrevista para a revista Rolling Stone que a letra original dizia que o personagem era um “little colored boy” (garoto de cor) e que teve que ser mudada para “little country boy” (garoto do interior), caso contrário, não tocaria nas rádios.
Elvis Presley
O rock and roll só foi estourar de vez quando surge Elvis Presley. Ele era um branco que soube se apropriar da música que os negros faziam e tocavam, recriá-la e oferecer para as gravadoras e para a sociedade americana um material que estas fossem aceitar de melhor grado. Foi o primeiro grande astro pop do rock. Em princípio Elvis só sabia cantar, diferentemente de Little Richard que tocava piano e de Chuck Berry que era guitarrista.
Como ocorre em diversos casos, o capitalismo soube se apropriar de algo popular e em certa parte rebelde, revolucionário e transformar isso em algo aceito pela sociedade de consumo. No caso do rock and roll, as gravadoras se apropriaram dos trabalhos derivados do rhythm and blues, colocando brancos como Elvis, ou Bill Haley para apresentar a música que os negros faziam. Claro que isto era acompanhado de uma adaptação das letras para que a sociedade conservadora pudesse aceitá-las.
O rock and roll foi um estilo inovador e revolucionário, que representava os anseios dos jovens de uma época. Ao mesmo tempo, esse estilo foi apropriado como mercadoria e transformado em objeto de consumo para estes jovens dos anos 50 que tinham uma situação financeira mais confortável do que as das gerações anteriores.


Bibliografia:
CHACON, Paulo. O que é rock. São Paulo: Nova Cultural: Brasiliense, 1985.
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. Rio de Janeiro: Record, 2003.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HOBSBAWN, Eric. História social do jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
AS 500 MAIORES MÚSICAS DE TODOS OS TEMPOS – REVISTA ROLLING STONE. Spring Publicações.
Também disponível em

Veja "Rock Around the Clock" de Bill Halley:


Agora, preste atenção nas diferenças entre a música de Bill Halley e Chuck Berry com "Johnny B Goode":


Abaixo, "Tutti Frutti", interpretado pelo seu compositor, Little Richard:


Compare com a versão de Elvis Presley. Perceba como a televisão só mostra o cantor da cintura para cima, devido ao modo como dançava mexendo as pernas:


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