Cartaz do filme Django Livre. Muita violência e vários clichês como é de praxe nos filmes de Tarantino. |
Nesse
ano de 2013, dois filmes concorrentes ao Oscar tratavam do mesmo assunto, a
escravidão nos EUA. Tanto Lincoln
como Django podem nos levar a debater
e refletir sobre o assunto de maneiras diferentes.
Django Livre (ou Django Unchained, no original) tem a marca do diretor Quentin
Tarantino. Filme bastante violento, com Jamie Foxx no papel principal, mistura
de um western spaghetti com blaxplotation. Com trilha sonora
interessantíssima, que modifica o gênero conforme o filme avança, trata da
busca do escravo liberto Django por sua esposa, Broomhilda, que é cativa de um
senhor. Tudo com muitos tiros, sangue e vingança, guardando semelhança com Bastardos Inglórios, com uma minoria
buscando lutar contra os seus opressores.
Mesmo
que seja uma grande homenagem de Tarantino a um certo tipo de produção
cinematográfica, como é de praxe, Django nos leva a importantes questionamentos
sobre a escravidão. Se o filme é violento, cruel e sádico, é porque o
tratamento dado aos escravos também o foi. Se o uso da palavra nigger, termo em inglês pejorativo para
os negros, é porque os brancos e senhores de escravos tratavam os escravos
dessa maneira.
O
uso do trabalho escravo foi uma instituição no sul dos EUA desde a época colonial.
Já no século XVII, africanos eram transportados para trabalhar nas plantations, ou seja, latifúndios, na
região. Pode-se colocar a seguinte comparação: a situação de vida dos negros
nos EUA não era muito diferente do Brasil. Trazidos à força da África, tinham
péssimas condições de vida. O auge da escravidão foi no fim do século XVIII, o que coincidiu com a independência americana. Curioso perceber que o ideal de "liberdade" da emancipação estado-unidense da Inglaterra servia para alguns, mas não para outros.
Chegando
na América, perdiam sua identidade, recebiam nomes europeus dados pelos
senhores, como Jack, ou ainda nomes esdrúxulos como Django. Era mais uma
maneira de romper com a África, pois seus nomes e sobrenomes se ligavam com
famílias e linhagens do seu continente de origem.
Aqui
cabe dar destaque a um tipo de relação. O escravo era considerado propriedade
do senhor de terras, assim como sua casa e suas fazendas. Por isso que era
necessário um recibo de compra e venda para essas pessoa.
Castigos
físicos como açoites e marcas de ferro quente eram castigos físicos bastante comuns, como podemos conferir em Django
Livre. Outro era a mutilação de membros como dedos e mãos. A grande maioria
dos escravos era de homens, assim como no Brasil, o que gerava problemas nas
relações internas, mas isso não impossibilitava a formações de casais como
Django e Broomhilda.
Ao
contrário do Brasil, nos EUA, um número considerável de filhos de escravos
nasceram nas senzalas. Por isso que mesmo depois que o tráfico de escravos foi
considerado ilegal em 1808, a quantidade de escravos no sul continuava
crescendo. Claro que essa legislação de 1808 foi semelhante à lei Eusébio de
Queiróz de 1850 no Brasil, que proibia a prática do tráfico de escravos por
essas terras, mas que não teve muito efeito prático. Em 1860, por exemplo, ano
que em a Guerra de Secessão teve seu início, havia cerca de 3,9 milhões de
escravos no sul dos EUA. Lembrando que a ação de Django se passa em 1858, dois anos antes.
Em
certo momento do filme de Tarantino, o personagem de Leonardo di Caprio, o
senhor da fazenda, questiona para Django o porquê dos escravos não rebelarem,
uma vez que era a imensa maioria. Certamente que houve revoltas, mas ainda que
mais numeroso, os escravos perceberam que lutar contra os proprietários teria
um efeito, no mínimo duvidoso. Eram os donos das terras e seus donos, que no
fim das contas tinham o monopólio da violência apoiados pelas autoridades.
Depois
do início do século XVIII, uma das principais formas de resistência era a fuga
para estados do norte onde não havia mais escravidão, onde teriam a liberdade,
guiados pela Estrela do Norte.
E
como era o trabalho? Nas plantations,
a principal produção era a de algodão, sobretudo
para abastecer a indústria
têxtil do norte. As fazendas do Mississipi que aparecem no filme Django mostram
exatamente a plantação de algodão. Mas havia outras culturas, como tabaco e
milho.
Escravos trabalhando em lavoura de algodão nos EUA. |
Contudo,
não era apenas nas plantações de algodão, tabaco e milho que os escravos
africanos labutavam. O trabalho escravo era fundamental no sul. Existiam
aqueles que faziam os serviços domésticos e outros serviços na fazenda como o
reparo e a construção de obras como celeiro, moinhos. A rigor eram os escravos
que faziam quase toda atividade produtiva no sul dos EUA. O trabalho braçal era
visto como algo inferior, não seria uma atividade para os bem-nascidos da elite
branca sulina.
Para
mim, e sei que para muita gente, o personagem mais interessante do filme não é
Django; nem o dono da fazenda, Calvin Candie; nem o caçador de recompensas. O
personagem mais interessante é o vivido por Samuel L. Jackson, Stephen. Sem
estragar o filme para quem não o viu, trata-se de um negro que coopera,
trabalhando como braço direito do senhor de terras. Como isso?
Ora,
quem eram os feitores das fazendas no Brasil? Quem caçava os escravos fugidos?
Certas vezes eram brancos pobres, mas muitas vezes eram os próprios escravos. E
não podemos fazer nenhum juízo de valor aqui. Trabalhar para o senhor era uma
forma de sobreviver um dia a mais, ou uma forma de resistir. Imagine-se diante
de uma situação de extrema opressão. Aderir ao opressor, não é uma estratégia
para se garantir? Repito, não façamos juízos de valor sem saber o que é passar
por esta ou aquela situação.
Obra de Debret: castigos físico no Brasil a escravo em pelourinho. Nos EUA, a situação não era muito diferente. |
E
por que colocar um negro para controlar os demais escravos a cuidar da fazenda?
Este indivíduo é um mestiço, um mediador. Um sujeito que conhece tanto os
códigos dos africanos como dos brancos. Percebeu facilmente que Broomhilda
conhecia Django, sabia como se comunicar com ambos. Ao mesmo tempo, sabia se
comunicar com Calvin Candie, o seu proprietário.
Apesar
das críticas de que Django brinca com
uma situação horrível, entendo o filme como uma excelente forma de se abordar a
escravidão nos EUA. Temos na obra de Tarantino um interessante retrato da visão
que os brancos tinham: a de que possuíam o direito do uso do corpo do outro
para o trabalho. E pior: isso parecia algo correto perante a lei.
A escravidão é a mais repugnante forma de trabalho. O uso da mão-de-obra sob serviço compulsório, o uso da violência para com os cativos e a simples ideia que um ser humano era propriedade de outro nos causa aversão. Pena que o espaço aqui é muito pequeno para tratar de um tema tão relevante.
A escravidão é a mais repugnante forma de trabalho. O uso da mão-de-obra sob serviço compulsório, o uso da violência para com os cativos e a simples ideia que um ser humano era propriedade de outro nos causa aversão. Pena que o espaço aqui é muito pequeno para tratar de um tema tão relevante.
Visto
isso, podemos aprender as origens da sociedade racista existente no sul dos
EUA. No próximo post, comento Lincoln
do Steven Spielberg. Abaixo, o trailer de Django.
Bibliografia:
EISENBERG,
Peter. A Guerra Civil Americana. São
Paulo, editora brasiliense, 1985.
KARNAL,
Leandro; Fernandes, Luiz Estevam; Morais, Marcus Vinicius de; Purdy, Sean. História dos Estados Unidos: das Origens ao
Século XXI. São Paulo, Editora
Contexto, 2007.
JUNQUEIRA,
Mary A. Estados Unidos – A consolidação da Nação. São Paulo, Editora Contexto,
2001.
BERLIN,
Ira. Gerações de Cativeiro: Uma história da escravidão nos EUA, Rio de Janeiro,
Ed. Record, 2006.
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