Agosto
é um mês que costuma ser complicado para a política brasileira. Como já foi
relatado aqui no blog antes, foi a época do suicídio de Getúlio Vargas. Mas
também ficou marcado pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961 e consequente
“campanha da legalidade”, em prol da posse do vice, João Goulart. De acordo com
sua carta de renúncia “forças terríveis” o teriam levado a fazer isso. Mas que
“forças” foram essas que levaram um presidente a se afastar do cargo sete meses
após sua posse?
Jânio em campanha: o modo desleixado de se vestir e se portar era proposital |
Para responder a esta pergunta é
importante entender o contexto político do Brasil na época e a trajetória de
Jânio Quadros. O governo anterior, JK, havia onerado muito as contas públicas.
Seu partido, o PSD, fundado por Vargas tinha tanto a oposição do PTB, também
fundado por Vargas, como da UDN, ligado a elite antivarguista. Ainda que
correspondesse aos setores de uma classe média e alta, o governo JK não agradou
tanto assim as classes baixas brasileiras. A prática do
nacional-desenvolvimentismo que atraiu a indústria automobilística estrangeira;
levou à construção de uma nova capital, Brasília e rompeu com o FMI, parece não
ter atingido positivamente toda a nação brasileira.
Jânio ascendeu na política de maneira
rápida. Em 1947 assumiu o mandato de vereador em São Paulo pelo Partido
Democrático Cristão (PDC). Um ano depois se elegeu deputado estadual pela mesma
legenda. Em 1953, vence as eleições para a prefeitura de São Paulo, pelo mesmo
PDC, sem o apoio de nenhum dos grandes partidos da época – UDN, PTB, PDS.
Demagogo e populista, no sentido pejorativo da palavra, chega ao governo do
estado paulista, dessa vez pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Jânio
parece se aproveitar muito mais das oportunidades que lhe surgem do que de uma
rede de relações, como era de praxe, para crescer no campo da política
nacional. Desse modo, utilizou brechas e falhas do governo de Kubitschek na sua
campanha para a presidência em 1960.
Com a vassoura como símbolo, Jânio
prometia varrer a corrupção do Brasil: “varre, varre vassourinha/ varre, varre
a bandalheira/ que o povo está cansado de sofrer dessa maneira/ Jânio Quadros é
a esperança dessa gente brasileira”, dizia a música de sua campanha. Com o
apoio da UDN, a candidatura de Jânio despertou simpatia tanto da elite
antivarguista, como pela classe média, que ansiava pela moralização dos
costumes políticos, como pelas classes baixas prejudicadas pelo elevado custo
de vida. Seu opositor, o marechal Henrique Teixeira Lott, do PTB, foi
abandonado por setores do próprio partido, que preferiram apoiar Jânio junto de
João Goulart, dando origem aos comitês “Jan-Jan” (na época, o presidente e o
vice eram eleitos separadamente). Veja abaixo um vídeo de campanha de Jânio:
Agora escute a música da campanha de Jânio Quadros, da "vassourinha":
Jânio até tinha certo carisma, mas
não da mesma maneira de Vargas ou JK. Se o carisma desses dois era marcado pela
habilidade de transitar entre diversos meios sociais, simbolizado pelo sorriso
e simpatia de ambos, Jânio o tinha através do pastiche. Em comícios, tinha um
visual propositalmente desgrenhado, comia sanduíches tirados do bolso, tinha
caspa nos ombros. Na verdade não chegava a ser “populista”, mas “popularesco”.
Ao mesmo tempo, não se propunha a conciliar as classes e partidos, mas
colocar-se acima destes.
O
governo de Jânio foi confuso e ambíguo. Ficou mais conhecido por decisões
esdrúxulas como as proibições do biquíni nas praias, das rinhas de galo e do
uso do lança-perfume nos bailes de carnaval. Ou seja: um conservadorismo
tacanha, bobo. A administração foi desastrosa, os ministros tornaram-se meros
executores de ordens, dadas através de bilhetes. Na verdade, por trás dessa
“tacanhice”, escondia-se um viés autoritário e um descrédito pelas instituições
democráticas como o Congresso.
Quando assumiu em 1961, quebrou a
aliança com a UDN e se propôs a governar sozinho, sem depender de partidos.
Alguns historiadores chamam isso de bonapartismo, governar acima da política e
do Estado, tal qual o estadista francês Napoleão Bonaparte. Com isso, acabou
angariando a antipatia de diversos setores do país. No campo econômico, tratou
de tentar estabilizar a economia, cortando gastos públicos. Mas ao cortar
subsídios para a importação de trigo e petróleo, o preço dos derivados desses
produtos disparou.
Jânio Quadros com Che Guevara: a Política Externa Independente era ambígua, mas oportunista. |
A política internacional também foi
bastante dúbia. Ao mesmo tempo em que reatou com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), entregou a mais alta honraria concedida para estrangeiros,
a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, para o então ministro cubano Ernesto “Che”
Guevara, ídolo da esquerda. Dizia compactuar com a PEI (Política Externa
Independente), que propunha uma situação em que não fossemos ligados à esfera
de influência norte-americana, mas que também não nos alinhássemos com os
soviéticos. Assim, havia a preocupação de manter relações com países de
Terceiro Mundo, como os africanos.
Foi baseada nessa Política Externa
Independente que organizou-se uma expedição oficial à China comunista, com o
vice-presidente João Goulart na comissão. E foi durante esse meio tempo que Jânio
renunciou, mais precisamente em 25 de agosto de 1961. E aqui entra outro
conceito ligado à França e a Jânio: o gaullismo. Charles de Gaulle já havia
retirado-se da política quando em meio a uma crise em 1958 foi escolhido para
voltar ao poder como primeiro-ministro. Jânio, ao renunciar imaginava que
provocaria uma comoção nacional em torno de seu nome. Acreditava que a
população iria aclama-lo para que ele permanecesse no poder, dessa vez com um
Executivo bem mais fortalecido.
O caminhar do presidente reflete a sua política: ninguém sabia para onde o governo de Jânio rumava. No fim, acabou em renúncia |
Por que isso aconteceria? O seu
vice, João Goulart não tinha a confiança de setores conservadores e militares.
Quando era ministro do Trabalho de Vargas, por exemplo, propôs um aumento de
100% no salário mínimo. Muitos o viam como comunista, ou simpatizante, coisa
que Jango não era, e isso desagradava as elites. A crença de Jânio nisso até
tinha fundamento, mas o clamor por sua volta não ocorreu. Nem Carlos Lacerda,
opositor ferrenho do varguismo apoiou Jânio. Pelo contrário, um dia antes, em
24 de agosto, discursou na rádio denunciando uma tentativa de golpe do então
presidente.
Ainda que elementos da direita e
militares tenham tentado impedir a posse de Jango, que voltava da China, esta
foi garantida, como já dito, pela “Cadeia da Legalidade”. Liderada pelo
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola teve o apoio do III Exército e
de boa parte da população porto-alegrense.
Muitos veem Jânio como uma comédia,
como “marxista no sentido do Groucho Marx”, ou ainda como um bêbado. Na
verdade, isso parece ser fechar os olhos para a História. Jânio Quadros tinha
pretensões golpistas e uma prática política que revelava desprezo pela
democracia. Seu modo de cativar e se aproximar das massas, colocando-se como um
deles, revela alguém que se aproveitou de um momento e de certas circunstâncias
para chegar ao poder. Rir, ou debochar disso ainda hoje é perigoso.
Jânio perdeu seus direitos políticos
com o golpe de 1964. Mas com a volta da democracia, elegeu-se novamente
prefeito de São Paulo em 1985, governando a cidade de 1986 até 1989, sem
renunciar.
BIBLIOGRAFIA
BENEVIDES, Maria Victoria. O governo Jânio Quadros. São Paulo,
Editora brasiliense, 1981.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo,
Edusp, 2006.
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