quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O presidente João Goulart, um dia falou na TV Que a gente ia ter muita grana Para fazer o que bem entender


Na década de 80, com o fim da repressão, várias bandas de rock fizeram sucesso com letras irreverentes e desbocadas. Entre elas Cascavelletes, Ultraje a Rigor e Camisa de Vênus. É desta última a canção “Simca Chambord”. Este é o nome de um automóvel de luxo produzido no Brasil nos anos 60. A letra usa o carro para tratar do golpe civil-militar sobre o governo de João Goulart, o Jango em 1964.
O Simca Chambord
Vamos nos situar no período histórico. Após Jânio Quadros renunciar em agosto de 1961, Goulart assumiu a presidência, mas num regime parlamentarista, com poderes limitados, estratégia oposicionista para restringir seu poder. Em janeiro de 1963, um plebiscito decidiu pela volta do presidencialismo.
Contudo, Jango vivia uma situação delicada. A dívida externa e a inflação vinham crescendo muito, uma herança maldita do governo de Juscelino Kubitscheck. Para completar o quadro, sua ligação com o PTB e movimentos populares não agradava aos EUA (lembremos que era o período da Guerra Fria), o que complicava as relações internacionais do Brasil.
A principal iniciativa de Jango foi a tentativa de implementar as reformas de base. Estas eram reformas como a bancária, a universitária, a agrária, a eleitoral e a fiscal. Além disso, tomou medidas como a extensão da Previdência Social aos trabalhadores rurais e a lei de remessa de lucros, que limitava a saída de capital do país.
A rigor, durante todo o período, Goulart governou numa encruzilhada: de um lado uma direita de tradição golpista, que sempre esteve disposta a romper com a democracia em nome de seus interesses econômicos. Do outro, uma esquerda que se radicalizava e pretendia lutar pelas reformas de base a qualquer preço. Vamos então para uma análise da música:
Um dia me pai chegou em casa,/nos idos de 63/E da porta ele gritou orgulhoso,/Agora chegou/a nossa vez/Eu vou ser o maior, comprei um Simca Chambord: em 1963 o país vivia em crise econômica. A relação com os EUA não era boa, por isso, a dívida externa não era negociada. A inflação crescia. Dificilmente uma família de classe média compraria um Simca Chambord, um carro caro. Provavelmente, o automóvel se refira às mudanças, ou tentativas de mudanças feitas pelo governo de Jango.
Jango no comício da Central do Brasil
O presidente João Goulart,/um dia falou na TV/Que a gente ia ter muita grana/Para fazer o que bem entender/Eu vi um futuro melhor,/no painel do meu Simca Chambord: “muita grana”, pode se referir às reformas de base e às mudanças sociais que estavam sendo orquestradas. O dia que o presidente João Goulart falou na TV foi 13 de março de 1964, o famoso comício da Central do Brasil.
Ele aglutinou diversas lideranças de esquerda, como Miguel Arraes, governador de Pernambuco; José Serra, presidente da UNE; Leonel Brizola e o próprio Jango. No seu discurso, o presidente defendeu as reformas de base em prol dos trabalhadores, sobretudo a reforma agrária sem indenizações prévias.
Esse fato acabou desagradando muito os setores conservadores, que reagiram organizando a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Outros episódios complicariam a situação de Jango: a anistia para marinheiros que haviam se revoltado e um almoço com sargentos. Ambos desagradaram a cúpula das Forças Armadas.
Mas eis que de repente, foi dado um alerta/Ninguém saía de casa e as ruas/ficaram desertas/Eu me senti tão só, dentro do/Simca Chambord/Tudo isso aconteceu há mais de vinte/anos/Vieram jipes e tanques que/mudaram os nossos planos:a referência é direta ao golpe. Em 31 de março, tropas do Exército comandadas por Olímpio Mourão Filho, saíram de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro com o intuito de prender e depor Jango.
Em primeiro de abril, o governo Goulart foi derrubado. As elites econômicas festejavam. O golpe foi civil e militar, pois além do Exército, recebeu o apoio de empresários, como donos de empresas de comunicação (basta ver os editoriais de grandes jornais nos dias seguintes ao golpe), e dos governadores da Guanabara, Carlos Lacerda; de São Paulo, Ademar de Barros; de Minas Gerais, Magalhães Pinto e do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti. Este último estado, que havia resistido contra o golpe em 1961, não demonstrou o mesmo apoio desta vez.
Eles fizeram pior/Acabaram com o Simca Chambord: Vieram mais de vinte anos de ditadura. Quem acabou perdendo foi a democracia e o próprio povo brasileiro. O Simca Chambord parou de ser produzido nos anos 70. Mas o que acabou mesmo foram as liberdades individuais e as tentativas de reformas sociais. O pior que o golpe fez foi jogar o país em duas décadas de ditadura.
Este post é uma homenagem ao meu primo Nelson Burd, fã da banda, da música e do Jango. Confira abaixo a música do "Camisa de Vênus":

Bibliografia:
FERREIRA, Jorge. “O Governo Goulart e o golpe civilmilitar de 1964”. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (Col. “O Brasil Republicano”, vol. 3),

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