terça-feira, 10 de abril de 2012

A Revolta da Chibata – O Almirante Negro


Temos a mania de criar heróis nacionais. É um fenômeno comum e faz parte da formação das nações. No Brasil, há o Panteão dos Heróis Nacionais, entre os quais constam nomes como o de Tiradentes e Dom Pedro I. Infelizmente, o nome de João Cândido, líder da Revolta da Chibata, não consta dessa relação.
Mas no que consistiu a Revolta da Chibata? Foi um levante ocorrido na Marinha. Esta era a Força Armada da qual faziam parte os elementos das classes sociais mais desfavorecidas durante o início da “República Velha” ou “República Oligárquica” brasileira. Por isso mesmo, os marinheiros eram vítimas dos piores tipos de castigos.
João Cândido, líder da Revolta da Chibata
No início do século XX era muito mais fácil maltratar os mais pobres. Para quem eles iriam reclamar, se o que recebiam do governo era somente a repressão? Logo, como se não bastasse a situação de penúria, estes ainda por cima, não tinham a quem pedir auxílio ou socorro. Cabe ressaltar que muitos marinheiros eram negros. É possível concluir que os castigos violentos que lhes eram impostos guardam relação com uma herança maldita da escravidão, na qual as punições físicas eram corriqueiras.
Foi nesse cenário que ocorreu em 22 de novembro de 1910, a Revolta da Chibata. A chibata é a ponta do chicote que provocava feridas em quem recebia os seus golpes. Pois bem, esse levante partiu exatamente dos marinheiros pobres e negros, que mais sofriam com a violência dos comandantes.
Os marinheiros amotinados tomaram conta de alguns navios de guerra, chamados São Paulo e Minas Gerais, mataram alguns oficiais e apontaram os seus canhões para a cidade onde estavam atracados: a então capital federal, o Rio de Janeiro. O objetivo dos marinheiros não era derrubar o governo, mas acabar com os castigos físicos violentos. Com os canhões voltados contra si, o presidente Hermes da Fonseca e o Senado aceitaram as demandas dos marinheiros, acabando com a chibata e anistiando os rebeldes, desde que estes se submetessem às autoridades. Os revoltosos concordaram, mas a este fato, seguiu-se uma rebelião dos fuzileiros navais sem relação com a Revolta da Chibata e seus líderes.
João Cândido e os demais, contudo, foram traídos pelo governo brasileiro. Sob a acusação de participaram da rebelião dos fuzileiros, acabaram sendo jogados numa prisão na Ilha das Cobras, litoral fluminense. Depois, levados até a Amazônia num navio chamado “Satélite”, junto de criminosos como ladrões e proxenetas. Nesse meio tempo, muitos morreram devido às péssimas condições e aos fuzilamentos ocorridos na viagem. Após dezoito meses, os líderes da Revolta da Chibata foram finalmente inocentados. Ao fim os marinheiros receberam o que pediam: fim dos castigos físicos e um soldo decente.
Mais de cinquenta anos depois, Aldir Blanc e João Bosco compuseram “O Almirante Negro”, com a seguinte letra:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Porém a letra foi censurada pela ditadura militar que assolava o país no período (e tem gente que ainda exalta esse momento pelo qual o Brasil passou). Mudou de nome, passou a se chamar “Mestre-Sala dos Mares”, mudaram alguns versos e foi imortalizada na voz de Elis Regina:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Algumas passagens são ainda evidentes menções a João Cândido e à Revolta da Chibata:
Rubras cascatas jorravam das costas/dos santos entre cantos e chibatas – mesmo que a letra original fale em “negros” e não “santos”, a mensagem é clara, remetendo aos castigos e maus tratos e de certa forma, recordando que no Brasil da época, a tortura ainda era uma prática comum e aceita.

Salve o navegante negro/Que tem por monumento/As pedras pisadas do cais – lamentavelmente, a história da Revolta da Chibata ainda é pouco contada. Imaginem a situação durante a Ditadura Militar: um motim dentro das forças armadas provocado por homens negros e pobres.
A letra original ainda fala em “E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas/ Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas /jovens polacas e por batalhões de mulatas”, ou seja, prostitutas da época, mulheres que também sentiam a miséria e a exploração. Ora o “bloco de fragatas” eram os navios tomados pelos marinheiros rebeldes.
Em toda essa questão existe um certo preconceito. Afinal, por serem negros e pobres, os líderes da Revolta da Chibata receberam poucas palmas em vida. Pelo contrário, foram presos e quase condenados. João Cândido hoje tem um busto no Parque Marinha do Brasil, em Porto Alegre e outro na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro. Sua cidade natal, Rio Pardo, no Rio Grande do Sul não prestou nenhuma homenagem. Provavelmente por que ele era filho de escravos, pertencente a uma classe desfavorecida da sociedade.
Mas é curioso perceber como a política faz uso da figura de João Cândido. O integralista, Plínio Salgado se aproximou dele. Recentemente, um deputado do PRONA propôs a colocação de seu nome na galeria de heróis nacionais. Dois políticos marcados pelo conservadorismo, por ideias de um nacionalismo ufanista, e muito próximas do fascismo.
João Cândido não precisa ser herói. O Brasil não precisa de heróis. O “Almirante Negro” apenas deveria ser reconhecido como um brasileiro que sendo pobre, negro, explorado e maltratado lutou contra os abusos, por direitos iguais aos demais.
Confira Elis Regina cantando "Mestre-Sala dos Mares":

Abaixo, Elis cantando a mesma música, mas com a letra que foi censurada. A apresentação foi feita no México:


 
Bibliografia:
MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. São Paulo, Paz e Terra, 2009.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre o Estado laico


Nas últimas semanas foi criado um novo debate no Rio Grande do Sul: a retirada das cruzes dos tribunais criou mais uma polêmica na província. A questão toda gira em torno do Estado laico e da separação entre o mesmo e a Igreja. Ora, se a cruz é um símbolo religioso, não cabe numa instituição oficial. Desde quando que existe essa diferença entre Estado e Igreja?
Desde a Revolução Francesa. Pois é, desde 1789 que a religião não faz mais parte do governo. Como se sabe, a Revolução foi profundamente influenciada pelo Iluminismo, que se opunha ao Antigo Regime, sistema em vigor na Europa durante a Idade Moderna. Uma de suas características era justamente a ligação entre as autoridades e a Igreja, afinal, o poder do rei emanava da vontade divina. Assim, membros do clero tinham certos privilégios, como isenção fiscal.
A classe que mais abraçou o Iluminismo durante o século XVIII foi a burguesia, a mesma que fez a Revolução. Sim, a verdadeira classe revolucionária era a burguesia. As mudanças colocadas em prática na sociedade na França pós-Revolução foram conquistas dessa classe. Ocorreu um processo de “descristianização” dessa classe que era instruída e lia os autores iluministas. Isso não significa ateísmo, significa apenas uma diminuição no aspecto da devoção religiosa.
Logo, com a Revolução Francesa, e com a Americana de 1776 também, as instituições foram secularizadas. O poder não emanava mais de Deus, mas sim do povo. Além disso, foi divido em três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último é responsável por julgar as leis, de modo cego e isento. Se o Judiciário é um dos poderes que emana do povo e não de Deus, por que existiam cruzes nos tribunais? E por que criar uma polêmica defendendo a permanência da mesma?
Não se trata de interferir no direito individual. O funcionário que quiser pode ter sua cruz, ou sua imagem religiosa sobre a mesa. Mas os tribunais são órgãos públicos, assim como a Assembleia Legislativa, o Congresso Nacional e os palácios governamentais.
Junto a isso, a separação entre Igreja e Estado trouxe outras novidades como a criação de escolas públicas e laicas, fazendo da educação uma responsabilidade do governo e a alteração do batismo para o registro civil, fazendo com que todos, e não apenas os católicos apostólicos pudessem contar no senso e exercer o direito da cidadania. Assim, ainda se deu o direito de culto para todas as religiões, afinal, não existia mais uma religião oficial.
No Brasil, esse processo se deu somente em 1889, quando da Proclamação da República. Durante o Império, Estado e Igreja eram ligados e depois de 15 de novembro desse ano, principalmente após a carta constitucional, ficaram separados. Com isso, não havia mais uma religião oficial, e casamentos, batizados passaram a ser registrados no âmbito civil. Tudo isso, devido a ideia laica dos dirigentes republicanos, influenciados pelo positivismo.
Portanto, faz mais de cem anos que no Brasil, o governo é separado da religião e mais de duzentos anos que a Revolução Francesa adotou o Estado laico, acabando com os privilégios do clero e transformando todos em cidadãos. E isto, em princípio, não significa nenhum tipo de perseguição a quem pratica alguma religião. Pelo contrário: significa a liberdade religiosa e de culto. Pena que uns que outros andaram matando essas aulas de História no colégio.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Uganda

Nos últimos dias um vídeo do youtube vem tomando conta da internet e do facebook: trata-se de um documentário denunciando as ações de Kony, chefe de uma milícia em Uganda, responsável por raptar e escravizar crianças, além de matar milhares de pessoas. Muito bom que as pessoas se preocupem com esse caso, as redes sociais podem ser usadas para outros fins além de só divulgar o que fizemos no fim de semana, ou falar da Luiza no Canadá. É excelente que as pessoas demonstrem interesse em Uganda, um país subdesenvolvido e miserável, perdido no meio da África. Mas é uma pena que somente assim que os olhos do mundo se voltem para esta região pobre e explorada. Veja o vídeo que tem mobilizado as pessoas em volta do mundo:

Uganda, como tantas outras regiões africanas, foi vítima do imperialismo europeu que varreu este continente entre 1880 e 1814. Foi ocupada pela Grã-Bretanha, como parte da estratégia de ocupar a nascente do rio Nilo, no lago Vitória. Desde 1894, Uganda se tornou em um protetorado inglês. Este tipo de regime consistia na manutenção das autoridades locais do período pré-colonial, desde que subordinadas às metrópoles. O governo sob protetorado não tinha direito de organizar um exército e transferia suas relações diplomáticas para a metrópole que o dominava.
Em vermelho o território de Buganda
em comparação com o resto
da atual Uganda
No caso ugandense, foi mantida a estrutura monárquica e as entidades políticas do reino de Buganda, ao qual foram incorporados outros pequenos reinos locais. Há que se destacar que mesmo assim, etnias que não faziam parte do reino de Uganda sofreram muito os reveses da dominação inglesa. Foram instaladas companhias inglesas que controlavam as plantações de algodão com mão de obra nativa e trabalho forçado, com produção destinada para a exportação. Mesmo assim, Uganda era a região mais rica e populosa da África oriental britânica. 
A partir dos anos 40, com o fim da Segunda Guerra, surgem protestos contra o domínio britânico e situação de pobreza local. A união de dois elementos pode ser apontada para esta sublevação: um nacionalismo de Buganda e uma revolta das populações de outras regiões que compunham o território de Uganda cansadas da exploração dos ingleses
No início dos anos 60, Milton Obote pleiteia a autonomia de Uganda e funda a Uganda National Congress (UNC), que se transforma em Uganda People’s Congress (UPC). Em 9 de outubro de 1962, os ingleses cedem e Uganda se torna um país livre e independente. Surge um governo de união nacional com Obote dividindo o poder com o rei de Buganda, ou “kabaka” no idioma local, Mutesa III. Mas entre 1966 e 1967, Obote, com o apoio do exército, destitui o monarca, incorpora Buganda pela força e institui uma república presidida por ele.
Obote se dizia socialista, mas o país continuava sendo miserável, com uma economia voltada para a agricultura de exportação e com empresas estrangeiras que ainda operavam em Uganda. Até quem em 1971, o general Idi Amin deu um golpe de estado em Obote. 
Idi Amin
Entre 1971 e 1979, Idi Amin governou Uganda com uma ditadura feroz, que está entre os regimes que mais violaram os direitos humanos nos últimos cinquenta anos. Uma boa ideia do governo de Idi Amin pode ser tirada a partir do filme “O Último Rei da Escócia”, com Forest Whitaker no papel do ditador. Como se não bastasse a cruel e sanguinária ditadura Idi Amin privilegiou uma etnia local, no caso a nubi, que detinha o monopólio de boa parte da economia do Estado. Como resultado, no início dos anos 80, Uganda ocupava uma das piores posições em países desenvolvidos no mundo. 
Idi Amin foi derrubado em 1979 por tropas da Tanzânia, com apoio de parte da população ugandesa. Foi formado um governo interino presidido por Yusuf Lule, que no mesmo ano foi derrubado por Godfrey Binaisa. Mais quatro presidentes ocupariam o cargo só da década de 80, o que evidencia a instabilidade política do país. 
Em Uganda, como em tantos outros países da África houve uma divisão arbitrária do território, por parte das potências europeias a revelia das populações locais. As fronteiras impostas não obedeciam a nenhum critério histórico ou social. Como se não bastasse a situação de penúria, nos mesmos anos 80, os países africanos se viram obrigados a se socorrer de empréstimos do Fundo Monetário Internacional. As medidas que o FMI impôs para fazer os empréstimos, como cortes no orçamento e privatização de estatais, quebrou mais ainda os países do continente africano. 
Como se vê a situação de Uganda não é recente. Por anos o país sofre com a ditadura de Idi Amin, que matou cerca de 300 mil pessoas. Desde 2011, os Estados Unidos intervieram, mandado tropas para o país, na expectativa de terminar com os conflitos causados pelo Exército de Resistência do Senhor e pelo seu líder, Joseph Kony. Em tempo: no ano de 2010 foram descobertas grandes reservas de petróleo na região. 
É ótimo que as pessoas compartilham e divulguem o vídeo que denuncia Kony. Mas antes disso é importante que saibam a História de Uganda e quando que alguém realmente se importou com este país. Cabe lembrar que situações de conflito existem por toda a África, mas quase nunca são lembradas pela mídia ocidental.
Mapa atual de  Uganda

Bibliografia:

MACEDO, José Rivair. (org.). Desvendando a África. Porto Alegre, editora da UFRGS, 2008.

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

Mazrui. Ali A. Mazrui e Wondji. Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Disponível para download.
LINHARES, Maria Yeda. A luta contra a metrópole (Ásia e África). São Paulo, Brasiliense, 1981.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher


Em 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. É uma data importante, sobretudo para afirmar todas as conquistas que elas vêm obtendo desde o início do século XX. Apesar da opressão e dominação que sofreram ao longo do tempo, não devem ser vistas como meras vítimas, porque também são agentes da História, são seres sociais ativos. Elas obtiveram seus direitos e sua igualdade através de lutas e participação na sociedade.
Claro que por muitos anos foram excluídas socialmente. Entretanto, por meados do século XIX, a situação começou a mudar. Mas para pior. Elas começaram a ingressar nas grandes indústrias, o que dificultava que realizassem o trabalho na rua e em casa. Assim, depois de casadas, mesmo que fossem de famílias humildes, não trabalhavam; ainda que entre solteiras, o número de mulheres que trabalhassem fosse elevado. Dessa maneira, eram expelidas da economia e do “mundo dos negócios”, sendo estas tarefas predominantemente masculinas. Por consequência, eram também isoladas das decisões políticas dos países.
Por isso que, no século XIX, o aspecto mais visível da emancipação feminina eram as sufragistas, defensoras do voto universal, tanto dos homens, como das mulheres. Porém esta era uma demanda da classe média. A classe operária tinha outras necessidades. As mulheres trabalhadoras sofriam com péssimas condições, além de arcar com uma carga horária entre 12 e 14 horas por dia e ter um salário inferior ao dos homens.
No início do século XX, a despeito da discriminação, muitas conseguiram uma inserção no mundo masculino através do acesso à educação, ao voto e à profissionalização. Mas como as mulheres competiriam num mundo feito pelos homens e para os homens? Para além da luta pela igualdade de direitos, era preciso a luta pelas suas diferentes necessidades, como por exemplo, a licença-maternidade.
Foi principalmente após a Segunda Guerra que as mulheres se tornaram uma força política importante. A partir daí, as casadas não seriam mais apenas um apêndice do marido, muitas vezes chefiando as famílias. Com o direito ao voto nos mais variados países, elas conseguem conquistar inclusive a liderança de nações como foi o caso de Indira Gandhi na Índia, Golda Meir em Israel, Margareth Thatcher na Inglaterra e Isabelita Perón na Argentina nos ano 70 e 80, além dos casos mais recentes de Dilma Rousseff no Brasil, Angela Merkel na Alemanha e Cristina Kirchner na Argentina.
Clara Zetkin
e Rosa Luxemburgo
Mas por que esse dia é celebrado em 8 de março? Principalmente pela luta de mulheres na liderança de movimentos sindicalistas e de esquerda, como Emma Goldman no princípio do século XX. Nesse momento, como foi dito, os salários eram baixos, as condições de trabalho péssimas e a carga horária alta. É nesse contexto que em 1910, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagen, na Dinamarca, a líder Clara Zetkin propõe a criação do Dia Internacional da Mulher, mas sem definir uma data. Mesmo antes, desde 1908, nos Estados Unidos, as mulheres socialistas organizavam manifestações pelo “Dia da Mulher” no último domingo de fevereiro.
Em 25 de março de 1911 um evento chocante marcaria a luta feminina não só por igualdade de direitos, mas por despertar a consciência das mulheres para sua condição. Um incêndio numa fábrica têxtil em Nova Iorque matou 125 mulheres e 21 homens, sobretudo imigrantes judeus e italianos. Muitas dessas mulheres eram identificadas com movimentos socialistas e anarquistas. Esse fato leva muita gente a pensar que o Dia Internacional da Mulher é em homenagem às vítimas do incêndio, o que não necessariamente condiz com a realidade. A data faz alusão ao dia 8 de março de 1917, quando trabalhadoras russas do ramo da tecelagem entram em greve. Poucos meses depois, a Revolução Socialista de outubro ocorria no país.
O papel subalterno imposto às
mulheres na sociedade ainda è
muito visível na sociedade contemporânea,
como pode ser percebido em propaganda
de sabão em pó, margarina, refrigerantes...
Somente na década de 60 que junto com outras políticas afirmativas, 8 de março foi institucionalizado como o Dia Internacional da Mulher. É inegável que as conquistas das mulheres foram várias desde o século passado. Voto, inserção na sociedade e igualdade de direitos foram importantes avanços. Entretanto, em muitos casos, os homens ainda são melhores remunerados; em muitos países, as mulheres não têm seus direitos garantidos e por diversas vezes, a mentalidade retrógrada e burra de vê-las como “seres inferiores” que devem cuidar do lar, permanece.
Hoje, a mulher deve ser vista como igual ao homem, mas ao mesmo tempo como diferente. Suas demandas, buscas e vontades são diferentes e deves ser respeitadas como tais. Hoje, as mulheres têm outras bandeiras, como o direito ao aborto, ao qual ainda são negadas por motivos que considero esdrúxulos. O dia 8 de março relembra a luta pelos direitos das mulheres, e aqui podemos nos referir aos mais variados direitos, desde o voto até o de se vestir como bem entender, sem depender de aspectos conservadores da sociedade. Mas, muitas vezes, essa ideia é deturpada em prol da propaganda e do comércio. É importante resgatar essa origem da data para a conscientização dos problemas que ainda existem em nossa sociedade em relação a posturas machistas e que excluem as mulheres.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O bota abaixo e a Revolta da Vacina

Rua do Mercado: exemplo de uma das estreitas vias
do Rio de Janeiro que resistiu ao "bota abaixo"
No início do século passado, a então capital federal, cidade do Rio de Janeiro, ainda apresentava características urbanas do período colonial. O centro era repleto de vielas e pequenas ruas, por onde escoava a produção nacional de café em direção ao porto e por onde deveria circular a mercadoria que chegava pelo mesmo. As ruas eram estreitas, nelas não seria possível passar um carro, andavam somente pessoas, carroças, carrinhos de mão. Esta formação urbana era consequência do crescimento desordenado da cidade.
Em 1763, o Rio de Janeiro tornou-se a capital da colônia. Em 1808, a família real chegou ao país junto da corte portuguesa. Foram aumentos populacionais significativos muito rapidamente. Ao mesmo tempo, milhares de desfavorecidos procuravam a cidade em busca de oportunidades. No início do século XX, sua população era de mais de 500 mil habitantes.
Exemplo de cortiço
Essa população mais pobre habitava justamente o centro da cidade. Suas moradias eram os antigos casarões, onde diversas famílias viviam juntas em situação de penúria e de pouca qualidade de vida. Estes prédios eram conhecidos como cortiços. Tal realidade está retratada no livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo, lançado no fim do século XIX. Essa obra descreve a vida num destes lugares, não sem escorregar numa perspectiva preconceituosa: a de que o meio determina o comportamento humano. Assim, as pessoas que ali habitavam eram corrompidas pelo meio. Ou seja: os mais pobres tinham hábitos que poderiam desvirtuar os demais, como é o caso de Jerônimo, um português trabalhador que, ao chegar ao cortiço, transforma-se num malandro; ou de Pombinha, que era uma moça rica, pudica e mimada, perde seu pai, vai morar no cortiço e, ao fim, acaba se prostituindo.
O Rio de Janeiro ainda era um “antro” de doenças tropicais, como a febre amarela e a varíola. Acreditava-se que a acumulação de pessoas em espaços reduzidos era a causa dessas doenças. Os miseráveis do centro do Rio de Janeiro eram considerados culpados pelas autoridades de espalhar as enfermidades, de disseminar a violência e o banditismo. As elites acreditavam que eles deveriam ser retirados da região, para transformá-la numa região “limpa”, ou seja, própria para a burguesia local.
Quem colocou esse plano em prática foram o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, e o presidente da República, Rodrigues Alves, a partir de 1901. A ideia era simples: derrubar os velhos casarões que serviam de cortiço, retirar os mais pobres, considerados pelas elites como “classes perigosas” do centro da cidade e abrir largas avenidas, dando fim às ruelas e pequenas vias do período colonial. Lembram de “O Cortiço”? Pois bem, a visão das elites da época era exatamente essa: a população mais necessitada era perigosa, composta de meliantes e, afinal, “o meio corrompe”. O objetivo ainda era possibilitar a circulação de pessoas e dificultar a formação de barricadas por parte da população mais pobre. A política de derrubar as velhas construções da capital federal foi conhecido popularmente como “bota abaixo”.
Pereira Passos
Rodrigues Alves

A ação baseou-se nas práticas do prefeito de Paris, Eugene Haussmann, trinta anos atrás. Na sua gestão, ele remodelou a capital francesa, pondo fim às antigas e estreitas ruas, palcos da Comuna de Paris, e das trincheiras montadas pelos populares, abrindo largos bulevares. Pereira Passos morava em Paris na época e viu esse processo de perto. Mas para onde essa população expulsa do centro da cidade foi? Alguns bairros mais periféricos já eram habitados pela classe média da época. A solução foi construir barracos nos abundantes morros, dando origem às atuais favelas. Como se vê, o problema é antigo, causado pelas próprias autoridades cariocas.
As demolições começaram em fevereiro de 1904. Em novembro do mesmo ano, foi imposta a vacinação obrigatória contra a varíola. Era o estopim: a maioria do povo pertencente à classe menos favorecida se revoltou contra a determinação. Em geral, os agentes da vacinação eram truculentos, invadindo as residências e aplicando as vacinas muitas vezes a força. Várias ruas da cidade foram tomadas pelos amotinados. Foi o movimento conhecido como Revolta da Vacina. Claro que foi massacrado pela repressão do governo de Rodrigues Alves.
Bonde virado por
amotinados durante
a Revolta da Vacina
A rigor foi uma rebelião contra os excessos cometidos pelas autoridades contra uma população carente e necessitada. Por muitos anos, ao invés de auxílio, essa população só ganhou reprimendas e se viu prejudicada. A vacina foi somente a gota d’água, a causa imediata da revolta.
O projeto de República implantado em 1889 era liberal do ponto de vista econômica, autoritário do ponto de vista político e excludente do ponto de vista social. O objetivo era "trazer a civilização" ao país, e nessa "civilização" não se enquadrariam as classes populares, que segundo a ótica da época deviam ser afastadas do que era visto como "gente de bem", ou seja, as elites. É, parece que pouca coisa mudou desde 1904.
Bibliografia:
BENCHIMOL, Jaime. “Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro”. in: FERREIRA, Jorge. e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano. Vol.1 O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo, Ed. Scipione, 1997.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Guerra das ilhas Malvinas (ou Falkland?)

Mapa indicando a localização das
Malvinas
Em 1982 a Argentina vivia sob pesada ditadura militar, que chegou a matar 30 mil pessoas. O regime autoritário instalado em março 1976, contudo, vinha enfrentando oposição: uma crise econômica se instalara no país trazendo desemprego, inflação, quebra de bancos e empresas e recessão econômica. Enfim, é claro que esse quadro gerou descontentamento.
Em abril desse ano, o presidente ditador argentino, Leopoldo Fortunato Galtieri encontrou uma “solução mágica”: unir o país em torno de algo. Esse “algo” seria as ilhas Malvinas. Alvo de disputa entre as coroas espanhola e inglesa, este território foi tomado da Argentina, recém emancipada, pela Inglaterra em 1833. Os britânicos passam a chamar a região de ilhas Falkland. Esta era, portanto, uma antiga reivindicação nacionalista dos argentinos.
No dia 2 de abril, o exército argentino desembarcou nas Malvinas, ocupando a ilha. Tudo parecia ir bem, mas faltou “combinar com os russos”, ou nesse caso, com os ingleses. Eles não pretendiam abrir mão da soberania da região e numa estratégia semelhante a de Galtieri, a primeira-ministra Margareth Thatcher  decidiu enviar tropas para intervir na região. Claro que investida inglesa pode ser vista como uma forma de neocolonialismo.
Bandeira das Malvinas.
Observem a bandeira do Reino Unido acima à esquerda.

A Argentina esperava apoio dos EUA, afinal, os americanos eram beneficiados pela ditadura do nosso país vizinho. Mas não foi isso o que aconteceu. A Argentina ficou sozinha na disputa e não foi páreo para os soldados de Sua Majestade. A guerra foi relativamente breve, durou dois meses, o suficiente para matar cerca de 700 argentinos. Jovens que foram mandados por um grupo de generais para um território inóspito lutar por sua pátria. Que é o que geralmente acontece numa guerra. Até hoje a guerra, assim como todo o período da ditadura, é um trauma do povo desse país.
Leopoldo Galtieri, ditador
argentino em 1982.

Margareth Tatcher passando
a revista nas tropas inglesas que foram
às Malvinas (ou Falkland).

A derrota na guerra apressou o fim da ditadura. Em junho de 1982, Galtieri renunciou e no final do ano seguinte ocorreram eleições diretas para presidente.
A disputa entre Inglaterra e Argentina, porém, não terminou em 1982. Por exemplo: na Copa do Mundo de 1986 o jogo entre os dois países foi marcado por essa rivalidade (além de dois do Maradona: um golaço e outro com a mão). Recentemente tivemos ecos da Guerra das Malvinas. Em 2012 completam trinta anos do conflito. Os ingleses descobriram petróleo nas Ilhas Falkland, o nome que dão as Malvinas, nos anos 90. No início do mês de fevereiro, mandaram uma poderosa frota naval, o que para a Argentina significa a militarização britânica do Atlântico Sul. O principal navio de guerra inglês está na região. Até o príncipe William chegou ao arquipélago. Essa situação gerou um certo desconforto diplomático. A Argentina já recorreu à ONU, reclamando dos abusos da Inglaterra. Como se vê, a questão das Malvinas, ou Falkland ainda não está resolvida.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sepé Tiaraju

Ruínas de São Miguel, da qual
Sepé Tiaraju era membro
Hoje, 7 de fevereiro de 2012, completam-se 256 anos da morte de Sepé Tiaraju, guarani da redução São Miguel. Muitos já ouviram falar nesse nome, que inclusive figura no Panteão dos heróis estaduais e nacionais, mas poucos sabem quem realmente ele foi. Ou melhor, poucos sabem o que ele realmente fez. Talvez, por conta da própria mitologia criada em torno dele, talvez devido ao pouco caso que damos aos indígenas no nosso país.
Para entender sua história é preciso voltar no tempo para 1750, quando os monarcas de Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, que se propunha a pôr um fim nas disputas entre as fronteiras dos dois reinos na América. Lembrem que nessa época as regiões que hoje correspondem ao continente americano eram colônias dos países europeus. Dessa maneira, os espanhóis cediam, entre outras possessões, como o Mato Grosso e o Amazonas, o território que correspondia às sete missões orientais, a saber: São Borja, São Miguel, Santo Ângelo, São João, São Lourenço, São Nicolau e São Luís.
Na realidade, estas sete faziam parte de um conjunto de trinta povos guarani-jesuítas. Estes eram uma iniciativa da Igreja junto aos índios, buscando a catequese dos mesmos, ampliando o número de fiéis do cristianismo. Esta iniciativa junto às populações guaranis das regiões que hoje correspondem ao Paraguai, nordeste da Argentina (província de Missiones) e sul do Brasil começou em meados do século XVII e já estava bem consolidada em 1750, sob os domínios do rei espanhol. Logo, os guaranis viviam ali havia muito tempo.
Contudo, de acordo com o Tratado de Madri, esses índios eram obrigados a transmigrar para outra margem do rio Uruguai. Com isso, aconteceu um problema: os reis de Portugal e Espanha “se esqueceram” de perguntar aos guaranis se esses queriam a mudança. Claro, pois num sistema absolutista não se costuma consultar a população antes de tomar alguma resolução. O rei decide e tem a jurisprudência para isso.
Mapa da região.
Os índios deveriam
se mudar de onde hoje é o
Rio Grande do Sul para o
atual território argentino
cruzando o rio Uruguai

Assim que chegaram as ordens de translado, os indígenas tentaram negociar. Solicitaram às autoridades espanholas que este acordo não fosse cumprido, mas claro que não foram ouvidos. Assim, em fevereiro de1753 foram enviadas, pelos ibéricos, comissões demarcadoras para o território missioneiro, para delimitar as novas fronteiras. Qual não terá sido a surpresa quando foram impedidos de passar adiante por um grupo de indígenas em São Miguel. Segundo os relatos, eles eram liderados justamente por Sepé Tiaraju.
Em abril de 1754, novo incidente. As tropas portuguesas se encontravam no forte de Rio Pardo, onde hoje existe a cidade homônima. Um grupo de guaranis se aproximou para espionar. Quando descobertos, foram convidados a entrar no forte. Era uma armadilha, pois as portas se fecharam e os guaranis se viram presos. Os portugueses queriam de volta alguns cavalos que haviam sido roubados. O líder dessa expedição indígena, Sepé Tiaraju, se prontificou para buscá-los. Mesmo escoltado por doze portugueses, conseguiu fugir deles.
Em virtude desse tipo de fato e pela insistência dos guaranis em não abandonar suas terras, as Coroas de Portugal e Espanha decidiram enviar seus exércitos rumo ao território das missões. Os indígenas foram considerados rebeldes. A primeira expedição, organizada em duas colunas separadas, uma de cada monarquia, fracassou. Enviada em setembro de 1754, não resistiu ao mau tempo da região.
Uma segunda expedição, dessa vez com lusos e espanhóis aliados, foi montada e enviada em janeiro de 1756. Assim como a anterior enfrentou diversos obstáculos como escaramuças e ataques rápidos, no estilo guerrilha, montados pelos guaranis. Foi num desses, em 7 de fevereiro que Sepé Tiaraju tombou, morto por um tiro pelo então governador de Montevidéu, José Joaquim de Viana.
Três dias depois, os guaranis conheceriam uma pesada derrota. Cerca de mil e quinhentos indígenas morreram em um dos principais confrontos da resistência e revolta. Apesar de outros pequenos conflitos, os exércitos de Portugal e Espanha entraram no território das missões em maio de 1756.
Mesmo assim, não conseguiram fazer com que todos os guaranis se mudassem para outra margem do rio Uruguai. A “guerra” se mostrou até certo ponto inútil, pois em 1759, o Tratado de Madri foi anulado pelo Tratado de El Pardo. As missões só seriam parte de Portugal quando, em 1801, foi assinado o Tratado de Badajós.
Fique atento ao sul do Brasil e às mudanças entre as fronteiras

Já é mais que hora de darmos o devido lugar aos indígenas na História das Américas. Eles devem ser vistos como agentes e não somente como vítimas, ou como obstáculos à civilização. Estas duas formas de compreendê-los são preconceituosas. É como se os indígenas não tivessem ação, como se sempre ficassem à mercê dos europeus. Parece que eventos como o conflito desencadeado após a assinatura do Tratado de Madri e as ações de Sepé vêm na oposição desse tipo de visão. Este é o índio que aparece e age na História, se movimenta e se adapta aos novos tempos.
Só muito recentemente que a História Indígena virou matéria obrigatória das escolas, o que é um disparate, pois deveria fazer parte do currículo há muito tempo. Os índios também fazem parte da construção da nação brasileira. Recentemente os indígenas vêm realizando importantes conquistas, como, por exemplo, vagas próprias nas universidades. Mas ainda há muito que se fazer, sobretudo nas questões dos direitos à terra. Engraçado que a questão da terra é um problema desde que os europeus chegaram por aqui...