quarta-feira, 25 de abril de 2012

Os “bons”, os “maus” e a Guerra de Secessão


Cartaz do filme
"Três homens em conflito"
A Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana gerou vários filmes e livros. Um dos meus preferidos é “Três Homens em Conflito” (The good, the bad and the ugly, em inglês; ou “O bom, o mau e o feio, em livre tradução – o título original é em italiano: Il buono, il brutto, Il cattivo), que usa a guerra como pano de fundo. O filme do ano de 1966, dirigido por Sergio Leone com Clint Eastwood é excelente. Homenagem ao “western spaghetti”, traz o sangue e sujeira dos protagonistas na medida exata do que procura retratar.
A Guerra Civil nos teve várias causas. A imediata coube à pretensão da União de abolir a escravidão. Enquanto em 1861 o sul ainda era escravista, o norte dos EUA deixou de sê-lo na virada do século XVIII para o XIX. Mas para entender o porquê disso é preciso entender a estrutura dos estados do sul e no norte desse país.
Escravos trabalhando
numa plantação no sul
dos EUA
A economia sulista era basicamente agrária, voltada para o cultivo do tabaco, do algodão, mas também de gêneros alimentícios como o milho. Com grandes propriedades de terra e mão de obra escrava oriunda da África, o sul dos EUA era muito semelhante ao Brasil. Já o norte era dominado por uma burguesia industrial e nessa região já vigorava a mão de obra assalariada.
Dessa maneira, as contradições eram imensas: o sul, representado por estados como a Georgia, Louisiana e Texas; tinha interesses muito diversos do norte. Para além da escravidão havia outros problemas como a discussão do futuro das terras do oeste americano, que estavam sendo desbravadas e ainda eram um tanto desconhecidas. É nesse cenário que se desenrola “Três Homens em Conflito”. A elite sulista pleiteava que fossem terras baratas, para que pudessem ser compradas pelos grandes proprietários. Já a elite do norte queria que fossem caras, pois os capitalistas temiam que seus operários debandassem para o oeste.
No mapa acima, estados sulistas (escravistas) em rosa e nortistas (abolicionistas) em azul no ano
de 1861, quando começa a Guerra de Secessão

Outra questão relevante era a dos impostos sobre as importações: enquanto os sulistas pretendiam que fossem baixos, para que conseguissem adquirir produtos industrializados com maior facilidade, os nortistas exigiam que fossem elevados para evitar concorrência com seus produtos.
Abraham Lincoln
Em 1860 Abraham Lincoln foi eleito presidente dos Estados Unidos com a plataforma de abolir a escravidão. Descontentes com essa situação, os sulistas tentaram a separação, ou a secessão. Sob o nome de Estados Confederados da América, estes projetavam uma nação independente, o que foi rechaçado e impedido pelo norte, que pretendia manter a União. Assim, o norte invadiu o sul, para que não houvesse separação.
A Guerra durou longos quatro anos e consumiu a vida de cerca de 618 mil pessoas. A tragédia dos combatentes é mostrada no filme em diversas cenas, como as na prisão da União para os confederados, ou como na disputa inútil de uma ponte que garantiria uma melhor posição estratégica. O cansaço do comandante do acampamento nortista demonstra que quem faz e morre nas guerras são os homens simples, e que em geral não querem lutá-la, enquanto os políticos apenas dão inicio a elas e generais reúnem suas as massas e dão as suas ordens de dentro dos gabinetes. A cena do cemitério repleto de cruzes também dá uma ideia do horror que foi esta guerra fratricida.
Imagem representando batalha
da Guerra Civil Americana
Enquanto o norte era liderado por Lincoln, o presidente confederado era Jefferson Davis. A guerra começou em 12 de abril de 1861 e terminou em 18 de abril de 1865, quando o general confederado Joseph Johnston se rendeu. O norte havia ganho o conflito. Ao fim a guerra, ainda contabilizou outra morte: a do presidente Abraham Lincoln, assassinado por um sulista.
A vitória da União colocou o sul novamente no mapa do país. A escravidão foi abolida, mas isso não significou o fim da exclusão dos negros pela sociedade americana. Pelo contrário, o racismo ainda hoje é uma mácula muito presente no sul dos Estados Unidos.
No filme, três homens procuram um tesouro pertencente aos confederados. No caminho até ele, veem de perto o conflito. É uma obra imperdível em todos os sentidos. Pela bela trilha sonora de Ennio Moricone, pela história contada, pela filmagem, pelos personagens. O bom, o mau e o feio parecem debater sobre o caráter humano, mas de forma simples e singela. Além disso, o filme é um faroeste e não tem como um faroeste ser ruim. Como se não bastasse é um filme de guerra. E também não tem como um filme de guerra ser ruim.
Destaco ainda que, como em toda a história, não existem os “bons” e os “maus”. Claro que se tivesse que escolher um lado, eu apoio o norte. A escravidão africana como mão de obra na América foi um dos fatos mais hediondos da história moderna e contemporânea, que até hoje nos causa repulsa. O tratamento dado aos escravos era o pior possível e até hoje sentimos as consequências da escravidão na sociedade americana. Contudo, ambos os lados cometeram abusos e excessos. A guerra sempre é violenta das duas partes. Por exemplo: os nortistas arrasaram, saquearam e queimaram no mínimo duas grandes cidades do sul, Atalanta e Richmond. Assim, como no filme o “bom”, representado pelo “homem sem nome” do ator Clint Eastwood também comete atos que a nosso ver parecem imorais.
Veja abaixo, o trailer do filme "Três homens em conflito":
 

Bibliografia:
EISENBERG, Peter. A Guerra Civil Americana. São Paulo, editora brasiliense, 1985.
KARNAL, Leandro; Fernandes, Luiz Estevam; Morais, Marcus Vinicius de; Purdy, Sean. História dos Estados Unidos: das Origens ao Século XXI. São Paulo, Editora Contexto, 2007.
SCHNEIDER, Steven Jay. (editor geral). 1001 filmes para ver antes de morrer. Rio de Janeiro, editora Sextante, 2010.
TRÊS HOMENS EM CONFLITO.Il buono, il brutto, il cattivo. Sergio Leono. Itália/Espanha: 1966.Fox-Microservice. DVD. 161 min., colorido.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A Revolta da Chibata – O Almirante Negro


Temos a mania de criar heróis nacionais. É um fenômeno comum e faz parte da formação das nações. No Brasil, há o Panteão dos Heróis Nacionais, entre os quais constam nomes como o de Tiradentes e Dom Pedro I. Infelizmente, o nome de João Cândido, líder da Revolta da Chibata, não consta dessa relação.
Mas no que consistiu a Revolta da Chibata? Foi um levante ocorrido na Marinha. Esta era a Força Armada da qual faziam parte os elementos das classes sociais mais desfavorecidas durante o início da “República Velha” ou “República Oligárquica” brasileira. Por isso mesmo, os marinheiros eram vítimas dos piores tipos de castigos.
João Cândido, líder da Revolta da Chibata
No início do século XX era muito mais fácil maltratar os mais pobres. Para quem eles iriam reclamar, se o que recebiam do governo era somente a repressão? Logo, como se não bastasse a situação de penúria, estes ainda por cima, não tinham a quem pedir auxílio ou socorro. Cabe ressaltar que muitos marinheiros eram negros. É possível concluir que os castigos violentos que lhes eram impostos guardam relação com uma herança maldita da escravidão, na qual as punições físicas eram corriqueiras.
Foi nesse cenário que ocorreu em 22 de novembro de 1910, a Revolta da Chibata. A chibata é a ponta do chicote que provocava feridas em quem recebia os seus golpes. Pois bem, esse levante partiu exatamente dos marinheiros pobres e negros, que mais sofriam com a violência dos comandantes.
Os marinheiros amotinados tomaram conta de alguns navios de guerra, chamados São Paulo e Minas Gerais, mataram alguns oficiais e apontaram os seus canhões para a cidade onde estavam atracados: a então capital federal, o Rio de Janeiro. O objetivo dos marinheiros não era derrubar o governo, mas acabar com os castigos físicos violentos. Com os canhões voltados contra si, o presidente Hermes da Fonseca e o Senado aceitaram as demandas dos marinheiros, acabando com a chibata e anistiando os rebeldes, desde que estes se submetessem às autoridades. Os revoltosos concordaram, mas a este fato, seguiu-se uma rebelião dos fuzileiros navais sem relação com a Revolta da Chibata e seus líderes.
João Cândido e os demais, contudo, foram traídos pelo governo brasileiro. Sob a acusação de participaram da rebelião dos fuzileiros, acabaram sendo jogados numa prisão na Ilha das Cobras, litoral fluminense. Depois, levados até a Amazônia num navio chamado “Satélite”, junto de criminosos como ladrões e proxenetas. Nesse meio tempo, muitos morreram devido às péssimas condições e aos fuzilamentos ocorridos na viagem. Após dezoito meses, os líderes da Revolta da Chibata foram finalmente inocentados. Ao fim os marinheiros receberam o que pediam: fim dos castigos físicos e um soldo decente.
Mais de cinquenta anos depois, Aldir Blanc e João Bosco compuseram “O Almirante Negro”, com a seguinte letra:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Porém a letra foi censurada pela ditadura militar que assolava o país no período (e tem gente que ainda exalta esse momento pelo qual o Brasil passou). Mudou de nome, passou a se chamar “Mestre-Sala dos Mares”, mudaram alguns versos e foi imortalizada na voz de Elis Regina:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Algumas passagens são ainda evidentes menções a João Cândido e à Revolta da Chibata:
Rubras cascatas jorravam das costas/dos santos entre cantos e chibatas – mesmo que a letra original fale em “negros” e não “santos”, a mensagem é clara, remetendo aos castigos e maus tratos e de certa forma, recordando que no Brasil da época, a tortura ainda era uma prática comum e aceita.

Salve o navegante negro/Que tem por monumento/As pedras pisadas do cais – lamentavelmente, a história da Revolta da Chibata ainda é pouco contada. Imaginem a situação durante a Ditadura Militar: um motim dentro das forças armadas provocado por homens negros e pobres.
A letra original ainda fala em “E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas/ Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas /jovens polacas e por batalhões de mulatas”, ou seja, prostitutas da época, mulheres que também sentiam a miséria e a exploração. Ora o “bloco de fragatas” eram os navios tomados pelos marinheiros rebeldes.
Em toda essa questão existe um certo preconceito. Afinal, por serem negros e pobres, os líderes da Revolta da Chibata receberam poucas palmas em vida. Pelo contrário, foram presos e quase condenados. João Cândido hoje tem um busto no Parque Marinha do Brasil, em Porto Alegre e outro na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro. Sua cidade natal, Rio Pardo, no Rio Grande do Sul não prestou nenhuma homenagem. Provavelmente por que ele era filho de escravos, pertencente a uma classe desfavorecida da sociedade.
Mas é curioso perceber como a política faz uso da figura de João Cândido. O integralista, Plínio Salgado se aproximou dele. Recentemente, um deputado do PRONA propôs a colocação de seu nome na galeria de heróis nacionais. Dois políticos marcados pelo conservadorismo, por ideias de um nacionalismo ufanista, e muito próximas do fascismo.
João Cândido não precisa ser herói. O Brasil não precisa de heróis. O “Almirante Negro” apenas deveria ser reconhecido como um brasileiro que sendo pobre, negro, explorado e maltratado lutou contra os abusos, por direitos iguais aos demais.
Confira Elis Regina cantando "Mestre-Sala dos Mares":

Abaixo, Elis cantando a mesma música, mas com a letra que foi censurada. A apresentação foi feita no México:


 
Bibliografia:
MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. São Paulo, Paz e Terra, 2009.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre o Estado laico


Nas últimas semanas foi criado um novo debate no Rio Grande do Sul: a retirada das cruzes dos tribunais criou mais uma polêmica na província. A questão toda gira em torno do Estado laico e da separação entre o mesmo e a Igreja. Ora, se a cruz é um símbolo religioso, não cabe numa instituição oficial. Desde quando que existe essa diferença entre Estado e Igreja?
Desde a Revolução Francesa. Pois é, desde 1789 que a religião não faz mais parte do governo. Como se sabe, a Revolução foi profundamente influenciada pelo Iluminismo, que se opunha ao Antigo Regime, sistema em vigor na Europa durante a Idade Moderna. Uma de suas características era justamente a ligação entre as autoridades e a Igreja, afinal, o poder do rei emanava da vontade divina. Assim, membros do clero tinham certos privilégios, como isenção fiscal.
A classe que mais abraçou o Iluminismo durante o século XVIII foi a burguesia, a mesma que fez a Revolução. Sim, a verdadeira classe revolucionária era a burguesia. As mudanças colocadas em prática na sociedade na França pós-Revolução foram conquistas dessa classe. Ocorreu um processo de “descristianização” dessa classe que era instruída e lia os autores iluministas. Isso não significa ateísmo, significa apenas uma diminuição no aspecto da devoção religiosa.
Logo, com a Revolução Francesa, e com a Americana de 1776 também, as instituições foram secularizadas. O poder não emanava mais de Deus, mas sim do povo. Além disso, foi divido em três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último é responsável por julgar as leis, de modo cego e isento. Se o Judiciário é um dos poderes que emana do povo e não de Deus, por que existiam cruzes nos tribunais? E por que criar uma polêmica defendendo a permanência da mesma?
Não se trata de interferir no direito individual. O funcionário que quiser pode ter sua cruz, ou sua imagem religiosa sobre a mesa. Mas os tribunais são órgãos públicos, assim como a Assembleia Legislativa, o Congresso Nacional e os palácios governamentais.
Junto a isso, a separação entre Igreja e Estado trouxe outras novidades como a criação de escolas públicas e laicas, fazendo da educação uma responsabilidade do governo e a alteração do batismo para o registro civil, fazendo com que todos, e não apenas os católicos apostólicos pudessem contar no senso e exercer o direito da cidadania. Assim, ainda se deu o direito de culto para todas as religiões, afinal, não existia mais uma religião oficial.
No Brasil, esse processo se deu somente em 1889, quando da Proclamação da República. Durante o Império, Estado e Igreja eram ligados e depois de 15 de novembro desse ano, principalmente após a carta constitucional, ficaram separados. Com isso, não havia mais uma religião oficial, e casamentos, batizados passaram a ser registrados no âmbito civil. Tudo isso, devido a ideia laica dos dirigentes republicanos, influenciados pelo positivismo.
Portanto, faz mais de cem anos que no Brasil, o governo é separado da religião e mais de duzentos anos que a Revolução Francesa adotou o Estado laico, acabando com os privilégios do clero e transformando todos em cidadãos. E isto, em princípio, não significa nenhum tipo de perseguição a quem pratica alguma religião. Pelo contrário: significa a liberdade religiosa e de culto. Pena que uns que outros andaram matando essas aulas de História no colégio.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Uganda

Nos últimos dias um vídeo do youtube vem tomando conta da internet e do facebook: trata-se de um documentário denunciando as ações de Kony, chefe de uma milícia em Uganda, responsável por raptar e escravizar crianças, além de matar milhares de pessoas. Muito bom que as pessoas se preocupem com esse caso, as redes sociais podem ser usadas para outros fins além de só divulgar o que fizemos no fim de semana, ou falar da Luiza no Canadá. É excelente que as pessoas demonstrem interesse em Uganda, um país subdesenvolvido e miserável, perdido no meio da África. Mas é uma pena que somente assim que os olhos do mundo se voltem para esta região pobre e explorada. Veja o vídeo que tem mobilizado as pessoas em volta do mundo:

Uganda, como tantas outras regiões africanas, foi vítima do imperialismo europeu que varreu este continente entre 1880 e 1814. Foi ocupada pela Grã-Bretanha, como parte da estratégia de ocupar a nascente do rio Nilo, no lago Vitória. Desde 1894, Uganda se tornou em um protetorado inglês. Este tipo de regime consistia na manutenção das autoridades locais do período pré-colonial, desde que subordinadas às metrópoles. O governo sob protetorado não tinha direito de organizar um exército e transferia suas relações diplomáticas para a metrópole que o dominava.
Em vermelho o território de Buganda
em comparação com o resto
da atual Uganda
No caso ugandense, foi mantida a estrutura monárquica e as entidades políticas do reino de Buganda, ao qual foram incorporados outros pequenos reinos locais. Há que se destacar que mesmo assim, etnias que não faziam parte do reino de Uganda sofreram muito os reveses da dominação inglesa. Foram instaladas companhias inglesas que controlavam as plantações de algodão com mão de obra nativa e trabalho forçado, com produção destinada para a exportação. Mesmo assim, Uganda era a região mais rica e populosa da África oriental britânica. 
A partir dos anos 40, com o fim da Segunda Guerra, surgem protestos contra o domínio britânico e situação de pobreza local. A união de dois elementos pode ser apontada para esta sublevação: um nacionalismo de Buganda e uma revolta das populações de outras regiões que compunham o território de Uganda cansadas da exploração dos ingleses
No início dos anos 60, Milton Obote pleiteia a autonomia de Uganda e funda a Uganda National Congress (UNC), que se transforma em Uganda People’s Congress (UPC). Em 9 de outubro de 1962, os ingleses cedem e Uganda se torna um país livre e independente. Surge um governo de união nacional com Obote dividindo o poder com o rei de Buganda, ou “kabaka” no idioma local, Mutesa III. Mas entre 1966 e 1967, Obote, com o apoio do exército, destitui o monarca, incorpora Buganda pela força e institui uma república presidida por ele.
Obote se dizia socialista, mas o país continuava sendo miserável, com uma economia voltada para a agricultura de exportação e com empresas estrangeiras que ainda operavam em Uganda. Até quem em 1971, o general Idi Amin deu um golpe de estado em Obote. 
Idi Amin
Entre 1971 e 1979, Idi Amin governou Uganda com uma ditadura feroz, que está entre os regimes que mais violaram os direitos humanos nos últimos cinquenta anos. Uma boa ideia do governo de Idi Amin pode ser tirada a partir do filme “O Último Rei da Escócia”, com Forest Whitaker no papel do ditador. Como se não bastasse a cruel e sanguinária ditadura Idi Amin privilegiou uma etnia local, no caso a nubi, que detinha o monopólio de boa parte da economia do Estado. Como resultado, no início dos anos 80, Uganda ocupava uma das piores posições em países desenvolvidos no mundo. 
Idi Amin foi derrubado em 1979 por tropas da Tanzânia, com apoio de parte da população ugandesa. Foi formado um governo interino presidido por Yusuf Lule, que no mesmo ano foi derrubado por Godfrey Binaisa. Mais quatro presidentes ocupariam o cargo só da década de 80, o que evidencia a instabilidade política do país. 
Em Uganda, como em tantos outros países da África houve uma divisão arbitrária do território, por parte das potências europeias a revelia das populações locais. As fronteiras impostas não obedeciam a nenhum critério histórico ou social. Como se não bastasse a situação de penúria, nos mesmos anos 80, os países africanos se viram obrigados a se socorrer de empréstimos do Fundo Monetário Internacional. As medidas que o FMI impôs para fazer os empréstimos, como cortes no orçamento e privatização de estatais, quebrou mais ainda os países do continente africano. 
Como se vê a situação de Uganda não é recente. Por anos o país sofre com a ditadura de Idi Amin, que matou cerca de 300 mil pessoas. Desde 2011, os Estados Unidos intervieram, mandado tropas para o país, na expectativa de terminar com os conflitos causados pelo Exército de Resistência do Senhor e pelo seu líder, Joseph Kony. Em tempo: no ano de 2010 foram descobertas grandes reservas de petróleo na região. 
É ótimo que as pessoas compartilham e divulguem o vídeo que denuncia Kony. Mas antes disso é importante que saibam a História de Uganda e quando que alguém realmente se importou com este país. Cabe lembrar que situações de conflito existem por toda a África, mas quase nunca são lembradas pela mídia ocidental.
Mapa atual de  Uganda

Bibliografia:

MACEDO, José Rivair. (org.). Desvendando a África. Porto Alegre, editora da UFRGS, 2008.

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

Mazrui. Ali A. Mazrui e Wondji. Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Disponível para download.
LINHARES, Maria Yeda. A luta contra a metrópole (Ásia e África). São Paulo, Brasiliense, 1981.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher


Em 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. É uma data importante, sobretudo para afirmar todas as conquistas que elas vêm obtendo desde o início do século XX. Apesar da opressão e dominação que sofreram ao longo do tempo, não devem ser vistas como meras vítimas, porque também são agentes da História, são seres sociais ativos. Elas obtiveram seus direitos e sua igualdade através de lutas e participação na sociedade.
Claro que por muitos anos foram excluídas socialmente. Entretanto, por meados do século XIX, a situação começou a mudar. Mas para pior. Elas começaram a ingressar nas grandes indústrias, o que dificultava que realizassem o trabalho na rua e em casa. Assim, depois de casadas, mesmo que fossem de famílias humildes, não trabalhavam; ainda que entre solteiras, o número de mulheres que trabalhassem fosse elevado. Dessa maneira, eram expelidas da economia e do “mundo dos negócios”, sendo estas tarefas predominantemente masculinas. Por consequência, eram também isoladas das decisões políticas dos países.
Por isso que, no século XIX, o aspecto mais visível da emancipação feminina eram as sufragistas, defensoras do voto universal, tanto dos homens, como das mulheres. Porém esta era uma demanda da classe média. A classe operária tinha outras necessidades. As mulheres trabalhadoras sofriam com péssimas condições, além de arcar com uma carga horária entre 12 e 14 horas por dia e ter um salário inferior ao dos homens.
No início do século XX, a despeito da discriminação, muitas conseguiram uma inserção no mundo masculino através do acesso à educação, ao voto e à profissionalização. Mas como as mulheres competiriam num mundo feito pelos homens e para os homens? Para além da luta pela igualdade de direitos, era preciso a luta pelas suas diferentes necessidades, como por exemplo, a licença-maternidade.
Foi principalmente após a Segunda Guerra que as mulheres se tornaram uma força política importante. A partir daí, as casadas não seriam mais apenas um apêndice do marido, muitas vezes chefiando as famílias. Com o direito ao voto nos mais variados países, elas conseguem conquistar inclusive a liderança de nações como foi o caso de Indira Gandhi na Índia, Golda Meir em Israel, Margareth Thatcher na Inglaterra e Isabelita Perón na Argentina nos ano 70 e 80, além dos casos mais recentes de Dilma Rousseff no Brasil, Angela Merkel na Alemanha e Cristina Kirchner na Argentina.
Clara Zetkin
e Rosa Luxemburgo
Mas por que esse dia é celebrado em 8 de março? Principalmente pela luta de mulheres na liderança de movimentos sindicalistas e de esquerda, como Emma Goldman no princípio do século XX. Nesse momento, como foi dito, os salários eram baixos, as condições de trabalho péssimas e a carga horária alta. É nesse contexto que em 1910, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagen, na Dinamarca, a líder Clara Zetkin propõe a criação do Dia Internacional da Mulher, mas sem definir uma data. Mesmo antes, desde 1908, nos Estados Unidos, as mulheres socialistas organizavam manifestações pelo “Dia da Mulher” no último domingo de fevereiro.
Em 25 de março de 1911 um evento chocante marcaria a luta feminina não só por igualdade de direitos, mas por despertar a consciência das mulheres para sua condição. Um incêndio numa fábrica têxtil em Nova Iorque matou 125 mulheres e 21 homens, sobretudo imigrantes judeus e italianos. Muitas dessas mulheres eram identificadas com movimentos socialistas e anarquistas. Esse fato leva muita gente a pensar que o Dia Internacional da Mulher é em homenagem às vítimas do incêndio, o que não necessariamente condiz com a realidade. A data faz alusão ao dia 8 de março de 1917, quando trabalhadoras russas do ramo da tecelagem entram em greve. Poucos meses depois, a Revolução Socialista de outubro ocorria no país.
O papel subalterno imposto às
mulheres na sociedade ainda è
muito visível na sociedade contemporânea,
como pode ser percebido em propaganda
de sabão em pó, margarina, refrigerantes...
Somente na década de 60 que junto com outras políticas afirmativas, 8 de março foi institucionalizado como o Dia Internacional da Mulher. É inegável que as conquistas das mulheres foram várias desde o século passado. Voto, inserção na sociedade e igualdade de direitos foram importantes avanços. Entretanto, em muitos casos, os homens ainda são melhores remunerados; em muitos países, as mulheres não têm seus direitos garantidos e por diversas vezes, a mentalidade retrógrada e burra de vê-las como “seres inferiores” que devem cuidar do lar, permanece.
Hoje, a mulher deve ser vista como igual ao homem, mas ao mesmo tempo como diferente. Suas demandas, buscas e vontades são diferentes e deves ser respeitadas como tais. Hoje, as mulheres têm outras bandeiras, como o direito ao aborto, ao qual ainda são negadas por motivos que considero esdrúxulos. O dia 8 de março relembra a luta pelos direitos das mulheres, e aqui podemos nos referir aos mais variados direitos, desde o voto até o de se vestir como bem entender, sem depender de aspectos conservadores da sociedade. Mas, muitas vezes, essa ideia é deturpada em prol da propaganda e do comércio. É importante resgatar essa origem da data para a conscientização dos problemas que ainda existem em nossa sociedade em relação a posturas machistas e que excluem as mulheres.