segunda-feira, 30 de julho de 2012

A sociedade mineradora e as suas revoltas


Durante cerca de duzentos anos, os portugueses invejaram os espanhóis quanto às suas colônias na América, por uma razão muito simples: os metais preciosos. Na América Espanhola regiões como os atuais territórios do México e do Peru eram ricas em ouro e prata. Mas no Brasil a realidade era diferente. A economia se limitava a agricultura, principalmente a cana-de-açúcar no nordeste.
Essa situação durou até a virada do século XVII para o XVIII, quando em viagens explorando o sertão adentro, bandeirantes descobriram ouro no rio das Velhas, em Minas Gerais. Esse fato gerou uma verdadeira “corrida do ouro” em direção àquela região. Indivíduos de diversos lugares do reino português foram para lá em busca de riqueza. Neste primeiro momento havia muitas dificuldades pela escassez de alimentos.
Foi nesse contexto que ocorreu a Guerra dos Emboabas, que opôs “paulistas” e “baianos”. As aspas se justificam, afinal São Paulo e Bahia ainda não eram estados constituídos da federação. Nem Brasil havia, mas sim a “América Portuguesa”. Nesse confronto, os paulistas haviam chegado antes à região mineradora e julgavam que lhes cabia a exploração da região. Entre 1707 e 1708 foram registrados diversos conflitos entre esses grupos. Os representantes do governo luso intervieram, apaziguando os ânimos.
Por razões como este conflito, a Coroa portuguesa decidiu que deveria haver representantes de seu poder no local. Afinal, a região também deveria estar sob o controle da Colônia, pois tinha o que os portugueses tanto queriam: o ouro. Criaram-se então, núcleos urbanos, como Vila Rica (atual Ouro Preto), Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana) São João del Rey e São José del Rey (atual Tiradentes), que foram fundados entre 1709 e 1718. 
Praça Tiradentes na atual cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica:
parte do antigo casario colonial do século XVIII ainda hoje é preservado


Junto disso, montou-se todo um aparato fiscal. Essa tributação por muitas vezes se tornou repressiva e excessiva. Havia dois principais tipos de impostos: o quinto e a capitação. O primeiro destinava 20% de toda produção local ao rei. Para isso foram criadas as Casas de Fundição nas quais o ouro recebia o carimbo real e a parte do monarca era arrecadada.
Esse imposto foi uma causa da Revolta de Vila Rica em 1720. Entre 28 e 29 de junho desse ano, houve um levante de proprietários de minas em Vila Rica. A este levante se aliaram populares, liderados por Filipe dos Santos. Estes passaram a assumir o controle da rebelião e se constituir numa ameaça para a elite local. Mas tropas reais chegaram à cidade em 14 de julho. Filipe dos Santos foi preso, morto, esquartejado e seu corpo, foi exposto em público.
O outro imposto era a capitação, que consistia num tributo sobre cada escravo. A mineração, contudo, passou a decair conforme se aproximava o século XIX. Mas a faina fiscal não diminuiu. Pelo contrário, quando a partir de 1763, o quinto não completava a cota mínima de 100 arrobas, a Coroa portuguesa instituiu a derrama, que obrigava a população local a pagar o que faltava para completar essa quantia. 
Foi a derrama de 1789 uma das principais causas da Inconfidência Mineira. O movimento começou no final de 1788, buscando proclamar, na região mineradora, uma República, inspirada, sobretudo na Independência e na Constituição dos Estados Unidos. Quando a conspiração foi descoberta, os rebeldes foram presos. A maioria foi expulsa do Brasil e um foi condenado à morte: José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes. Muitos tinham contatos com autoridades coloniais. Mas Tiradentes era apenas um comerciante fracassado e alferes do Exército.
Nota-se que tanto a Guerra dos Emboabas como a Revolta de Vila Rica não falavam em Emancipação de Portugal. Tal ideia seria nesse momento histórico. Estas são conhecidas como Revoltas Coloniais ou Nativistas, contra uma determinação ou contra as autoridades locais, mas nunca contra o monarca, ou a favor de uma separação de Portugal.
Liberdade, ainda que tardia:
mesmo que a Incofidência Mineira
não tivesse como objetivo a separação
do Brasil de Portugal, a República
brasileira acabou adotando Tiradentes como
um de seus heróis;
Já a Inconfidência Mineira, pode ser considerada uma Revolta Emancipatória, que despertou certa “consciência nacional”, mesmo que esta tenha sido direcionada apenas para a região da mineração. Claro que esta contou com influências do pensamento iluminista europeu e da Revolução Americana. Ainda assim, deve-se ressaltar que não era a pretensão dos conspiradores a Independência do Brasil, mas das Minas Gerais. Ocorre que a República acabou transformando Tiradentes em herói nacional.
A mineração acabou criando os primeiros grandes meios urbanos no território brasileiro. Ouro Preto, por exemplo, chegou a 20 mil habitantes em 1740. Trouxe, junto consigo, além de mineradores, comerciantes, que formariam uma espécie de pequena burguesia local. Contudo, só prosperaram mesmo aqueles homens proprietários de grandes minas, que tinham muitos escravos. Outra camada privilegiada da sociedade foi a de alguns tropeiros. Estes faziam o contato entre a região mineradora e o resto da Colônia. Os funcionários reais também era privilegiados economicamente.
Na verdade, a grande maioria da população era pobre ou miserável. Os pequenos comerciantes passavam muitas dificuldades, os faiscadores, pequenos mineradores com autonomia também e havia muitos escravos. Se o número de escravos era muito grande, o de alforrias também, pois muitos senhores, durante o declínio da produção aurífera não conseguiram manter seus escravos devido ao tributo da capitação.
Atual cidade de Tiradentes,
antiga São João del Rey:
apesar do ouro e das prováveis
possibilidades de ascensão social,
poucos pertenciam
a alta camada da sociedade mineira.
Apesar de despontar como o primeiro centro urbano do país, de propiciar grandes riquezas pessoais e propiciar a formação de uma intelectualidade local, a região das minas foi um reflexo do resto da Colônia: desigual, dependente e submissa à metrópole portuguesa. Com o tempo e com a escassez do ouro, esta sociedade entrou em rápido declínio. No início do século XIX, a produção aurífera já era bem menor e a população destas cidades também diminuiu. Mesmo assim, a sociedade que surgiu nas minas foi de extrema importância para a interiorização da colonização do Brasil, afinal até aquele momento, a população se restringia à região do litoral.
Bibliografia:                                                                                                      
VERGUEIRO, Laura. Opulência e miséria das Minas Gerais. São Paulo, editora brasiliense, 1981.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Edusp, 2006

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