quarta-feira, 6 de junho de 2012

God Save the Queen – A Coroa Inglesa


God Save the Queen: em 1977
os Sex Pistols resolveram "avacalhar"
com o jubileu de prata de rainha
Nessa semana celebra-se o jubileu de diamante da rainha da Inglaterra, Elizabeth II que está no cargo há sessenta anos. Hoje tida como uma figura meramente ilustrativa, o monarca inglês já foi o chefe absoluto do Estado. E a história da Inglaterra se confunde com a história da sua monarquia.

A história do poder nas mãos do rei pode ser contada desde o período medieval. A invasão normanda comandada por Guilherme, o bastardo, de 1066, que, com a batalha de Hastings dominou a ilha, deu início a uma monarquia centralizada, sobretudo a partir do governo de Henrique I em 1110.

O problema é que a nobreza inglesa era muito forte, como ficou evidente na assinatura da “Carta Magna” em 1215, pelo rei João Sem Terra (sim, as alcunhas são um show a parte: bastardo, sem terra, tudo muito polido, muito inglês...). Ela limitava o poder real, criando o “Grande Conselho”, que no futuro viria a ser o “Parlamento”. O monarca só foi restaurar sua força em 1272, com o rei Eduardo I, que contava com o apoio tanto dos nobres como da Igreja.

No século XIV, a Inglaterra já era o Estado cristão mais maduro e estável, o que garantiu certo sucesso na Guerra dos Cem Anos, contra os franceses. Esta, aliás, atendeu as demandas de uma nobreza local belicosa e agressiva.

O poder da nobreza na Inglaterra só decaiu na Guerra das Rosas, entre 1455 e 1485. Foi um conflito entre duas famílias, York e Lancaster, disputando o trono inglês. Contudo, ao final do embate, uma terceira dinastia acabou se prevalecendo: a dos Tudor.

Rei Henrique VIII: muitos
casamentos, mas pouca
competência administrativa
Teve início com Henrique VIII, o mesmo que brigou com o papa Clemente VII por questões matrimoniais e acabou criando uma igreja própria, a Anglicana. Mas seu reinado foi importante por outros motivos: ao mesmo tempo em que aumentou seu poder, fazendo inclusive uso do parlamento para isso, a representatividade da Inglaterra no plano internacional decaiu muito, sobretudo com o crescimento da Espanha e de Portugal.

A situação só foi começar a reverter com o reinado de uma filha sua, Elizabeth I, de 1558 a 1603. Os antecessores dessa rainha, Eduardo VI e Maria Tudor, a sanguinária (as belas alcunhas ainda), enfrentaram governos muito conflituosos. Esta última ensaiou um retorno ao catolicismo. Elizabeth I conseguiu se impor sobre toda a Grã-Bretanha, que incluía a Irlanda.

Rainha Elizabeth II:
a consolidação
do poder real
e da Inglaterra como
"senhora dos mares".
No entanto, seu maior êxito foi contra a Espanha pelo controle marítimo. A pirataria dos corsários (ladrões do mar contratados pela Coroa Inglesa) sobre os navios espanhóis que circulavam pela costa da América foi corroendo parte da frota do rei hispânico, Felipe II, assim como parte de suas finanças. A vitória dos ingleses sobre a “Invencível Armada”, que em 1588, além de repelir a tentativa de invasão espanhola sobre a ilha, ainda afundou a frota espanhola. Assim, a Inglaterra se tornou a nova senhora dos mares.

Com base nisso, o poder inglês no plano mundial cresceu muito e sua monarquia deveria se consolidar. Mas não foi o que ocorreu. Como Elizabeth I não deixou descendentes, após sua morte teve início a dinastia Stuart. Esta era originária da Escócia, o que vinculava de vez este território com a Inglaterra. Foi uma dinastia sobretudo instável, que tentou impor a realeza absolutismo, dando pouca ênfase para os parlamentos, o que a prejudicou. Tanto Jaime I, como Carlos I se mostraram um tanto quanto ineptos para a tarefa de governar e lidar com a nobreza.

Foram justamente estes governos personalistas que entraram em confronto com aquela que deveria ser aliada dos monarcas: a nobreza. Sobretudo pela pequena nobreza, e pela nobreza que enriquecia com o comércio, conhecida como gentry. A eclosão de uma guerra civil, antecedida por uma derrota inglesa perante os escoceses na tentativa de lhes impor o anglicanismo escancarou a fragilidade da monarquia inglesa.

Dessa maneira, o Parlamento se opôs a Carlos I e delegou o comando das suas tropas a Oliver Cromwell, que, saindo vitorioso, impôs uma ditadura republicana entre os anos de 1645 e 1658. O rei acabou sendo decapitado. Após a morte de Cromwell, houve um curto retorno do absolutismo monárquico com a restauração dos Stuart no poder através de Carlos II. Contudo, como este tentou resgatar a centralização e o controle quase total do Estado, teve forte oposição interna. Seu sucessor, Jaime II, foi facilmente derrubado pela nobreza insatisfeita com a redução dos poderes do Parlamento e pela burguesia ascendente em 1688. Já não era mais possível aos ingleses retroceder: o absolutismo monárquico tinha ido por água abaixo, um rei autoritário não era mais tolerado naquela altura da história inglesa.

Com esse movimento, conhecido como Revolução Gloriosa, o absolutismo inglês teve seu final. Mas não foi o fim da monarquia nesse país. O Parlamento convocou Guilherme, da dinastia holandesa de Orange, para ser o próximo rei. Mas com poderes extremamente limitados. Ele foi obrigado a jurar a Bill of Rigths, que confiava o controle do Estado ao Parlamento.

Por isso que hoje a figura da rainha é meramente de chefe de Estado e não de governo. A monarquia permanece como se fosse uma decoração sem muita utilidade e que provoca despesas para os cofres públicos. Mesmo assim, grande parte da população inglesa adora a família real e tudo o que envolve a vida de seus membros.

Diversas homenagens já foram feitas para a rainha Elizabeth II. Para mim, a melhor de todas veio da banda punk inglesa “Sex Pistols”, com a música “God Save the Queen”, homônima do Hino Nacional Britânico. Lançada em 1977 durante o Jubileu de Prata, nos vinte e cinco anos de seu reinado, a letra diz: “God Save the Queen/ her fascist regime”, Deus salve a rainha/seu regime fascista”. A música era tão violenta e provocativa, que chegou a ser proibida nas rádios da BBC. Ela parecia, naquele momento, traduzir o sentimento de insatisfação de uma parcela da população inglesa, mais pobre, que assistia “bestializada” aos festejos enquanto passava por necessidades econômicas decorrentes da crise do capitalismo de meados dos anos 70. O niilismo da canção era tão grande que no final diz “there is no future for you...no future for me”, não há futuro para ti, não há futuro para mim.

Seria interessante saber como, na atual crise, os ingleses viram o Jubileu de Diamante. Pena que não tem nenhum Sex Pistols para meter o pé na porta e reclamar de tudo... Escuta em a música aí embaixo:


Bibliografia:
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Bauru (SP), Edusc, 2005.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo, Ed. Brasiliense,1985.

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