quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Adeus Madiba


Acabei de ler na internet, mas não acreditei. Tive que ligar o rádio para confirmar: Nelson Mandela faleceu. Talvez, para as novíssimas gerações essa notícia não tenha muito significado. Mas para nós, que vivemos os idos dos anos 90, Mandela extremamente importante. Um modelo de político e de como fazer política. O homem que lutou contra o repulsivo regime de apartheid sul-africano, um cidadão por quem todos nós torcemos que tivesse sucesso. Ainda lembro da sua chegada ao poder na África do Sul após anos de um sistema racista e excludente.
A África do Sul teve uma colonização europeia relativamente cedo. Desde o século XVII os holandeses da Companhia das Índias Orientais já se instavam ali. No século seguintes, expandiram suas terras e formaram os boeres, camponeses no idioma batavo. Eram portanto, fazendeiros. Tornaram-se extremamente segregacionistas e criaram um grupo próprio: os afrikaaners, com um idioma próprio. Mas os ingleses também tinham interesse na região, o que gerou uma série de disputas sobre a região, sendo a principal dela a Guerra dos Boeres entre 1899 e 1902. O principal interesse em jogo era o ouro da região do Transvaal, onde fica a cidade de Pretória. Em 1910, num contexto de partilha da África, os ingleses e os afrikaaners entraram em acordo, estabelendo o Domínio da África do Sul, uma região que fazia parte do Império Britânico, mas tinha administração autônoma. Ali criou-se um regime segragacionista, no qual os negros que eram 75% da população podiam ter apenas 7,3% das terras.
Em 1948 a África do Sul ficava independente dos ingleses. Era o início do regime aparheid oficialmente. A partir de 1959 o governo racista sul-africano cria os bantustões. Bantustão era o nome dado a reservas de terras nas quais os negros teriam um autogoverno. Ou seja, o objetivo era isolá-los cada vez mais do convívio com os brancos ingleses e afrikaaners.
A resisência ao segregacionismo por parte dos negros sempre existiu. Em 1912 foi criado o Congresso Nacional Africano (CNA), que em princípio, buscava um diálogo com os boeres, o que mostrou-se inviável. A partir dos anos 40, principalmente durante a Segunda Guerra, foram organizadas greves mostrando a insatisfação com o racismo e a exclusão.
É nesse contexto que surge a figura de Mandela, destacando-se ao lado de Oliver Tambo como um dos líderes do CNA. Em 1959 houve uma divisão no CNA, surgindo o Congresso Pan-Africanista, que em 1960 organiza um protesto na cidade de Shapeville contra a lei que limitava o número de trabalhores negros em áreas exclusivas dos brancos. Claro que foi duramente reprimido e as duas organizações são postas na ilegalidade.
Devido a essa situação,o CNA cria um grupo armado, o mK. Em 1963, Mandela é preso e a luta contra o regime de apartheid arrefece. Some-se a isso a existência de regimes excludentes em países vizinhos, como a Namíbia e o alto investimento estrangeiro, que explorava a mão-de-obra barata na região.
A África do Sul tornou-se um dos países mais ricos do mundo, mas os negros viviam na miséria. Nos bantustões não havia nenhum tipo de serviço ou de assistência, o que provocou uma saída em massa dessas regiões. Sem ter para onde ir, acabaram se instalando nas perifierias das grandes cidades sul-africanas, formando verdadeiros guetos, já que não podiam habitar os bairros brancos. Em 1976 houve um levante num desses guetos em Johannesburgo, no lugar conhecido como Soweto, sigla para South West Township. No episódio morreram cerca de 600 pessoas, o que comoveu o mundo. Para muitos jovens de Soweto, a figura de Mandela era importante, como um ícone da luta contra a repressão e o isolamento.
A partir do massacre do Levante de Soweto, o investimento de capitais estrangeiros passou a diminuir no país, até que na década de 80, houve um boicote internacional. Várias revoltas explodiram entre 1984 e 1987, mas o então presidente Pieter Botha não negociava nada com a CNA, considerando-a ilegal, ainda que tenha dado algumas concessões econômicas aos negros.
Em 1989 Franklin De Klerk chega ao poder na África do Sul. Em 2 de fevereiro de 1990, anuncia a legalização da CNA e do Congresso Pan-Africanista, além da libertação de Nelson Mandela e de outros presos por motivos políticos. Uma nova Constituição foi criada entre 1991 e 1992, reunindo 200 pessoas de 19 partidos distintos. No ano de 1992, De Klerk chama a minoria branca para um referendo no qual, decide-se pela continuação das negociações para o fim do aparheid.
Em junho de 1993 é decidido que haveria eleições em abril do ano seguinte. Nelson Mandela foi eleito e pela primeira vez na África do Sul, a maioria escolheu o seu líder. O caminho até o fim do aparheid foi longo e tortuoso e entre 1992 e 1994 houve episódios de violência de brancos com os negros. Apesar disso, Mandela foi muito hábil em costurar um novo país, não baseado na vingança por anos de segregação, mas pela perspectiva de um novo futuro.
Mandela foi uma liderança rebelde dentro da África do Sul contra um regime extremamente racista, por entender que a violência era a única forma de resistir e protestar contra tal repressão. Ficou preso por quase quarenta anos em virtude disso e tornou-se o maior líder do seu país e um dos maiores estadistas do século XX. Apesar dos anos de prisão, Mandela comandou a África do Sul buscando inserir negros e brancos em um só país. Destaca-se o papel de sua esposa, Winnie Mandela, que quando seu marido esteve preso, foi um das vozes mais atuantes contra o regime e pela libertação de Madiba.

Bibliografia:

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

Mazrui. Ali A. Mazrui e Wondji. Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Disponível para download.

MACEDO, José Rivair (org). Desvendendo a história da África. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2008.

HOBSBAWM,Eric. Era dos Extremos. São Paulo, Ed.Cia, das Letras, 1995.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Impérios. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1998.

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