Capa do jornal Última Hora, um dos únicos que apoiava Jango, no dia seguinte ao comício |
Desde o início de seu governo, três anos antes, Jango enfrentou
forte oposição. Para começar, em agosto de 1961, quando Jânio
Quadros renunciou, o então vice quase foi impedido de assumir a
presidência. Sua posse só foi garantida graças à cadeia da
Legalidade, levada a cabo por Leonel Brizola desde o Rio Grande do
Sul e a um acordo o Brasil adotaria o parlamentarismo, diminuindo o
poder presidencial. Isso só seria desfeito em 1963, graças a um
plebiscito.
Como sabemos, o Brasil sempre foi um país muito marcado por
profundas desigualdades sociais. Goulart herdou uma nação com uma
série de problemas econômicos, devidos à política que Juscelino
Kubitcheck – JK – implantou, que enfatizava a produção
nacional, mas ligada ao capital estrangeiro. JK era membro do PSD,
que possuía setores conservadores em suas fileiras. Jango era ligado
ao PTB, que se aproximava cada vez mais dos setores populares.
Aqui cabe um aparte: apesar do termo populismo atualmente ser
pejorativo, ele não necessariamente deve ser visto assim. Na
verdade, os governos populistas atenderam a demandas e a necessidades
das classes trabalhadoras, representando uma aliança de interesses,
que culmina na emergência destas no cenário político nacional.
Também devemos compreender como um fato situado em seu tempo: entre
os anos 40 e 60 na América Latina. Assim, é possível considerar
Jango um populista. Claro que os governos que dão atenção a
classes populares são comumente classificados assim. Mas acredito
que isso não é depreciativo. Afinal, o que é mais importante do
que governar para a maioria?
E como se daria a participação das classes populares na política
brasileira? Para Goulart, a resposta seria as Reformas de Base.
Seriam medidas que modificariam as estruturas econômicas e sociais
brasileiras. Reformas bancária, fiscal, urbana, tributária,
eleitoral e agrária, algumas delas ainda necessárias no Brasil de
hoje.
Contudo, as tentativas de mudanças só foram possíveis após 1963,
quando do retorno do presidencialismo. Logo após o plebiscito, Jango
propôs o Plano Trienal, que buscava combater a inflação. Mas tanto
os setores de direita como os de esquerda rejeitaram a ideia. Era
chegada a hora de Jango escolher entre estes dois lados, que estavam
cada vez mais atuantes. E as Reformas de Base marcaram a opção de
Jango, afirmando os compromissos com as esquerdas e com a população.
Além de atender às necessidades das população mais necessitada,
as Reformas de Base visavam a um nacionalismo econômico, o que
desagradava os setores empresários brasileiros e estrangeiros.
Devemos recordar que em 63 e 64 vivíamos o auge da Guerra Fria. Toda
a proposta mais à esquerda era vista como “comunismo” e
aproximação da União Soviética.
Quando João Goulart subiu no palco do comício na Estação Pedro
II, a Central do Brasil, ele dava um passo sem volta. Escolhia o
caminho das esquerdas, das mudanças agora. O lugar não foi
escolhido em vão. É pela Central do Brasil que passa boa parte da
população do Rio Janeiro, afinal, é a mais importante estação
ferroviária da cidade e parada dos trabalhadores que moram nas
periferias, mas trabalham nas regiões centrais. O comício foi para
os trabalhadores que vivem com um salário mínimo, que sempre foram
prejudicados pelos governos até então.
No seu discurso, Jango clamou pela justiça social, única maneira
de se encontrar a paz social. Afirmou estar do lado dos operários,
camponeses e aqueles que apoiassem as reformas. Assinou ali mesmo a
encampação de refinarias de petróleo, divulgou o decreto que
criava a Supra (Superintendência da Reforma Agrária), que inclusive
desapropriava algumas terras e prometia encaminhar ao Congresso as
propostas para realizar as reformas, modificando a Constituição.
Vários grupos políticos lotavam a Central do Brasil e apoivam
Jango: a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas,
a União Nacional dos Estudantes (UNE), apoiadores da legalidade para
o Partido Comunista do Brasil (PCB), apoiadores da candidatura de
Leonel Brizola para a presidência no próximo ano.
Naquela sexta-feira 13, parecia que o Brasil seria diferente.
Parecia que desigualdade social no país
estava prestes a diminuir.
Para a maioria dos brasileiros, a sexta-feira 13 de março de 1964
não foi de terror, mas de esperança de um futuro melhor - ou mais
justo, ao menos.
Goulart discursa na Central do Brasil |
Acredito na hipótese de que o Comício foi o ápice do populismo no
Brasil (sem nenhum caráter pejorativo ao termo). Desde a Era Vargas,
desde a criação de CLT – as leis trabalhistas – que as mudanças
no Brasil para os trabalhadores não eram tão significativas. A
opção de Jango foi um crescente de apoio para os mais necessitados
por parte dos governantes, que em contrapartida participavam como
nunca do cenário político nacional.
Acredito que se as Reformas de Base vingassem, o Brasil seria outro
hoje em dia. Mas não sou futurólogo, nem adivinho. Infelizmente,
Jango e as reformas foram barrados pelo golpe. Por enquanto, estamos
à espera de algumas mudanças profundas, que são necessárias, mas
ainda não vieram.
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