Já
é célebre a passagem do romance de Machado de Assis, Esaú e
Jacó, em que o personagem Custódio, dono de uma confeitaria,
mandou que se fizesse uma placa com o nome do estabelecimento
“Confeitaria do Império”. Ocorre que a tabuleta foi pintada no
dia do “Baile da Ilha Fiscal”, o último suspiro do Brasil
Monárquico. Para Custódio, não pegava bem manter o nome antiga.
Após cogitar “Confeitaria da República”, ou “Confeitaria do
Catete”, optou por algo mais simples: “Confeitaria do Custódio”
mesmo.
O
episódio denota o que foi o processo da proclamação da república
no Brasil, um golpe militar sobre o imperador D. Pedro II. É correta
a afirmação de que o monarca vinha sofrendo pressão para o fim do
Império de vários setores da sociedade, entre eles, o Exército.
Esta era a Força Armada desprezada e mal paga. Mas com a Guerra do
Paraguai, o Exército profissionalizou-se, cresceu de importância.
Dentro das Academias Militares como a Escola Militar da Praia
Vermelha, no Rio de Janeiro, cresciam as ideias republicanas,
sobretudo ligadas ao positivismo de Augusto Comte. Já escrevi aqui
mesmo no blog uma porção de vezes sobre o positivismo, mas cabe
lembrar, que segundo essa doutrina, a República seria a mais
perfeita forma de governo e último estágio na evolução de uma
sociedade. Junte ao Exército, disputas entre a Igreja e o Estado em
virtude do fato de vários ministros serem maçons, num momento em
que o papa proibiu a maçonaria para os membros de ordens religiosas.
Some ainda setores da burguesia cafeeira paulista, ligados ao Partido
Republicano Paulista (PRP), defensores de uma maior descentralização
política. A crise econômica deflagrada desde 1875 só piorava a
situação.
Assim,
formavam-se grupos com diferentes sugestões para o futuro do Brasil,
livre do imperador. O grupo dos militares positivistas, que entediam
que o governo deveria ser forte e centralizado; o grupo dos
cafeicultores paulistas, que defendiam a autonomia para as províncias
e um terceiro, conhecido como “jacobino”, formado por
profissionais liberais e intelectuais do Rio de Janeiro que apoiavam
uma maior participação do povo na República. Mas como derrubar o
regime monárquico? Havia três propostas, cada uma ligada a um
grupo: os barões do café paulista defendiam um processo lento,
através de eleições para o legislativo que teriam deputados
republicanos eleitos em maior número, realizando uma transição. Os
militares positivistas acreditavam que deveria ser obra do Exército,
que teria o poder para tanto. Por fim, os jacobinos viam uma
revolução popular como o melhor caminho. Claro que a opção ficou
por conta dos setores elites dominantes da sociedade brasileira.
Representação da Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, no Campo de Santana, cidade do Rio de Janeiro. O evento teve alto valor simbólico, mas não modificou a realidade social brasileira |
Os
fatos de 15 de novembro de 1889 foram apenas um empurrão para acabar
com a Monarquia, um governo que vinha balançado faz muito tempo. A
rigor, a Proclamação da República foi um golpe militar, e no
princípio impôs-se um governo de exceção. A responsabilidade do
cargo de presidente caiu sobre o marechal Deodoro da Fonseca,
articulados da queda de D. Pedro II. Entre 15 de novembro de 1889 e
24 de fevereiro de 1891, o novo mandante governou sob decretos-leis
num Governo Provisório. Em 1891 ficou pronta a Constituição
republicana e o governo passava para Floriano Peixoto, que já havia
afastado-se do positivismo.
A
nova Constituição foi elaborada por deputados ligados às
oligarquias locais, que defendiam uma maior autonomia para as
provínciais. Mas o novo regime tornou-se rapidamente elitista e
distante da participação do povo. As revoltas populares do início
da República foram devidamente massacradas.
Sobre
a Proclamação da República, é famosa a frase de Aritides Lobo de
que “o povo assistiu aquilo bestializado”, ou seja, a margem,
longe do processo. Para o habitantes das zona pobres do país, que
sempre foram maioria, tanto faz se quem governa é o imperador ou o
presidente. Para a maioria da população, a situação não mudou.
Mas
era necessário adaptar-se aos novos governantes, ou no mínimo
reconhecê-los. Era preciso dançar conforme a música. Costúdio
tinha sua confeitaria no bairro da Glória, na rua do Catete, onde
ficava o Palácio do Catete, sede do governo republicano. Para
Custódio, seria um grande problema, afinal, ainda que não
significasse grandes mudanças, a população só tinha como opção
apoiar o novo regime. Custódio tinha que mudar o nome na tabuleta da
confeitaria para continuar sobrevivendo naquele sistema que agora era
apresententado. A própria opção de “Confeitaria do Custódio”
reflete o quanto importava a República: era melhor um nome neutro do
que um tendencioso.
Evidente
que os fatos ocorridos em 15 de novembro de 1889 foram importantes em
sua época. Mas as mudanças foram muito pequenas. Mudaram mais
tabuletas do que estruturas sociais.
Bibliografia:
FAUSTO,
Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Edusp, 2006.
CASTRO,
Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
2000.
TREVISAN,
Leonardo. A República Velha. São Paulo, Global editora, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário