Cartaz do filme "Adeus, Lênin!" |
Um
dos filmes mais bonitos da década de 2000 é “Adeus, Lênin”, dirigido por
Wolfgang Becker. A história do rapaz Alexander, interpretado por Daniel Brühl, que
inventa uma mentira para mãe não ter um choque muito grande ao recém sair do
coma. Sendo militante do socialismo, não poderia saber do fim do regime na
Alemanha Oriental. Para tanto, o rapaz cria um telejornal no qual, por exemplo,
afirma que os cidadãos da Alemanha Ocidental é que tinham passado para o bloco
socialista, como explicação para a queda do muro de Berlim. Mas a realidade foi
outra.
Em
3 de outubro de 1990, a Alemanha voltava a ser um país só. Meses antes, em 1989
os alemães ocidentais derrubaram o muro que separava Berlim, apressando a
reunificação nacional. Mas para entender o significado dessa situação é
necessário, como sempre, voltar no tempo.
Lembre-se
que a Alemanha é um exemplo de nação construída tardiamente, com a unificação ocorrendo
no final do século XIX. Por isso, o imperialismo alemão também foi tardio, o
que está entre as causas das duas guerras mundiais, se entendido que a Segundo
contou com o revanchismo da Primeira.
Passado
o fim da Segunda Guerra e a derrota do nazismo, interessava aos aliados a divisão
da Europa e da própria Alemanha. A própria capital Berlim foi dividida. Havia quatro
zonas de ocupação: uma francesa, uma inglesa, uma americana e uma soviética.
Berlim seguiu o mesmo modelo, ainda que ficasse na zona de ocupação da URSS.
Os
países libertados do nazismo pelos EUA e pela Inglaterra, entre eles o lado
oeste da Alemanha, receberam dinheiro dos americanos para sua reconstrução
através do “plano Marshall”, que financiava estes estados como forma de impedir
o avanço do comunismo. Muitos consideram que a disputa entre americanos e
soviéticos pelo território alemão deu início à Guerra Fria.
A Alemanha Ocidental, foi inclusive uma das regiões que mais recebeu dinheiro norte-americano. Afinal, era um ponto onde comunismo e capitalismo se enfrentaram frente a frente. Era necessário para os EUA fazer uma bela propaganda do seu sistema social e econômico.
A Alemanha Ocidental, foi inclusive uma das regiões que mais recebeu dinheiro norte-americano. Afinal, era um ponto onde comunismo e capitalismo se enfrentaram frente a frente. Era necessário para os EUA fazer uma bela propaganda do seu sistema social e econômico.
Dessa
maneira, em 1949, a zona ocupada por americanos, franceses e britânicos deu
origem à República Federativa Alemã (RFA), governada por um protegido dos EUA,
Konrad Adenauer. Nesse período, a Alemanha Ocidental ainda não tinha eleições,
nem instituições independentes. Esta era um país pró-EUA e tinha sua capital em
Bonn.
Já
na Alemanha Oriental estabeleceu-se uma nova ditadura, dessa vez sob o regime
soviético, sob o nome de República Democrática Alemã (RDA). Saíam de uma
ditadura nazista para entrar numa ditadura do Partido Comunista. O governo da
Alemanha Oriental era considerado como um dos mais “linha-dura” do bloco
soviético. E Berlim seguia dividida entre capitalistas e socialistas.
Construção do muro de Berlim em novembro de 1961 |
Em
1961 a situação da cidade, que era estranha, torna-se bizarra. A Guerra Fria “esquentava”
com eventos como a invasão da baía dos Porcos em Cuba. Em 13 de maio desse ano,
a RDA construiu a fronteira mais marcante entre socialistas e capitalistas: o
muro de Berlim. Com o apoio de Moscou, a Alemanha Oriental bloqueava e impedia
a imigração para o lado ocidental. Em Berlim, o contrapondo entre os dois
sistemas era muito visível. Sobretudo pelo desenvolvimento visto na Alemanha
Ocidental, porque nos anos 50 houve um investimento pesado dos norte-americanos
em Berlim.
No
filme “Adeus, Lênin” o pai do garoto havia ficado em Berlim Ocidental após a
construção do muro, separando-se de sua família, como ocorreu em muitos casos:
erguido o muro era impossível passar para o outro lado. Ou seja, a construção
do muro só trouxe mais complicações para os alemães e um acirramento entre os
ânimos de americanos e soviéticos. Talvez a única coisa de positiva que o muro
tenha trazido é que, segundo a lenda, David Bowie compôs a música “Heroes” ao
observar um casal de namorados perto do muro em meados dos anos setenta, quando
morou em Berlim.
Cartaz do filme "A vida dos outros" |
Uma
das características de ditaduras é a supressão das liberdades individuais. E o
Estado da RDA era extremamente policialesco.
Um filme que retrata muito bem isso é o excelente “A Vida dos Outros”, dirigido
por Florian Henckel von Donnersmark. O filme se passa em meados
dos anos 80. O filme conta a história do agente da Stasi, a polícia secreta da
Alemanha Oriental, que instalava escutas na casa de um escritor. O sistema
socialista se encaminhava para seu fim, mas mesmo assim o Estado continuava
bastante repressor. Assim ele era considerado um inimigo e deveria ser vigiado
e controlado, afinal, como já foi dito os alemães orientais saíram de uma
ditadura totalitária para outra também muito repressiva. É notável a atuação do
agente da Stasi, interpretado por Ulrich Mühe, que com o tempo se vê envolvido
com a vida daquele que deveria observar.
Tanto “A Vida dos Outros”, como “Adeus, Lênin”
tratam do fim comunismo na Alemanha Oriental. Com “Perestroika”, de Gorbatchev
a abertura política, que garantia o direito do bloco soviético de emancipar-se
e ficar livre do regime de Moscou, o governo da RDA passa a enfrentar uma série
de protestos internos a partir de 1989.
Muitos fogem da RDA para RFA pela Hungria,
que recebeu apoio ocidental. Os impostos na Alemanha Oriental subiam, e o
governo, formado em sua maioria por uma gerontocracia, tinha cada vez mais
oposição da população. Essa situação, somada a uma pressão do Partido Comunista
local, que pretendia derrubá-lo, causou a renúncia de Erich Honecker, o
mandatário do país em 1989. No mesmo ano, caia o muro de Berlim.
Helmuth Kohl em 1990: um dos protagonistas da reunificação |
Em 1990, Helmuth Kohl, chanceler da Alemanha
Ocidental e Gorbatchov articularam o fim da Alemanha Oriental. Com a
interferência de Kohl foi realizado um referendo que aprovou a reunificação. A Constituição
da RFA torna-se a oficial de toda nova república e os membros do governo da RDA
punidos por crimes, o que na época resultou numa “perseguição” que erradicou
funcionários do regime socialista do país. Este processo é bem demonstrado em “A
Vida dos Outros”, quando após a reunificação, o ex-agente da Stasi se vê
destituído de emprego, vivendo em más condições.
E aqui cabe destacar uma parte negativa da
reunificação: uma divisão entre orientais e ocidentais. Formaram-se dois grupos
bem definidos: os wessis (ocidentais)
e os ossis (orientais). Como o leste
foi quase “colonizado” pelo oeste, os ossis passaram a ser discriminados, o que aliado às dificuldades financeiras,
transformou os que habitavam a Alemanha Oriental praticamente em cidadão de
segunda classe.
Tanto em “Adeus, Lênin” como em “A Vida dos
Outros” são casos interessantes. Com sucesso em bilheteiras, produzidos na
Alemanha, fora de Hollywood, nos anos 2000. Penso que os dois filmes tratam do
fim da Alemanha Oriental de modo semelhante. Não trata-se de um saudosismo do
governo socialista, mas expõem algumas mazelas da reunificação, pela imposição
do regime capitalista de cima para baixo. Ainda que a população tenha participado
do processo, sua finalização foi levada pelos chefes da nova nação. Principalmente a partir de lideranças políticas ocidentais como Helmut Kohl, que foi o articulador do neoliberalismo dentro da Alemanha. Ou seja, foi uma mudança de cima para baixo.
1989: cai o muro de Berlim |
Hoje a Alemanha é uma das maiores potenciais econômicas
do mundo e o carro-chefe da economia europeia. Mesmo assim, o lado leste ainda
é o mais pobre e é onde, lamentavelmente, tem surgido movimentos de extrema
direita, muitos de cunho neonazista, um dos grandes males que aflige toda a
Europa atual.
Notícias dos últimos dias dão conta de que a
prefeitura de Berlim pretende derrubar partes remanescentes do muro, mas a
população local é contra. Preferem mantê-lo para recordar que um dia a cidade
já foi dividida, como um marco.
Assista abaixo aos trailers de "Adeus Lênin" e "A vida dos outros". Veja os filmes também, são imperdíveis.
E para terminar, "Heroes" do David Bowie:
E para terminar, "Heroes" do David Bowie:
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX:
1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
VICENTINI, Paulo. Da Guerra Fria à Crise (1945-1990).
Porto Alegre, Editora da Universidade, 1990.
Filmes:
“Adeus, Lênin!” (Good
bye, Lenin!). direção Wolfgang Becker.
2003.
“A vida dos outros” (Das Leben der
Anderen). Direção Florian Henckel von Donnersmark. 2006.
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