quinta-feira, 14 de março de 2013

O império medieval do Mali



No início do ano de 2013, uma intervenção militar francesa colocou o Mali nas manchetes do mundo todo. O que algumas pessoas desconhecem é que essa situação vem se arrastando desde o início de 2012, quando o presidente Amandou Touré foi derrubado por um golpe militar. Desde então, o país foi divido em dois, com o sul controlado pelo governo que assumiu após a queda do anterior e o norte, controlado por rebeldes islâmicos e pelo Movimento Nacional para a Libertação de Azawad.
A questão é que a África e sua História são esquecidas pelo mundo ocidental, no qual nós nos incluímos. Muito desse esquecimento deve-se ao fato de que há dois séculos ela é um “quintal” da Europa. Durante o período colonial, suas populações eram exploradas à revelia. Nesse contexto, no século XIX, imaginava-se ser impossível a consolidação de sociedades ricas e urbanizadas nesse continente antes da chegada dos europeus.
Ocorre que houve diversos reinos ricos e poderosos na África medieval, entre eles o império de Mali, que se desenvolveu na região onde hoje é o país, a Mauritânia e Guiné.
Mapa do império do Mali. Em verde,
o território no seu auge.
Esse império começou a constituir-se a partir do século X, com decadência do reino de Gana. Em princípio, era apenas um grupo étnico com pretensões expansionistas e com relações comerciais com povos próximos e com árabes que dominavam o norte da África - o chamado mandem, maninka, ou malinké -, que teriam saído de um núcleo populacional chamado Mali.
A relação com os árabes levou esse grupo a se converter ao islamismo em 1050. Entretanto, a fundação do império foi bem posterior a isso. A tradição oral dos griots, contadores de histórias nômades, relata que Sundiata Keita foi o seu grande fundador por volta de 1235, quando ascendeu ao poder. Ele teria sido um grande conquistador que expandiu os domínios de seu povo ao sul, onde havia ouro, e ao norte, onde havia sal. Ainda fundou a capital, Niani, ou Nyeni, que se localizava na atual fronteira entre a atual República do Mali e a Guiné.
Imagem referente ao mansa Musa
O auge do império do Mali ocorreu durante o reinado de mansa - rei no idioma maninka - Musa. Sob seu reinado, que iniciou em 1312, foram anexadas as cidades de Timbuktu e Gao. Em 1325, fez uma excursão a Meca, que se tornou famosa. Levou consigo muito ouro e impressionou no caminho.
Na volta, inspirado pelo que viu na viagem, como por exemplo, no Cairo, no Egito, mandou erguer grandes construções em Niani, como uma suntuosa mesquita, um palácio imperial e uma bela sala de audiências. Além disso, tornou-se um mecenas, incentivador da arte e da leitura. Timbuktu, por exemplo, era um importante centro de estudos islâmicos.
Economicamente, o império de Mali era bastante forte. A agricultura era bem consolidada e, segundo o relato de viajantes árabes do século XIV, a comida era abundante. O comércio era bastante desenvolvido, principalmente o de ouro, sal e noz-de-cola.
Contudo, a partir do século XV, o império de Mali entrou em declínio. Invasões berberes ao norte somaram-se à pressão de um novo e poderoso reino, o de Songhai. A expansão desse povo tomou diversos territórios setentrionais importantes de Mali. Como se não bastasse, houve uma série de conflitos internos, pois o império do Mali era o resultado de uma espécie de confederação de populações, sendo bastante heterogêneo, o que, com o tempo, gerou conflitos locais e insubordinações.
Mesquita em Timbuktu
erguida no século XIV
durante o império do Mali
O império de Mali chegou a travar relações comerciais com portugueses entre os séculos XV e XVI. Foram enviadas diversas expedições lusas para a região. Posteriormente, Portugal passou a intervir na política interna do decadente império de Mali, inclusive com um mansa convertendo-se as cristianismo.
O atual o Mali é resultado do imperialismo europeu da virada do século XIX para o XX. A região era colônia da França e conhecida como Sudão Francês. Em 1959, uma Conferência foi realizada em Bamako, atual capital malinesa. Decidiu-se pela emancipação do Senegal e do Sudão Francês, que formariam a Federação do Mali. Em 20 de junho de 1960, este estado é declarado independente. Entretanto, ele não dura dois meses: o Senegal vai para um lado e a República do Mali para um outro.
Entendo que a atual intervenção francesa tem diversas razões: o temor apontado pela imprensa de que o controle do país caia nas mãos de grupos terroristas, como a Al-qaeda, e, também, alguns resquícios do imperialismo. Claro que o novo governo de Hollande quer mostrar serviço perante o mundo e perante sua nação e é claro que a situação local estava muito complicada e seria importante que se interviesse ali de alguma maneira.
Até mesmo porque a Europa e os EUA costumam enviar tropas geralmente para locais onde exista algum interesse econômico, como é o caso dos países ricos em petróleo, sob a alegação da Responsabilidade de Defender.E a economia malinesa, como a maioria dos países subdesenvolvidos, baseia-se no setor primário. O tem uma mineração voltada para a exploração do ouro e do urânio. Quanto às nações miseráveis da África, que sofrem com intermináveis conflitos internos, existe pouco interesse ocidental.
Entendo a importância do estudo da história da África nos dias atuais. Primeiro pelo cumprimento da justa e correta lei 11.645, de 2008, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena a afro-brasileira. Ora, os negros também fizeram o Brasil, então, por que aprender apenar a história da Europa? Dessa maneira, é essencial estudar a história da África em si e não pela ótica europeia, muitas vezes distorcida e preconceituosa. Por isso, precisamos analisar não somente o período colonial, mas a época anterior a este, quando vivia-se sem a interferência dos europeus.
Os monumentos erguidos na cidade de Timbuktu, ou Tombutku são considerados pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, entre eles, a mesquita de Sankore, da foto acima. Lamentavelmente, estes vêm sendo ameaçados e destruídos pelos rebeldes muçulmanos do norte do país.

Bibliografia:

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

MACEDO, José Rivair. (org) Desvendando a História da África. Porto Alegre, editora da UFRGS, 2008.

NIANE, Djibril Tamsir. (Ed.) História geral da África, IV: África do século XII ao XVI. Brasília, UNESCO, 2010.

Um comentário:

  1. MUITO BOM O ARTIGO. NO QUE CONCERNE AO RESQUÍCIO DE IMPERIALISMO FRANCÊS, EU DIRIA QUE, "NEM TANTO AO CÉU NEM TANTO AO MAR".. O HISTORIADOR NIALL FERGUSON EM "CIVILIZAÇÃO" MOSTRA, TAMBÉM, OS GRANDES BENEFÍCIOS, PARTICULARMENTE NA ÁREA DE SAÚDE, QUE OS FRANCESES, DE MANEIRA GERAL, TROUXERAM NAQUELA PLAGAS. DE TAL FORMA QUE, RETIRANDO-SE OS EPISÓDIOS LAMENTÁVEIS DE INTERVENÇÕES MILITARES, BEM COMO, DO EMPREGO DE AFRICANOS PARA RESOLVER PROBLEMAS EUROPEUS (USO DE AFRICANOS COMO SOLDADOS NA I E II GM).
    O SOCIALISTA HOLLAND, REALMENTE, TEVE QUE INTERVIR (MAIS UMA VEZ) PARA PRESERVAR INTERESSES LÁ NO MALI, MAS ELE TEVE NA SUA "COLA" A IMPRENSA OCIDENTAL, SEMPRE O OBSERVANDO - NÃO CREIO QUE OS FRANCESES TENHAM EXAGERADO. MAS HOJE, NO CENÁRIO AFRICANO, POR EXEMPLO, A RPC ATUA COM UM "NOVO IMPERIALISMO"INTERESSANTE - QUE TAL COMPARÁ-LO COM O DO PASSADO? APENAS UMA OPINIÃO SOBRE O ASSUNTO. PARABÉNS...MAURO A. F. LEITE.

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