God Save the Queen: em 1977 os Sex Pistols resolveram "avacalhar" com o jubileu de prata de rainha |
Nessa semana celebra-se o jubileu de diamante da rainha da Inglaterra, Elizabeth II
que está no cargo há sessenta anos. Hoje tida como uma figura meramente
ilustrativa, o monarca inglês já foi o chefe absoluto do Estado. E a história
da Inglaterra se confunde com a história da sua monarquia.
A história do poder
nas mãos do rei pode ser contada desde o período medieval. A invasão normanda
comandada por Guilherme, o bastardo, de 1066, que, com a batalha de Hastings
dominou a ilha, deu início a uma
monarquia centralizada, sobretudo a partir do governo de Henrique I em 1110.
O problema é que a
nobreza inglesa era muito forte, como ficou evidente na assinatura da “Carta
Magna” em 1215, pelo rei João Sem Terra (sim, as alcunhas são um show a parte:
bastardo, sem terra, tudo muito polido, muito inglês...). Ela limitava o poder
real, criando o “Grande Conselho”, que no futuro viria a ser o “Parlamento”. O
monarca só foi restaurar sua força em 1272, com o rei Eduardo I, que contava
com o apoio tanto dos nobres como da Igreja.
No século XIV, a
Inglaterra já era o Estado cristão mais maduro e estável, o que garantiu certo
sucesso na Guerra dos Cem Anos, contra os franceses. Esta, aliás, atendeu as
demandas de uma nobreza local belicosa e agressiva.
O poder da nobreza na
Inglaterra só decaiu na Guerra das Rosas, entre 1455 e 1485. Foi um conflito
entre duas famílias, York e Lancaster, disputando o trono inglês. Contudo, ao
final do embate, uma terceira dinastia acabou se prevalecendo: a dos Tudor.
Rei Henrique VIII: muitos casamentos, mas pouca competência administrativa |
Teve início com Henrique
VIII, o mesmo que brigou com o papa Clemente VII por questões matrimoniais e
acabou criando uma igreja própria, a Anglicana. Mas seu reinado foi importante
por outros motivos: ao mesmo tempo em que aumentou seu poder, fazendo inclusive
uso do parlamento para isso, a representatividade da Inglaterra no plano
internacional decaiu muito, sobretudo com o crescimento da Espanha e de
Portugal.
A situação só foi
começar a reverter com o reinado de uma filha sua, Elizabeth I, de 1558 a 1603.
Os antecessores dessa rainha, Eduardo VI e Maria Tudor, a sanguinária (as belas
alcunhas ainda), enfrentaram governos muito conflituosos. Esta última ensaiou
um retorno ao catolicismo. Elizabeth I conseguiu se impor sobre toda a
Grã-Bretanha, que incluía a Irlanda.
Rainha Elizabeth II: a consolidação do poder real e da Inglaterra como "senhora dos mares". |
No entanto, seu maior
êxito foi contra a Espanha pelo controle marítimo. A pirataria dos corsários
(ladrões do mar contratados pela Coroa Inglesa) sobre os navios espanhóis que
circulavam pela costa da América foi corroendo parte da frota do rei hispânico,
Felipe II, assim como parte de suas finanças. A vitória dos ingleses sobre a
“Invencível Armada”, que em 1588, além de repelir a tentativa de invasão
espanhola sobre a ilha, ainda afundou a frota espanhola. Assim, a Inglaterra se
tornou a nova senhora dos mares.
Com base nisso, o
poder inglês no plano mundial cresceu muito e sua monarquia deveria se
consolidar. Mas não foi o que ocorreu. Como Elizabeth I não deixou
descendentes, após sua morte teve início a dinastia Stuart. Esta era originária
da Escócia, o que vinculava de vez este território com a Inglaterra. Foi uma
dinastia sobretudo instável, que tentou impor a realeza absolutismo, dando
pouca ênfase para os parlamentos, o que a prejudicou. Tanto Jaime I, como
Carlos I se mostraram um tanto quanto ineptos para a tarefa de governar e lidar
com a nobreza.
Foram justamente
estes governos personalistas que entraram em confronto com aquela que deveria
ser aliada dos monarcas: a nobreza. Sobretudo pela pequena nobreza, e pela
nobreza que enriquecia com o comércio, conhecida como gentry. A eclosão de uma guerra civil, antecedida por uma derrota
inglesa perante os escoceses na tentativa de lhes impor o anglicanismo
escancarou a fragilidade da monarquia inglesa.
Dessa maneira, o
Parlamento se opôs a Carlos I e delegou o comando das suas tropas a Oliver
Cromwell, que, saindo vitorioso, impôs uma ditadura republicana entre os anos
de 1645 e 1658. O rei acabou sendo decapitado. Após a morte de Cromwell, houve
um curto retorno do absolutismo monárquico com a restauração dos Stuart no
poder através de Carlos II. Contudo, como este tentou resgatar a centralização
e o controle quase total do Estado, teve forte oposição interna. Seu sucessor,
Jaime II, foi facilmente derrubado pela nobreza insatisfeita com a redução dos
poderes do Parlamento e pela burguesia ascendente em 1688. Já não era mais
possível aos ingleses retroceder: o absolutismo monárquico tinha ido por água
abaixo, um rei autoritário não era mais tolerado naquela altura da história
inglesa.
Com esse movimento, conhecido
como Revolução Gloriosa, o absolutismo inglês teve seu final. Mas não foi o fim
da monarquia nesse país. O Parlamento convocou Guilherme, da dinastia holandesa
de Orange, para ser o próximo rei. Mas com poderes extremamente limitados. Ele
foi obrigado a jurar a Bill of Rigths,
que confiava o controle do Estado ao Parlamento.
Por isso que hoje a
figura da rainha é meramente de chefe de Estado e não de governo. A monarquia
permanece como se fosse uma decoração sem muita utilidade e que provoca despesas
para os cofres públicos. Mesmo assim, grande parte da população inglesa adora a
família real e tudo o que envolve a vida de seus membros.
Diversas homenagens
já foram feitas para a rainha Elizabeth II. Para mim, a melhor de todas veio da
banda punk inglesa “Sex Pistols”, com a música “God Save the Queen”, homônima
do Hino Nacional Britânico. Lançada em 1977 durante o Jubileu de Prata, nos
vinte e cinco anos de seu reinado, a letra diz: “God Save the Queen/ her
fascist regime”, Deus salve a rainha/seu regime fascista”. A música era tão
violenta e provocativa, que chegou a ser proibida nas rádios da BBC. Ela
parecia, naquele momento, traduzir o sentimento de insatisfação de uma parcela
da população inglesa, mais pobre, que assistia “bestializada” aos festejos
enquanto passava por necessidades econômicas decorrentes da crise do
capitalismo de meados dos anos 70. O niilismo da canção era tão grande que no
final diz “there is no future for you...no future for me”, não há futuro para
ti, não há futuro para mim.
Seria interessante
saber como, na atual crise, os ingleses viram o Jubileu de Diamante. Pena que
não tem nenhum Sex Pistols para meter o pé na porta e reclamar de tudo... Escuta em a música aí embaixo:
Bibliografia:
LE GOFF,
Jacques. A civilização do ocidente
medieval. Bauru (SP), Edusc, 2005.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista.
São Paulo, Ed. Brasiliense,1985.
Nenhum comentário:
Postar um comentário