terça-feira, 26 de junho de 2012

A independência e a construção da nação paraguaia


Semana passada o presidente democraticamente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, foi derrubado por um “golpe brando”. Apoiado na constituição, o Congresso Nacional fez o impeachment acusando-o de má administração. Foi um processo que estranhamente durou pouco mais de um dia, uma “crônica de uma morte anunciada”. O Paraguai tem um histórico de golpes e repentinas mudanças na sua história. O próprio processo de emancipação foi marcado por essas situações.
Mapa do Paraguai na América do Sul.
Perceba como o país não tem saída
para o mar, sendo a única opção
o Rio da Prata
A região foi colônia da Espanha e pertencia ao vice-reinado do Prata, com a capital em Buenos Aires. Este se separa da metrópole em maio de 1810, formando uma junta de governo e afastando o vice-rei. Essa junta de Buenos Aires toma medidas radicais e anti-hispânicas, além do propor reformas sócias. Ao mesmo tempo, busca submeter todo vice-reinado do Prata ao seu domínio. Assim, designa Manuel Belgrano, que junto de um exército tentou controlar a região do Paraguai.
Contudo, foi derrotado em Paraguarí e Tacuarí por proprietários de terra paraguaios, que rechaçavam a metrópole espanhola e as pretensões portenhas. Assim, em 17 de maio de 1811, o Paraguai se declara independente dos dois. Mas a história não termina por aqui, pois o panorama iria se modificar em pouco tempo.

Em Assunción forma-se outra junta, da qual faziam parte Fulgencio Yegros, representante dos latifundiários e José Gaspar Rodríguez Francia, filho de um brasileiro, representantes dos pequenos proprietários, os “chacreros”. Em junho do mesmo ano é eleito um congresso com a maioria de latifundiários, que ao aliar-se novamente com Buenos Aires em outubro de 1811, garante a isenção de impostos sobre os produtos paraguaios. Importante lembrar que o país não tem saída para o mar, a única alternativa para escoar os seus produtos é através do rio da Prata, que desemboca justamente da capital argentina.

Apesar disso, no ano seguinte, a isenção fiscal cai. O congresso paraguaio chama Francia, que havia se afastado da junta por discordar dos latifundiários, de volta. Na esfera dessas mudanças, elege-se um novo congresso com a maioria de “chacreros”. Assim, em 21 de outubro de 1813, ocorre uma nova declaração de independência do Paraguai. Para o executivo é escolhido um novo governo, no qual Francia e Yegros se revezavam no poder, com um ano para cada, começando com Francia. Ele decide bater de frente com Buenos Aires, não enviando representantes à Assembleia do Ano XIII. A resposta veio na forma de bloqueio econômico por parte dos portenhos.

José Gaspar Rodríguez Francia

Internamente, em 1814, Francia impõe altos impostos sobre os comerciantes e transforma a exportação em monopólio do Estado. Assim, a elite tanto de grandes proprietários de terra, como de comerciantes se viu prejudicada e alijada da política.

Outra medida sua foi a implementação de um Estado laico no Paraguai, ao limitar as atividades do Clero, acabar com a Inquisição (sim, ela ainda existia nas antigas colônias da Espanha) e estatizar as terras da Igreja para uma futura reforma agrária. Essa separação do Estado da Igreja era única na América Latina. Curioso, se lembrarmos que o presidente recém deposto, Fernando Lugo, foi bispo antes de assumir o cargo.

Francia se declarou Ditador Perpétuo em 1814 e governou o país até 1840, quando da sua morte. Com a eliminação da elite oligárquica e da Igreja, pode aumentar seus poderes, contando com o apoio dos pequenos proprietários. Seu governo deu início a uma política de isolamento com o restante da América, que culminou na Guerra do Paraguai.

Hoje, muito em virtude desse conflito, o Paraguai é um país subdesenvolvido, com graves problemas sociais. A instabilidade política também se dá, em grande parte, graças a isso. Por outro lado, o país por estar próxima ao Brasil e à Argentina, sofre em certa parte a influência de ambos, e costuma se prejudicado nessa equação. Durante a ditadura de Stroessner, por exemplo, foi construída a hidrelétrica de Itaipu, junto com o governo brasileiro. Pelo menos, Brasil e Argentina não se mostraram favoráveis à derrubada de Lugo. Resta saber se isto vai repercutir de alguma maneira positiva junto ao pobre povo paraguaio. 

Uma característica importante do Paraguai é a presença da etnia indígena dos guarani. Inclusive, o guarani ainda hoje, é um dos seus idiomas oficiais. É um dos raros países latinoamericanos que se orgulha das raízes indígenas e as inseriu no processo de construção da nação.

Bibliografia:
GUAZZELI. Cesar Augusto Barcellos. “A crise do sistema colonial e o processo de independência”. In: WASSERMAN. Cláudia. A História da América Latina: Cinco séculos. Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A grande aventura de Alexandre


Mosaico encontrado em Pompeia
representando Alexandre
e seu cavalo Bucéfalo
Hoje, 13 de junho, é data de aniversário de morte de Alexandre, o Grande. Como rei da Macedônia, conquistou uma grande faixa de terra que ia da Grécia até a Índia. Fundou diversas cidades com seu nome: “Alexandria”. Indubitavelmente deixou seu nome registrado na História. O papel do indivíduo na História já foi largamente debatido. É célebre a frase de um alemão de nome Karl Marx “os homens fazem a História, mas em condições que não foram por eles escolhidas”. Apesar de não ser fã do seu Marx, acho bastante interessante essa sua consideração.

Vamos então ao contexto: a Macedônia se localizava nos limites entre os territórios gregos e os persas, o que os levava a ter uma grande rivalidade contra estes últimos, uma vez que se viam como uma das cidades-estados da Grécia. Seu governo era dirigido por uma aristocracia local, que em 359 a.C. escolheu Felipe como seu rei. Ele exerceu domínio sobre a Grécia não apenas pela força militar, apesar de ter conquistado importantes cidades como Atenas. Seu controle sobre a região deve-se também à “liga de Corinto”, fundada em 337 a.C., que unia várias cidades-estados em torno da Macedônia contra os persas.

Busto de Alexandre
Mas Felipe foi assassinado no ano seguinte. Seu filho, Alexandre, o sucedeu tanto no trono da Macedônia como na liderança da liga de Corinto. Em dois anos de poder coquistou partes da Grécia que ainda estavam sob domínio do rei persa, Dario. Em 332 a.C., tomou Sídon e Tiro dos rivais persas. Continuou com o expansionismo macedônico e, no ano seguinte, invadiu o Egito. Volta a atacar os persas e os derrota de vez em outubro de 331 a.C., conquistando Babilônia, Susa e Persepólis, a capital do império.

Mesmo após vencer os antigos inimigos, Alexandre não esmaeceu. Seguiu com seu exército em direção à Índia, onde chegou em 325 a.C. Dali, retornou para a Babilônia em 323 a.C., ano da sua morte. Quando morreu, planejava uma nova expedição militar rumo à Arábia.
Os domínios de Alexandre foram divididos entre seus generais, que disputaram o poder entre eles. Antípatro ficou com a Macedônia; Lisímaco, com a Trácia; a Ptolomeu coube o Egito, dando início a uma dinastia real que só acabou com Cleópatra, quando os romanos invadiram a região; e Antígono, o Zarolho (que beleza de apelido) obteve a Magna-Frígia e Lícia-Panfília. O Zarolho ainda tentou retomar a grandeza das conquistas de Alexandre, mas sem consegui-lo.
Mapa das conquistas de Alexandre (em tom mais claro)

Uma das razões do sucesso de Alexandre foi a sua habilidade em manter as culturas locais dos povos conquistados, combinando-as com a grega. Expandiu a Grécia com suas conquistas, ampliando o mundo grego, dando origem ao helenismo. Contudo, não conseguiu construir um sistema político estável, tanto que suas conquistas se esfacelaram após sua morte, nem trouxe maiores alterações na economia.

Alexandre, a rigor, apesar da expansão, não chegou a manter um Império. Entendo mais como uma aventura com consequências para Ásia, Egito e Grécia. Ou seja, em vida, Alexandre fez muita fumaça, mas pouco fogo. Suas conquistas não mudaram muito o panorama político e econômico de sua época.

As consequências de seus atos foram mais importantes do que os atos em si. Sua expansão decretou o fim do Período Clássico da História Grega e deu início ao Período Helenístico, marcado pela relação entre gregos e aqueles considerados “bárbaros”. Ou antes, pela influência exercida pela cultura grega sobre povos que eram considerados “bárbaros”.

Recentemente, em 2004, Oliver Stone filmou “Alexandre”, que é uma porcaria. Parece que esse diretor nunca mais acertou depois de “Platoon” e “JFK”. Ninguém gostou do filme ruim, longo e chato. A obra ainda traz uma polêmica desnecessária: a da relação de Alexandre com outros homens.

Na Grécia, conforme o francês Michel Foucault, a homossexualidade não existia. Pelo menos com essa palavra. Ela provavelmente foi criada a partir do século XIX, como uma maneira de regrar as relações sexuais. Para os gregos, as relações carnais com outros homens não eram mal vistas, não eram entendidas como um problema. A passividade do homem adulto não era aceita, mas a relação entre um sábio e um aprendiz era vista como parte de um processo entre um mestre e seu pupilo. Acho que Oliver Stone, ao apresentar as relações de Alexandre com outros homens como se fossem um “problema”, ou uma “polêmica” escorrega feio no anacronismo e no preconceito.

Bibliografia:
MOSSÉ, Claude. e SCHNAPP-GOURBEILLON. Annie. Síntese de História Grega. Lisboa, Edições Asa, Lisboa, 1994.
MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. Várias edições.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II – o uso dos prazeres. Rio de Janeiro, Graal editora.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

God Save the Queen – A Coroa Inglesa


God Save the Queen: em 1977
os Sex Pistols resolveram "avacalhar"
com o jubileu de prata de rainha
Nessa semana celebra-se o jubileu de diamante da rainha da Inglaterra, Elizabeth II que está no cargo há sessenta anos. Hoje tida como uma figura meramente ilustrativa, o monarca inglês já foi o chefe absoluto do Estado. E a história da Inglaterra se confunde com a história da sua monarquia.

A história do poder nas mãos do rei pode ser contada desde o período medieval. A invasão normanda comandada por Guilherme, o bastardo, de 1066, que, com a batalha de Hastings dominou a ilha, deu início a uma monarquia centralizada, sobretudo a partir do governo de Henrique I em 1110.

O problema é que a nobreza inglesa era muito forte, como ficou evidente na assinatura da “Carta Magna” em 1215, pelo rei João Sem Terra (sim, as alcunhas são um show a parte: bastardo, sem terra, tudo muito polido, muito inglês...). Ela limitava o poder real, criando o “Grande Conselho”, que no futuro viria a ser o “Parlamento”. O monarca só foi restaurar sua força em 1272, com o rei Eduardo I, que contava com o apoio tanto dos nobres como da Igreja.

No século XIV, a Inglaterra já era o Estado cristão mais maduro e estável, o que garantiu certo sucesso na Guerra dos Cem Anos, contra os franceses. Esta, aliás, atendeu as demandas de uma nobreza local belicosa e agressiva.

O poder da nobreza na Inglaterra só decaiu na Guerra das Rosas, entre 1455 e 1485. Foi um conflito entre duas famílias, York e Lancaster, disputando o trono inglês. Contudo, ao final do embate, uma terceira dinastia acabou se prevalecendo: a dos Tudor.

Rei Henrique VIII: muitos
casamentos, mas pouca
competência administrativa
Teve início com Henrique VIII, o mesmo que brigou com o papa Clemente VII por questões matrimoniais e acabou criando uma igreja própria, a Anglicana. Mas seu reinado foi importante por outros motivos: ao mesmo tempo em que aumentou seu poder, fazendo inclusive uso do parlamento para isso, a representatividade da Inglaterra no plano internacional decaiu muito, sobretudo com o crescimento da Espanha e de Portugal.

A situação só foi começar a reverter com o reinado de uma filha sua, Elizabeth I, de 1558 a 1603. Os antecessores dessa rainha, Eduardo VI e Maria Tudor, a sanguinária (as belas alcunhas ainda), enfrentaram governos muito conflituosos. Esta última ensaiou um retorno ao catolicismo. Elizabeth I conseguiu se impor sobre toda a Grã-Bretanha, que incluía a Irlanda.

Rainha Elizabeth II:
a consolidação
do poder real
e da Inglaterra como
"senhora dos mares".
No entanto, seu maior êxito foi contra a Espanha pelo controle marítimo. A pirataria dos corsários (ladrões do mar contratados pela Coroa Inglesa) sobre os navios espanhóis que circulavam pela costa da América foi corroendo parte da frota do rei hispânico, Felipe II, assim como parte de suas finanças. A vitória dos ingleses sobre a “Invencível Armada”, que em 1588, além de repelir a tentativa de invasão espanhola sobre a ilha, ainda afundou a frota espanhola. Assim, a Inglaterra se tornou a nova senhora dos mares.

Com base nisso, o poder inglês no plano mundial cresceu muito e sua monarquia deveria se consolidar. Mas não foi o que ocorreu. Como Elizabeth I não deixou descendentes, após sua morte teve início a dinastia Stuart. Esta era originária da Escócia, o que vinculava de vez este território com a Inglaterra. Foi uma dinastia sobretudo instável, que tentou impor a realeza absolutismo, dando pouca ênfase para os parlamentos, o que a prejudicou. Tanto Jaime I, como Carlos I se mostraram um tanto quanto ineptos para a tarefa de governar e lidar com a nobreza.

Foram justamente estes governos personalistas que entraram em confronto com aquela que deveria ser aliada dos monarcas: a nobreza. Sobretudo pela pequena nobreza, e pela nobreza que enriquecia com o comércio, conhecida como gentry. A eclosão de uma guerra civil, antecedida por uma derrota inglesa perante os escoceses na tentativa de lhes impor o anglicanismo escancarou a fragilidade da monarquia inglesa.

Dessa maneira, o Parlamento se opôs a Carlos I e delegou o comando das suas tropas a Oliver Cromwell, que, saindo vitorioso, impôs uma ditadura republicana entre os anos de 1645 e 1658. O rei acabou sendo decapitado. Após a morte de Cromwell, houve um curto retorno do absolutismo monárquico com a restauração dos Stuart no poder através de Carlos II. Contudo, como este tentou resgatar a centralização e o controle quase total do Estado, teve forte oposição interna. Seu sucessor, Jaime II, foi facilmente derrubado pela nobreza insatisfeita com a redução dos poderes do Parlamento e pela burguesia ascendente em 1688. Já não era mais possível aos ingleses retroceder: o absolutismo monárquico tinha ido por água abaixo, um rei autoritário não era mais tolerado naquela altura da história inglesa.

Com esse movimento, conhecido como Revolução Gloriosa, o absolutismo inglês teve seu final. Mas não foi o fim da monarquia nesse país. O Parlamento convocou Guilherme, da dinastia holandesa de Orange, para ser o próximo rei. Mas com poderes extremamente limitados. Ele foi obrigado a jurar a Bill of Rigths, que confiava o controle do Estado ao Parlamento.

Por isso que hoje a figura da rainha é meramente de chefe de Estado e não de governo. A monarquia permanece como se fosse uma decoração sem muita utilidade e que provoca despesas para os cofres públicos. Mesmo assim, grande parte da população inglesa adora a família real e tudo o que envolve a vida de seus membros.

Diversas homenagens já foram feitas para a rainha Elizabeth II. Para mim, a melhor de todas veio da banda punk inglesa “Sex Pistols”, com a música “God Save the Queen”, homônima do Hino Nacional Britânico. Lançada em 1977 durante o Jubileu de Prata, nos vinte e cinco anos de seu reinado, a letra diz: “God Save the Queen/ her fascist regime”, Deus salve a rainha/seu regime fascista”. A música era tão violenta e provocativa, que chegou a ser proibida nas rádios da BBC. Ela parecia, naquele momento, traduzir o sentimento de insatisfação de uma parcela da população inglesa, mais pobre, que assistia “bestializada” aos festejos enquanto passava por necessidades econômicas decorrentes da crise do capitalismo de meados dos anos 70. O niilismo da canção era tão grande que no final diz “there is no future for you...no future for me”, não há futuro para ti, não há futuro para mim.

Seria interessante saber como, na atual crise, os ingleses viram o Jubileu de Diamante. Pena que não tem nenhum Sex Pistols para meter o pé na porta e reclamar de tudo... Escuta em a música aí embaixo:


Bibliografia:
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Bauru (SP), Edusc, 2005.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo, Ed. Brasiliense,1985.