O livro “O Tempo e o Vento” não é a minha obra preferida de Erico Verissimo. Prefiro “Incidente em Antares”. Mas seu valor literário é indiscutível: trata da saga de uma família ao longo da história do Rio Grande do Sul. Divide-se em três livros: “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago”. O capítulo “O sobrado” se estende por todo o livro “O Continente”. Conta a tensa história do cerco de um casarão em Santa Fé, cidade onde se passa toda a obra, durante o final do século XIX. Mais especificamente durante a Revolução Federalista. Mas o que foi este momento histórico do Rio Grande do Sul?
A Revolução Federalista foi um dos episódios mais sangrentos da história rio-grandense. A disputa foi marcada pelo embate entre federalistas e republicanos, com o uso da violência por ambas as partes. O destaque das barbaridades cometidas fica por conta da prática da degola.
Inicialmente é preciso entender as razões do confronto. O Brasil havia se tornado uma república em 1889. Os primeiros governos, Deodoro e Floriano, assumiram uma condição centralizadora e autoritária, apesar de a Constituição de 1891 dar certa autonomia para os estados, no modelo norte-americano.
O Rio Grande do Sul, portanto, também teve a sua Constituição, que teve o dedo do chefe político da região, Julio de Castilhos. Esta tinha uma forte inspiração no positivismo do francês Augusto Comte, que pretendia avanços industriais e econômicos, mas sem grandes mudanças sociais. No Rio Grande do Sul, este projeto foi abraçado pelas classes médias e pelos grupos de imigrantes que prosperavam.
A Constituição do estado, por sua vez, previa um Poder Executivo forte, com direito a reeleição e um Poder Legislativo débil. Assim, Julio de Castilhos poderia governar com mais força e autoridade. Isso acabaria desagradando alguns setores, principalmente as velhas oligarquias dos coronéis estancieiros ligados à antiga Coroa. Grosso modo, se formaram dois grupos:
Gaspar Silveira Martins |
· Os federalistas ou maragatos – Os revoltosos, favoráveis à monarquia e ao parlamentarismo. Eram contrários ao texto constitucional rio-grandense, pois limitava o poder destes “coronéis”, ou estancieiros, principalmente da região da Campanha. Além disso, as medidas econômicas do novo governo republicano eram insatisfatórias para eles. Seu principal líder foi Gaspar Silveira Martins. Usavam o lenço vermelho em volta do pescoço. Em “O sobrado” são representados pela família Amaral, que promove o cerco ao casarão.
Julio de Castilhos |
· Os republicanos ou chimangos – Os legalistas, defensores do regime republicano, tendo o apoio do presidente do Brasil, Floriano Peixoto. Tinham o apoio das elites rurais do litoral e da serra do estado e das classes médias urbanas. Seus principais líderes eram Julio de Castilhos e seu sucessor, Borges de Medeiros. Tinham um uniforme azul e quepe vermelho, que lhes valeu o apelido de “pica-paus”. Adotaram o lenço branco em volta do pescoço. Na obra de Erico Verissimo são representados pela família Terra Cambará, sitiada no sobrado.
A revolta começou em 1893, pouco depois de Julio de Castilhos ter vencido as eleições daquele ano. Terminou em 1895, com a promessa de que o texto constitucional do Rio Grande do Sul seria revisto pelos governistas, o que não ocorreu. No plano militar, a guerra foi vencida pelos republicanos, que por serem as tropas do governo, dispunham de mais recursos, como, por exemplo, o uso da Brigada Militar.
O sucessor de Floriano Peixoto na presidência do país foi Prudente de Morais, que deu início à chamada “República do café-com-leite”, marcada pelo domínio das elites paulistas, mineiras e gaúchas.
Os estados ganharam ainda mais autonomia a partir desse momento. Mesmo assim, predominava no Rio Grande do Sul o governo dos republicanos, comandados por Borges de Medeiros, que se reelegeu inúmeras vezes. A continuidade dos problemas e da rivalidade entre federalistas e republicanos foi eclodir em outra revolta no ano de 1923. A questão só foi se acalmar em 1928, com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo rio-grandense.
A Revolução Federativa durou “apenas” dois anos, tempo suficiente para derramar muito sangue na província. Ela não foi marcada por atos de heroísmo, mas pela violência e pela barbárie, assim como qualquer outra guerra.
Bibliografia:
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
GRIJÓ, Luiz Alberto “Entre a barbárie e civilização: os conflitos armados no período republicano”. In:NEUMANN, Eduardo Santos. GRIJÓ, Luiz Alberto. O Continente em armas: uma história de Guerras no sul do Brasil. Rio de Janeiro, Editora Apicuri, 2010.
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. “1893: A revolução além fronteira”.in: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. AXT. Gunter. República – República Velha(1889-1930) Coleção História Geral do Rio Grande do Sul . Passo Fundo, Méritos, 2007, v.3, t.1.
VERISSIMO, Erico. O tempo e o vento – O continente 1 e 2. São Paulo, Editora Globo, 1995.
Olá Rafael, boa tarde.
ResponderExcluirLendo o texto acima sobre Maragatos e Chimangos e tendo como referência a obra O tempo e o vento, fiquei com algumas dúvidas.
Deixando de lado a questão de mitologia do Gaúcho, sabemos que a Revolução Farroupilha foi um movimento basicamente realizado pelas oligarquias estancieiros e comerciantes charqueadores, ou seja, elite rural do RS da época.
Em se tratando de Revolução de 1893 temos os maragatos representando "as velhas oligarquias dos coronéis estancieiros ligados à antiga Coroa".
Frente a isso podemos pensar que os ideias Farroupilhas estão mais presente no ideário Maragato ?
Abraços.
Márcio.
Pelo que entendi os gaúchos raiz eram chimango
ResponderExcluirNa revolução federalista, os legalistas não eram chamados chimangos, mas sim de pica-paus. Os chimangos são da revolução de 1923.
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