sexta-feira, 10 de junho de 2011

João Gilberto e os 80 anos de um mito



É impossível não falar de João Gilberto hoje. Com certeza, é um dos maiores músicos brasileiros vivos e o maior intérprete da música nacional de todos os tempos. Nascido em 10 de junho de 1931, na cidade de Juazeiro, na Bahia, ganhou seu primeiro violão aos catorze anos. Aprendeu a tocar praticamente sozinho escutando sambas dos anos trinta e quarenta nas caixas de som que ficavam penduradas em árvores na sua cidade natal. Após viver em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre (por aqui, morou no Hotel Magestic, atual Casa de Cultura Mario Quintana), desenvolveu uma batida de violão peculiar, característica, associada com a Bossa Nova.

Surgida na segunda metade dos anos cinquenta do século XX, desenvolvida por jovens músicos de uma elite social carioca, a Bossa Nova propunha fazer uma oposição ao “samba-canção”, em moda no Brasil no momento. Ao invés de um cantor que precisava empostar sua voz para cantar, a Bossa Nova podia ser cantada mais suavemente. Ao invés de letras que falavam sobre dor-de-cotevelo (ou dor-de-corno, se preferirem), a Bossa Nova trazia composições que falavam sobre um amor que podia dar certo.

Quando, em 1958, João Gilberto gravou “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Morais, talvez os maiores letristas do país, a música brasileira iria mudar para sempre. Parecia uma combinação perfeita entre letra, música e interpretação. Em geral, as letras da Bossa Nova não eram canções de protesto, nem refletiam a realidade social de uma época; seus compositores em geral eram abastados economicamente. Vinicius de Morais, por exemplo, era um diplomata. Mesmo assim, não significa que tenhamos que dispensá-las ou que não podemos trabalhar com elas em História. Tanto a letra quanto o trabalho de João Gilberto musical foram importantes.

Vamos ver em que época surgiu a Bossa Nova. A partir de 1956 o Brasil teve como seu presidente Juscelino Kubitschek, o JK. Seu governo ficou na memória coletiva da nação como um período de otimismo, ligado a grandes realizações, como por exemplo, a construção de Brasília. Seu slogan de “cinquenta anos em cinco” pareceram ter tido boa repercussão perante a população.

Tendo em vista, o que entendia como progresso do país, JK propôs o “Plano de Metas”, um programa nacional de desenvolvimento. Desse modo, investia no setor da infra-estrutura, incentivava a industrialização, privilegiava os setores ligados a energia, transporte, alimentação e educação. O governo ainda abriu o país para os investimentos estrangeiros, como a indústria automobilística, o que sem dúvidas movimentou a economia, aumentou o número de empregos e fez crescer o PIB.

Claro que nem tudo foi uma maravilha no governo de JK. Os gastos com a infra-estrutura e a construção de Brasília oneraram muito os cofres públicos. O Brasil aumentou sua dívida externa, a inflação cresceu, o que causou o arrocho salarial. O entusiasmo com o governo de Juscelino não parece ter atingido as massas, já que o candidato apoiado por seu partido, PSD, Marechal Lott, foi derrotado nas eleições de 1960 por Jânio Quadros, apoiado pela UDN, oposição a JK. Temos também de lembrar que a escolha do modelo automobilístico de transporte em detrimento do ferroviário gera consequências negativas até hoje no país.

De qualquer modo, os jovens da classe média alta do Rio de Janeiro pareciam estar empolgados com o crescimento do país. E as letras da Bossa Nova refletiam isso. As músicas eram geralmente “pra cima”, era sobre o amor que dava certo, num país que parecia estar dando certo. A batida suave e aparentemente despreocupada do violão de João Gilberto vem corroborar essa ideia.

Mas João Gilberto foi muito além da Bossa Nova. Gravou em português, inglês, italiano, espanhol, francês. Gravou em 1964 um disco memorável com Stan Getz, saxofonista de jazz norte-americano, Getz/Gilberto, considerado pela revista Rolling Stone um dos 500 melhores álbuns da história. Mais do que isso: não só regravou como fez as suas versões para aqueles antigos sambas dos anos trinta e quarenta que escutava em Juazeiro. Colocou a sua batida de Bossa Nova em músicas feitas por artistas dos morros cariocas.

Os anos 30 e 40 foram marcados pelo governo Vargas, que criou leis trabalhistas e pelo controle do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que buscava louvar o mundo do trabalho e expor um nacionalismo ufanista, como é o caso de “Aquarela do Brasil”. Mesmo assim, os compositores populares da época driblavam a censura e criavam letras que, ao invés de elogiar os trabalhadores, elogiavam a figura do malandro, as festas e as relações amorosas.

Tanto os compositores da Bossa Nova, como os dos sambas dos anos 30 e 40, registraram o cotidiano de uma época no Brasil. No primeiro caso, era um reflexo do otimismo registrado nos anos JK. A forma positiva de como uma classe alta e média enxergava as relações humanas e o seu mundo. No segundo caso, reflete a vida de homens de uma classe desfavorecida, que sabiam se representar artisticamente, na forma de música. A música de João Gilberto, além de representar com exatidão a proposta da Bossa Nova, ainda resgatava os antigos sambas que pareciam esquecidos, mostrando para a nova geração que no passado também se fazia boa música.

Qualquer música interpretada por ele é altamente recomendável e possível de ser trabalhada em aula. Como um acorde dele vale mais que qualquer texto sobre ele, deixo três músicas para vocês conferirem:

Chega de Saudade – Tom Jobim e Vinícius de Morais – composta em 1958




Aquarela do Brasil – Ary Barroso – composta em 1939



Feitiço da Vila – Noel Rosa – composta em 1934




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