domingo, 30 de março de 2014

O golpe


O Comício da Central do Brasil, tema do post anterior, teve grandes repercussões no país. Claro que os grupos dominantes rejeitaram as propostas de Jango. Parece que, entre todos os direitos conseguidos pela população após a Revolução Francesa, o que é mais prezado pela elite é o da propriedade privada. Assim, quando Goulart propôs a reforma agrária, a nossa elite decididiu pela golpe.
Durante o governo de Jango, o golpe já estava sendo orquestrado, principalmente por duas instituições extremamente antidemocráticas: o IPES (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática - por mais estranha que esta palavra possa parecer).
Os generais ficaram vinte anos no poder
Outra parcela que deu efetivo apoio foi a classe empresarial, principalmente a mídia. A “Folha de São Paulo” de 16 de março de 1964 condenava a reforma agrária sem indenizações. O mesmo jornal em 20 de março dizia “Ontem, São Paulo parou. E foi à praça pública - porque 'a praça é do povo' - numa mobilização que envolveu meio milhão de homens, mulheres e jovens, tambem de outros Estados: a 'Marcha da Família com Deus pela Liberdade'”. Que grande maldade com Castro Alves...
A capa do jornal "Folha de São Paulo"
um dia após a "Marcha com a família"
As “Marchas da Familia com Deus, pela Liberdade”, que recentemente foram reeditadas, com a adesão de meia dúzia de filhas de generais que recebem polpudas pensões, merece um destaque – negativo, diga-se de passagem. Com o patrocínio do IPES e do IBAD, as marchas ocorreram, na data de 19 de março, em várias cidades brasileiras. Foram organizadas por entidades de mulheres católicas e repudiavam o “comunismo”, seja lá o que isso significasse para elas. Como reuniram milhares de pessoas, ajudaram muito a desestabilizar o governo de João Goulart.
O medo do comunismo era muito forte. Ou ainda, o incentivo ao medo. Na marcha do dia 19 em São Paulo o senador padre Calazans disse em discurso: "Hoje é o dia de São José, padroeiro da familia, o nosso padroeiro. Fidel Castro é o padroeiro de Brizola. É o padroeiro de Jango. É o padroeiro dos comunistas.”. Assim como no post anterior, lembro que estávamos em plena Guerra Fria. Cuba, a URSS e o comunismo eram inimigos a serem combatidos. “Ah – dirão alguns – mas e se viesse o comunismo?”. Primeiro: não existe “se” em história. Segundo: as mudanças propostas por João Goulart não apontavam para o comunismo, mas para alterações sociais, muitas delas baseadas das ideias do membros, ou ex-membros, do PTB como Fernando Ferrari e Leonel Brizola. O verdadeiro medo era das reformas de base que, que entre outras medidas, limitariam os lucros das empresas multinacionais, o que evidentemente não lhes seria interessante, promoveriam a reforma agrária e mudariam os padrões de ensino. Isso soa familiar de alguma maneira. Curioso que ainda hoje discutimos os problemas dos sem-terra e educação.
O motivo alegado para os militares como o estopim começou em 25 de março. Ocorreu uma reunião dos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, apoiando as reformas e exigindo melhores condições. O ministro da Marinha considerou uma insubordinação e mandou que todos fossem presos. Mas Goulart anistiou-os no dia seguinte. Em 31 de março, foi convidado de honra e compareceu a uma festa na Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, o que foi considerado ofensivo. Em resposta, o general Olympio Mourão partiu de Minas Gerais com suas tropas em direção ao Rio de Janeiro para o golpe, apoiado por governadores dos principais estados brasileiros.
O golpe não foi apenas militar, mas também civil. Se não fosse o apoio de parte da sociedade civil, não teria ocorrido. Apenas o governador de Pernambuco, Miguel Arraes do PSB ficou ao lado de Jango. E apenas um grande jornal apoiava o governo de Goulart, a “Última Hora”, de Samuel Wainer. Por isso é que é possível chamar o golpe de civil-militar. Políticos da oposição como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros foram grandes artuculadores do golpe.
Na charge do cartunista Santiago, a ironia com os militares
e com a expressão "revolução" para se referir ao golpe.
Revolução significa mudança e os militares e civis que
os apoiaram tomaram o poder justamente para impedir
que as mudanças ocorressem,
Mas quando chegaram ao poder, os militares não quiseram mais largar o osso. Por vinte anos, os presidentes foram generais, ditadores e eleitos indiretamente. Direitos públicos e particulares foram jogados no lixo. A oposição foi perseguida e calada. E quem ainda defende o golpe ou a ditadura militar, que dê uma lida no livro “Brasil: Nunca Mais”. Aos que dirão que este texto emitiu muito a opinião do autor, respondo que sim, emitiu. Mas em alguns momentos, temos que nos posicionar. Não é possível ignorar os crimes da ditadura e toda a ilegalidade existente no processo do golpe.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Comício da Central de Brasil


Capa do jornal Última Hora,
um dos únicos que apoiava Jango,
no dia seguinte ao comício
Em 13 de março de 1964, o então presidente do Brasil, João Goulart, discursava no famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Essa data acabou constituindo um marco tanto na história dos direitos das camadas populares brasileiras como na dos golpes e da ausência de democracia. Pretendo a partir daqui contar o golpe militar, que, em 2014, completa 50 anos.
Desde o início de seu governo, três anos antes, Jango enfrentou forte oposição. Para começar, em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, o então vice quase foi impedido de assumir a presidência. Sua posse só foi garantida graças à cadeia da Legalidade, levada a cabo por Leonel Brizola desde o Rio Grande do Sul e a um acordo o Brasil adotaria o parlamentarismo, diminuindo o poder presidencial. Isso só seria desfeito em 1963, graças a um plebiscito.
Como sabemos, o Brasil sempre foi um país muito marcado por profundas desigualdades sociais. Goulart herdou uma nação com uma série de problemas econômicos, devidos à política que Juscelino Kubitcheck – JK – implantou, que enfatizava a produção nacional, mas ligada ao capital estrangeiro. JK era membro do PSD, que possuía setores conservadores em suas fileiras. Jango era ligado ao PTB, que se aproximava cada vez mais dos setores populares.
Aqui cabe um aparte: apesar do termo populismo atualmente ser pejorativo, ele não necessariamente deve ser visto assim. Na verdade, os governos populistas atenderam a demandas e a necessidades das classes trabalhadoras, representando uma aliança de interesses, que culmina na emergência destas no cenário político nacional. Também devemos compreender como um fato situado em seu tempo: entre os anos 40 e 60 na América Latina. Assim, é possível considerar Jango um populista. Claro que os governos que dão atenção a classes populares são comumente classificados assim. Mas acredito que isso não é depreciativo. Afinal, o que é mais importante do que governar para a maioria?
E como se daria a participação das classes populares na política brasileira? Para Goulart, a resposta seria as Reformas de Base. Seriam medidas que modificariam as estruturas econômicas e sociais brasileiras. Reformas bancária, fiscal, urbana, tributária, eleitoral e agrária, algumas delas ainda necessárias no Brasil de hoje.
Contudo, as tentativas de mudanças só foram possíveis após 1963, quando do retorno do presidencialismo. Logo após o plebiscito, Jango propôs o Plano Trienal, que buscava combater a inflação. Mas tanto os setores de direita como os de esquerda rejeitaram a ideia. Era chegada a hora de Jango escolher entre estes dois lados, que estavam cada vez mais atuantes. E as Reformas de Base marcaram a opção de Jango, afirmando os compromissos com as esquerdas e com a população.
Além de atender às necessidades das população mais necessitada, as Reformas de Base visavam a um nacionalismo econômico, o que desagradava os setores empresários brasileiros e estrangeiros. Devemos recordar que em 63 e 64 vivíamos o auge da Guerra Fria. Toda a proposta mais à esquerda era vista como “comunismo” e aproximação da União Soviética.
Quando João Goulart subiu no palco do comício na Estação Pedro II, a Central do Brasil, ele dava um passo sem volta. Escolhia o caminho das esquerdas, das mudanças agora. O lugar não foi escolhido em vão. É pela Central do Brasil que passa boa parte da população do Rio Janeiro, afinal, é a mais importante estação ferroviária da cidade e parada dos trabalhadores que moram nas periferias, mas trabalham nas regiões centrais. O comício foi para os trabalhadores que vivem com um salário mínimo, que sempre foram prejudicados pelos governos até então.
No seu discurso, Jango clamou pela justiça social, única maneira de se encontrar a paz social. Afirmou estar do lado dos operários, camponeses e aqueles que apoiassem as reformas. Assinou ali mesmo a encampação de refinarias de petróleo, divulgou o decreto que criava a Supra (Superintendência da Reforma Agrária), que inclusive desapropriava algumas terras e prometia encaminhar ao Congresso as propostas para realizar as reformas, modificando a Constituição.
Vários grupos políticos lotavam a Central do Brasil e apoivam Jango: a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas, a União Nacional dos Estudantes (UNE), apoiadores da legalidade para o Partido Comunista do Brasil (PCB), apoiadores da candidatura de Leonel Brizola para a presidência no próximo ano.
Naquela sexta-feira 13, parecia que o Brasil seria diferente. Parecia que desigualdade social no país
Goulart discursa na Central do Brasil
estava prestes a diminuir. Para a maioria dos brasileiros, a sexta-feira 13 de março de 1964 não foi de terror, mas de esperança de um futuro melhor - ou mais justo, ao menos.
Acredito na hipótese de que o Comício foi o ápice do populismo no Brasil (sem nenhum caráter pejorativo ao termo). Desde a Era Vargas, desde a criação de CLT – as leis trabalhistas – que as mudanças no Brasil para os trabalhadores não eram tão significativas. A opção de Jango foi um crescente de apoio para os mais necessitados por parte dos governantes, que em contrapartida participavam como nunca do cenário político nacional.
Acredito que se as Reformas de Base vingassem, o Brasil seria outro hoje em dia. Mas não sou futurólogo, nem adivinho. Infelizmente, Jango e as reformas foram barrados pelo golpe. Por enquanto, estamos à espera de algumas mudanças profundas, que são necessárias, mas ainda não vieram.