segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Venezuela em seu labirinto: a conturbada Emancipação Nacional



Recentemente ocorreram eleições na Venezuela, com a vitória do candidato da situação, Nicolás Maduro. Este país parece ser a “bola da vez” nas Relações Internacionais da América do Sul, devido à ação do seu ex-presidente, Hugo Chavéz, morto no início de 2013. Adotou como política nacional o que chamou de “Revolução Bolivarista”, ou “Bolivariana”, com evidente alusão à figura de Simon Bolívar. Mas quem foi este indivíduo tão conhecido e tão falado e qual o seu papel na História venezuelana?
Mapa com a Capitânia-Geral
da Venezuela em amarelo
Posso começar a História dessa nação no ano de 1777, quando o rei espanhol Carlos III criou a Capitânia-Geral da Venezuela, centralizada em Caracas. O objetivo era um melhor controle sobre a região que estava ligada ao vice-reinado de Granada, do qual faziam parte, além da já citada Venezuela os atuais Colômbia, Equador, Panamá e regiões do Peru, Brasil e Guiana. Esta medida deve ser entendida como parte das reformas Bourbônicas, que visavam modernizar a administração da coroa hispânica.
A sociedade local, como em tantas outras regiões, dividia-se entre uma elite de mantuanos, os criollos locais (descendentes de espanhóis, nascidos na América) e de chapetones (vindos diretamente da Espanha). Esta elite podia ser tanto de grandes comerciantes do litoral, como de proprietários de latifúndios, que funcionavam no sistema de plantation, produzindo principalmente cacau. Outra parte dessa aristocracia era ligada aos llanos, território semelhante aos pampas, onde se criava gado e onde os senhores de terra tinham papel semelhante ao dos caudilhos. Abaixo, uma grande parcela composta de “pardos”, mestiços pobres e escravos libertos, geralmente trabalhando como peões nos llanos, os llaneros. Por fim, havia os escravos, vindos da África, como ocorreu em toda América.
E o primeiro ensaio para uma emancipação foi dado por escravos em Coro, um dos principais portos da região em 1795. Influenciados pela independência do Haiti, feita por
O líder rebelde Chirino
escravos, um grupo desses trabalhadores da Venezuela rebelaram-se liderados por José Leonardo Chirino, filho de um negro e uma índia e advogado em Coro, e José Caridad Gonzalez, negro fugido da escravidão em Curaçao, que tinham contato com as ideias iluministas.
Dessa maneira, nota-se que a oposição colonial já vinha desenhando-se desde o fim do século XVIII. Quando Napoleão invadiu a Espanha em 1808, tirou o rei Fernando VII do cargo e impôs seu irmão, José Bonaparte no trono espanhol. Contudo, houve uma resistência a essa invasão, sendo uma de suas mais visíveis ações a formação de uma Junta Suprema por parte dos espanhóis. Por meio dela pretendiam manter o controle sobre as colônias. Essa situação levou a uma série de divisões na América sobre quem apoiar: a Junta, ou Napoleão.
Nesse ínterim, ocorreu uma série de levantes pela independência dos países latino-americanos entre 1810 e 1815. Vários cabildos locais declararam emancipação da Espanha. Até então a função do cabildo era meramente administrativa para o controle das cidades. Mas coube ao de Caracas controlar a região da Capitânia-Geral de Venezuela, substituindo as autoridades espanholas em abril de 1810.
Dentro do cabildo de Caracas foi criada a “Sociedade Patriótica de Caracas”, composta de aristocratas criollos, que não acreditava na capacidade espanhola para retomar o controle da região. Por isso, em 5 de julho de 1811, foi declarada a independência venezuelana, criando a República da Venezuela. O novo país precisava de novas leis e dessa maneira, a Sociedade Patriótica, junto ao cabildo de Caracas convocou eleições para que parlamentares trabalhassem na elaboração de uma Constituição para a recém-criada República da Venezuela. O sufrágio para essas eleições teve um caráter censitário, ou seja, era preciso uma renda mínima para votar. Dessa maneira, a elite local manteria o controle, excluindo os pobres, pardos, mestiços e escravos do processo político.
A Constituição para a República da Venezuela, posta em prática em dezembro de 1811, tinha certas peculiaridades: como acabar com o comércio de escravos, mas manter a escravidão. Promulgar a igualdade perante a lei, mas manter o voto censitário. Logo, não havia nenhuma mudança social. As estruturas coloniais eram mantidas para que a elite de mantuanos se mantivesse no poder.
Francisco Miranda
Entre os cabildantes de Caracas e membros da Sociedade Patriótica que elaboraram essa Constituição estavam dois mantuanos que tiveram contato com obras de iluministas como Voltaire, John Locke, e Montesquieu: Francisco Miranda e Simon Bolívar. O último era filho de uma rica família local, plantadora de cacau. Ainda que tivesse participado da elaboração da Constituição, discordava de um ponto: ela era federalista, ou seja, dava autonomia para as provinciais locais, à moda da Carta Constitucional dos EUA. Apesar de simpatizar com esta nação, Bolívar acreditava que a Venezuela deveria ser controlada a partir de um governo forte e centralizador.
A nova República da Venezuela não contava com o apoio de todos habitantes da região. Ainda havia lugares ligados à Espanha como as cidades portuárias de Coro e Maracaibo. No interior, nos llanos, tantos os proprietários de terras, como seus peões, llaneros, se opunham às determinações da Constituição. No litoral, explodiram diversas revoltas escravas, descontentes com a manutenção dessa forma de trabalho.
Assim, duas frentes tentaram destituir o poder da Sociedade Patriótica, agora chamada de Junta Patriótica e do novo parlamento de Caracas. A primeira vinha da antiga metrópole
Simon Bolívar: o líder e herói da
independência venezuelana teve diversas
faces e momentos diferenciados em sua
vida. Em cada uma, agiu de acordo com o
que as circunstâncias lhe ofereciam. Isso
lhe conferiu uma trajetória complexa.
espanhola: em março de 1812 tropas hispânicas desembarcaram em Coro. Ao mesmo tempo, os llaneros formavam uma segunda frente contra a nova república, tendo um dos seus principais líderes José Tomás Boves, proprietário de terras local, comerciante e contrabandista, além de monarquista.
Como se não bastasse, um terremoto atingiu Caracas em 26 de março de 1812, mas não fez maiores estragos nos redutos monarquistas e que apoiavam os espanhóis. De pronto, membros da Igreja e religiosos que faziam oposição ao novo regime afirmaram que foi obra de Deus, contrária a oposição.
Perante essa situação complicada, Miranda assumiu o controle da República da Venezuela em 23 de março de 1812, com poderes ditatoriais. Entretanto, essa situação não durou muito tempo. As tropas espanholas, comandadas por Domingo de Monteverde, que haviam desembaraçado em Coro, chegaram a Caracas na data de 25 de julho de 1812. Miranda capitulou e tentou fugir, mas foi preso por Bolívar. Era o fim da Primeira República.
Simon Bolívar viu-se obrigado a fugir da Venezuela e foi para Nova Granada, que estava nas mãos de criollos rebeldes, o que a separava dos espanhóis. Ali, além de contar com o apoio das lideranças, principalmente de Bogotá, que centralizava Nova Granada, organizou um pequeno exército, mas bem treinado e bem equipado. Assim, numa campanha militar, o agora general Bolívar rumou à Venezuela, conquistando entre março e agosto de 1813 as cidades de Mérida, Trujillo, Valência e por fim, Caracas, conquistando o controle do país.
Com a retomada do poder de Bolívar sobre a Venezuela, iniciava-se a Segunda República. Bolívar institui um governo ao seu gosto: com um poder forte e centralizado, buscando retirar da Venezuela os resquícios da autoridade dos espanhóis. Mesmo assim, continuava excluindo os grupos subalternos, reprimindo com violência as revoltas de negros e mestiços.
José Tomás Boves
Essa situação gerou forte descontentamento entre os pardos, sobretudo os llaneros. Parte desse grupo se uniu em guerrilhas, a mais importante delas comandada novamente por José Tomás Boves, que dizia estar em defesa de pardos e índios. Boves conseguiu reunir cerca de sete mil homens entre peões llaneros, pobres, negros, índios e mestiços. Foi tomando conta do centro do país, até chegar a Caracas em 16 de julho de 1814. Esse trajeto até Caracas foi feito com vários excessos de violência por parte das tropas de Boves. A mesma violência que Bolívar cometeu contra seus opositores.
Por isso, Bolívar foi obrigado a fugir da Venezuela, exilando-se em Cartagena, na Jamaica e por fim no Haiti. Parecia o fim dos esforços pela emancipação no norte da América do Sul, já que Nova Granada fragmentara-se em diversas regiões, o que deu origem ao apelido de “Pátria Boba”, ou seja: foi uma bobagem a suposta união. Enquanto isso, Fernando VII era restituído no trono espanhol e pretendia recuperar as colônias. Assim, o exército espanhol ocupou a Venezuela em 1815 e Nova Granada em 1816.
Mas esse não era o fim derradeiro das aspirações emancipatórias e da ação de Bolívar. Só que ainda não. O exílio de Bolívar forçou-o a repensar suas ideias. Ali surgiu a teoria de unificar a América Latina em uma só pátria, pela qual ficou tão famoso. Ainda se comprometeu com o governo haitiano a acabar com a escravidão.
Bolívar retornou para América do Sul pela Guiana em 1815, dessa vez contando com o apoio dos llaneros. O general percebeu a importância de ter os grupos excluídos ao seu lado, afinal, eles eram a maioria da população. Ele negociou com lideranças negras dos llaneros, como Manuel Pilar e José Antonio Paez, e reiniciou o processo de conquista da Venezuela. Pilar foi condenado à morte por Bolívar, acusado de transformar a luta pela Independência numa luta racial.
Mas Bolívar se comprometera a acabar com as fortes diferenças na sociedade venezuelana, tomando medidas como, por exemplo, distribuir as terras conquistadas entre os soldados llaneros. A partir de Orinoco deu-se a libertação da Venezuela, mas também de Nova Granada, conquistando essas regiões dos espanhóis. A Venezuela – com a queda de Caracas – foi conquistada em julho de 1821 e Nova Granada em maio de 1822, com a tomada de Quito pelas tropas pró-Bolívar.
Mapa representando a Grán Colômbia
Esse momento foi o auge da trajetória pessoal de Bolívar, mas também sua decadência. Em julho de 1822, houve a Conferência de Guayaquil, quando junto de San Martín, Bolívar tentou por em prática seu sonho de ver uma América Latina unificada, com Peru, Bolívia, Nova Granada e Venezuela (que formavam a Grán Colômbia), unidos na Confederação dos Andes, todos sob o governo do próprio Bolívar.
Mas o projeto de unificação de Bolívar não deu certo: a economia foi arrasada pelos tempos de guerra, os campos destruídos. Ao mesmo tempo, os diferentes membros da Confederação dos Andes cobravam empréstimo dados durante a luta pela independência entre si: a Grán Colômbia cobrava do Peru, que cobrava da Bolívia. Ainda havia uma série de revoltas internas de criollos descontentes com os rumos que Bolívar dava para a América. Doente de tuberculose, renunciou a presidência da Grán Colômbia em 4 de maio de 1830, vindo a falecer em 17 de dezembro do mesmo ano em Santa Marta.
Capa de uma das edições brasileiras
de "O General em seu Labirinto".
O livro de Gabriel García Márquez narra
os últimos dias de Bolívar
Esses últimos momentos da vida de Bolívar estão registrados num dos melhores livros de Gabriel García Marquez: “O General em seu Labirinto”. A obra mostra Bolívar doente, sendo obrigado a fugir da Grán Colômbia e impedido de entrar na sua terra natal, a Venezuela. Tanto a elite como a população o hostilizavam e ele estava praticamente sozinho, com exceção de alguns oficiais que lhe permaneciam fiéis. No entanto, sua doença o faz delirar, rememorando o passado glorioso de lutas e conquistas. Ao final do livro, percebemos que Simon Bolívar morreu cedo, com apenas 47 anos, mas deixou um importante legado. A obra de Gabriel García Marquez é interessante, pois acaba transformando um mito em humano.
Sobre o uso dado por Hugo Chavéz no século XXI para a sua política de governo na Venezuela de bolivarismo, acredito ser mera retórica. É importante entender a construção da figura de Simon Bolívar em um herói para a Venezuela – tal qual George Washington é para os EUA e Artigas é para o Uruguai – e perceber a força simbólica disso.
Talvez exista semelhança entre Bolívar e Chavéz no que diz respeito à trajetória política, pois as suas decisões e estratégias tomadas foram frutos das diferentes situações. Se Chavez tomou um rumo mais à esquerda, aliando-se à Cuba, contra as elites locais e contra os EUA, é porque estas tentaram derrubá-lo do poder. Se Bolívar optou por buscar alianças com os grupos desprivilegiados, é porque somente o apoio dos mantuanos não lhe garantiu o poder na Primeira nem na Segunda República.
Chavez foi o segundo governante mais importante da Venezuela, atrás é claro de Bolívar. A polêmica em torno de seu nome desperta amores e ódios, o que compromete uma análise mais apurada, ainda que seja importante um posicionamento por parte do historiador. O problema é justamente esse: ou ele é deus, ou demônio. O fato é que se elegeu democraticamente quatro vezes, o que demonstra grande aceitação popular. Além disso, a pobreza extrema diminuiu muito no país e o PIB cresceu. Ainda assim, a violência aumentou, e faltam produtos básicos, como muitos alimentos para os venezuelanos.
Acredito que a Venezuela permanece no mesmo labirinto: um país subdesenvolvido com graves problemas sociais para resolver. Tal qual era há mais de 200 anos, quando Simon Bolívar fazia parte do cabildo de Caracas e decidiram a separação da Espanha.

Bibliografia
GUAZZELI. Cesar Augusto Barcellos. “A crise do sistema colonial e o processo de independência”. In: WASSERMAN. Cláudia et. all.. A História da América Latina: Cinco séculos. Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000.
 BUSHNELL, David. “A independência da América do sul espanhola”. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. Da independência até 1870. São Paulo: EDUSP, 2001. (V. 3).
MARQUEZ, Gabriel García. O General em seu Labirinto. Rio de Janeiro, editora Record, 1989.

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