quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Jogos Olímpicos: entre o esporte e a política


Os anéis olímpicos simbolizam a
união entre os povos. Na fala
é muito bonito, mas...
Os Jogos Olímpicos costumam ser vistos como momentos de celebração da paz entre os povos. Mas essa é uma visão um pouco ingênua. Ainda assim, conflitos existem antes, durante e depois dos jogos. Não que eu deteste esse momento, pelo contrário. Gosto muito de assistir ao máximo de competições pela televisão. Entendo tudo o que acontece com a venda dos direitos de transmissão, com os patrocínios, quem leva essa ou aquela grana. Mesmo assim, gosto. Por isso mesmo que o post de hoje fala sobre as Olimpíadas.
            Os Jogos Olímpicos da era moderna começaram em 1896, na cidade de Atenas, a partir da iniciativa de um francês, o barão de Coubertin. De início, alguns problemas: nas primeiras edições nem mulheres, nem negros podiam competir. Como “congregar todos povos e nações” com essa postura? Mas não vamos nos esquecer como a própria sociedade do fim do século XIX era machista e racista, por exemplo, não permitindo o direito ao voto feminino e subjugando populações africanas no período conhecido como imperialismo.
            Ainda que idealizados por um francês e realizados pela primeira vez na Grécia, os Jogos Olímpicos tiveram sua origem no sistema inglês de educação. Foram baseados no amadorismo, e por muitas edições os competidores não podiam ser profissionais dos esportes. Muitos esportes como o tênis e o rugby eram característicos de uma classe média burguesa. Muitas competições físicas eram vistas como “passatempo” para esta burguesia inglesa, por isso, foi desenvolvido em muitas escolas e universidades, como ainda hoje ocorre. Foi fundamentado nessas ideias que o Barão de Coubertin criou as Olimpíadas. Afinal, quem mais poderia competir como amador senão a burguesia e a nobreza? O “proletariado” com baixos salários é que não.
            Claro que com o tempo, as coisas foram mudando. Hoje as Olimpíadas e os esportes como futebol, basquete, atletismo movimentam quantias inimagináveis de dinheiro. Hoje muitos atletas são pagos e alguns são muito bem pagos.
            Houve alguns momentos chaves na história das Olimpíadas em que esportes e política acabaram misturando-se para o mal e para o bem. Destaco quatro, que vão acabar se desdobrando em cinco:

Pôster das Olimpíadas
de 1936 em Berlim.
A propaganda nazista
do ideal de um raça
ariana superior foi uma
marcas do evento.
Berlim, 1936 – A decisão de sediar Berlim como sede dos XI Jogos Olímpicos da era moderno deu-se em 1931. Na época a Alemanha vivia a República de Weimar, um período democrático e pretendia mostrar ao mundo como havia superado a derrota na Primeira Guerra Mundial. Contudo, em 1934, Adolf Hitler ascendeu ao poder através do Partido Nazista. Assim, a proposta alemã para a competição mudou.
            Os esportes já faziam parte do programa nazista para as massas, lembrando que contar com o apoio das massas populares é uma característica dos regimes totalitários que emergiram na Europa durante o período entre-guerras, no qual o nazismo se enquadra. A propaganda nazista para as Olimpíadas pretendia mostrar não só como a Alemanha havia crescido durante o governo de Hitler, mas também a crença na que era conhecido como a superioridade da raça ariana.
Jesse Owens, o competidor
negro que venceu as principais
provas de atletismo em Berlim
            Ironicamente o grande destaque dessa edição dos Jogos Olímpicos foi o negro norte-americano Jesse Owens. Ele ganhou medalhas de outro nas mais importantes competições de atletismo 100m, 200m, revezamento 4x100 e salto em distância. Hitler se negou a entregar a medalha de ouro para um negro, pela sua ideologia racista. De alguma maneira, Jesse Owens conseguiu quebrar o mito da superioridade ariana, pelo menos durante alguns instantes naquele ano de 1936. Porém não podemos esquecer que os EUA da época também era profundamente racista e esse preconceito permaneceu por muitos anos ainda na sociedade americana, fato que será melhor abordado mais adiante.
            Chamo atenção para o filme Olympia, documentário de Leni Riefenstahl. Ela era a principal cineasta do Partido Nacional-Socialista, a favorita de Hitler. Ainda que propagandista do regime nazista, o filme é esteticamente muito bom, sendo um marco sobre o registro cinematográfico acerca de esportes.

Martin Luther King, um dos principais
ativistas pelos direitos dos negros
nos EUA

            Cidade do México, 1968 – É comum dizer que os anos 60 foram agitados, com profundas alterações de comportamento na História do século XX. Uma das principais mudanças foi na questão da luta pelos direitos humanos, na qual se insere a luta pela igualdade entre negros e brancos nos EUA. Como foi afirmado acima, os americanos, principalmente no sul, foram (e muitos ainda são) profundamente racistas. Em estados como a Geórgia era proibido que sentassem nos mesmos bancos de ônibus, por exemplo.
            Mesmo a abolição da escravidão não foi suficiente para garantir os direitos e a cidadania dos descendentes de africanos nos EUA. Assim, no início da década de 60 surgem movimentos que mobilizam as pessoas em passeatas e protestos contra o racismo e pela igualdade de direitos. É nesse contexto que surgem os Panteras Negras, baseados nas propostas de Malcolm X e de seu movimento Black Power.
            Diferentemente de Martin Luther King, Malcolm X acreditava que a violência podia ser um meio de solucionar o problema do racismo, ou seja, era preciso reagir, dar o troco na mesmo moeda. Os Partido dos Panteras Negras, por exemplo, foi criado na Califórnia em 1966 para contribuir com a elevação social, econômica e política dos negros.
Tommie Smith e
John Carlos com o punho
erguido: protesto contra a
segregação racial.
            O ano de 1968 foi em si, muito polêmico. Em abril, o ativista Martin Luther King foi assassinado. Em maio, o movimento estudantil, aliado aos operários sacudiram a França. As Olimpíadas em 1968 na Cidade do México, ocorridas em outubro os atletas negros norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, respectivamente primeiro e terceiro lugar nos 200m em atletismo, ergueram o punho, como um soco no ar, tal qual na saudação dos membros do movimento Black Power, durante o hino dos EUA quando estavam no pódio. Ambos foram suspensos da equipe de seu país e banidos da Vila Olímpica. Mesmo assim deram seu justo recado: o protesto contra a segregação racial. O legado do gesto de Tommie Smith e John Carlos ficou para a história dos Jogos Olímpicos e da luta dos Direitos Humanos.

            Munique, 1972 – Em 5 de setembro de 1972, terroristas do grupo Setembro Negro entraram na Vila Olímpica e mataram onze atletas israelenses. A operação policial para impedir os assassinatos foi desastrosa e sem êxito. O documentário Um dia em setembro retrata esse fato. O filme Munique de Steven Spielberg aborda a retaliação do Estado de Israel e a caçada aos que cometeram o atentado.
O terrorista encapuzado aparece na
sacada do quarto dos israelense:
uma das imagens mais conhecidas
e marcantes dos ano 70 e do
século XX.
            O grupo Setembro Negro surgiu na Jordânia após 1967. Para entendermos a situação é necessário voltar a 1947. Nesse ano, a ONU declarou a partilha da Palestina e a formação de dois Estados: um para os judeus e outro para os árabes que ali viviam. No ano seguinte, os ingleses, que ocupavam a região retiraram-se e Israel declarou sua Independência. De imediato, os países árabes que o cercavam, o atacaram no que ficou conhecido como “Guerra de Independência de Israel”.
Os israelenses vencem a guerra e expulsam árabes que viviam no seu território para a Jordânia, dando início ao problema dos refugiados. Em 1967 estoura uma nova guerra: a dos Seis Dias, novamente vencida por Israel. Desta vez, um território ao oeste da Jordânia é anexado e ocupado. Muitos árabes muçulmanos que viviam ali atravessaram a fronteira para não estarem sob controle israelense, outros permaneceram. A área, conhecida como Cisjordânia até hoje é motivo de impasse e conflito entre palestinos e israelenses.
Em setembro de 1970, o exército jordaniano expulsou milhares de refugiados que fugiram de Israel e matou outros milhares. A este massacre promovido pela Jordânia, deu-se o nome de Setembro Negro, que acabou dando o nome ao grupo terrorista que atacou em Munique. Em 1012, apesar dos pedidos e protestos dos israelenses, o COI não fez nenhuma menção ao fato da morte dos onze atletas na abertura das Olimpíadas de Londres.

            Moscou, 1980 e Los Angeles, 1984 – os Jogos Olímpicos de Moscou, capital da URSS foram boicotados por parte dos países do bloco capitalista. Ainda que a Guerra Fria tivesse arrefecido nos anos 60 e 70, ela voltou à tona e com força nos anos 80. Mesmo durante o governo Carter, marcado pela defesa dos direitos humanos, os EUA restauraram a bipolaridade, com uma certa guinada conservadora, que só aumentou no governo Reagan. Durante as Olimpíadas de 80 os americanos ainda estavam sob o governo Carter e iriam fazer de tudo para botar água no chope, ou na vodka, dos russos.
O ursinho Misha, mascote
dos Jogos Olímpicos de
Moscou chora no
encerramento: 61 países
boicotaram o evento
em represália à
invasão soviética no
Afeganistão.
            Faltava-lhes um pretexto. E ele veio com a invasão soviética sobre o Afeganistão em 1978. Há muito tempo que o país já era área de influência de Moscou, travando relações desde 1919. Na década de 70, o Afeganistão era governado pelo príncipe Daud, que buscava aproximação com os EUA e a China, mas foi derrubado em 1978 pelo Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA), ligado à União Soviética. O Afeganistão sempre foi um país muito pobre e agrário, com a política centralizada na área da capital, Cabul. Este partido pró-soviético entrou em atrito com latifundiários locais e com o clero muçulmanos por questões como a reforma agrária e os direitos das mulheres.
            O PDPA não estava conseguindo impor estas metas ao povo afegão, pois havia forte oposição, inclusive armada das partes já citadas. Foi nesse contexto que a União Soviética decidiu intervir militarmente. Derrubou o governo que a apoiava, mas que não tinha simpatia da população, contudo a guerrilha continuava e os soviéticos permaneceram ocupando a região para manter o Afeganistão sob sua esfera de influência. Os EUA intervieram indiretamente na questão: enviaram dinheiro e armamentos para guerreiros fundamentalistas islâmicos. A luta foi especialmente difícil para a URSS devido ao terreno montanhoso da região. Ao fim, o confronto teve um alto custo para os soviéticos, sendo uma espécie de Vietnã para estes.
            Os russos haviam sido alertados que caso continuassem com a ocupação os Jogos Olímpicos seriam boicotados. Como resposta os EUA e outros sessenta países não enviaram atletas para Moscou. Em represália ao boicote de Moscou, a URSS e outros países do leste europeu boicotaram os Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles, alegando falta de segurança para seus atletas. A rigor entre 1952 e 1976, soviéticos e americanos passaram para a Guerra Fria para o esporte. As disputas pelo primeiro lugar no quadro de medalhas entre os dois países eram reflexo do confronto entre os principais países dos blocos socialista e capitalista.

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