Os anéis olímpicos simbolizam a união entre os povos. Na fala é muito bonito, mas... |
Os Jogos Olímpicos costumam
ser vistos como momentos de celebração da paz entre os povos. Mas essa é uma
visão um pouco ingênua. Ainda assim, conflitos existem antes, durante e depois
dos jogos. Não que eu deteste esse momento, pelo contrário. Gosto muito de
assistir ao máximo de competições pela televisão. Entendo tudo o que acontece
com a venda dos direitos de transmissão, com os patrocínios, quem leva essa ou
aquela grana. Mesmo assim, gosto. Por isso mesmo que o post de hoje fala sobre
as Olimpíadas.
Os Jogos Olímpicos da era moderna começaram em 1896, na
cidade de Atenas, a partir da iniciativa de um francês, o barão de Coubertin.
De início, alguns problemas: nas primeiras edições nem mulheres, nem negros
podiam competir. Como “congregar todos povos e nações” com essa postura? Mas
não vamos nos esquecer como a própria sociedade do fim do século XIX era
machista e racista, por exemplo, não permitindo o direito ao voto feminino e
subjugando populações africanas no período conhecido como imperialismo.
Ainda que idealizados por um francês e realizados pela
primeira vez na Grécia, os Jogos Olímpicos tiveram sua origem no sistema inglês
de educação. Foram baseados no amadorismo, e por muitas edições os competidores
não podiam ser profissionais dos esportes. Muitos esportes como o tênis e o
rugby eram característicos de uma classe média burguesa. Muitas competições
físicas eram vistas como “passatempo” para esta burguesia inglesa, por isso,
foi desenvolvido em muitas escolas e universidades, como ainda hoje ocorre. Foi
fundamentado nessas ideias que o Barão de Coubertin criou as Olimpíadas.
Afinal, quem mais poderia competir como amador senão a burguesia e a nobreza? O
“proletariado” com baixos salários é que não.
Claro que com o tempo, as coisas foram mudando. Hoje as
Olimpíadas e os esportes como futebol, basquete, atletismo movimentam quantias
inimagináveis de dinheiro. Hoje muitos atletas são pagos e alguns são muito bem
pagos.
Houve alguns momentos chaves na história das Olimpíadas
em que esportes e política acabaram misturando-se para o mal e para o bem.
Destaco quatro, que vão acabar se desdobrando em cinco:
Pôster das Olimpíadas de 1936 em Berlim. A propaganda nazista do ideal de um raça ariana superior foi uma marcas do evento. |
Berlim,
1936
– A decisão de sediar Berlim como sede dos XI Jogos Olímpicos da era moderno
deu-se em 1931. Na época a Alemanha vivia a República de Weimar, um período
democrático e pretendia mostrar ao mundo como havia superado a derrota na
Primeira Guerra Mundial. Contudo, em 1934, Adolf Hitler ascendeu ao poder
através do Partido Nazista. Assim, a proposta alemã para a competição mudou.
Os esportes já faziam parte do programa nazista para as
massas, lembrando que contar com o apoio das massas populares é uma
característica dos regimes totalitários que emergiram na Europa durante o
período entre-guerras, no qual o nazismo se enquadra. A propaganda nazista para
as Olimpíadas pretendia mostrar não só como a Alemanha havia crescido durante o
governo de Hitler, mas também a crença na que era conhecido como a
superioridade da raça ariana.
Jesse Owens, o competidor negro que venceu as principais provas de atletismo em Berlim |
Ironicamente o grande destaque dessa edição dos Jogos
Olímpicos foi o negro norte-americano Jesse Owens. Ele ganhou medalhas de outro
nas mais importantes competições de atletismo 100m, 200m, revezamento 4x100 e
salto em distância. Hitler se negou a entregar a medalha de ouro para um negro,
pela sua ideologia racista. De alguma maneira, Jesse Owens conseguiu quebrar o
mito da superioridade ariana, pelo menos durante alguns instantes naquele ano
de 1936. Porém não podemos esquecer que os EUA da época também era
profundamente racista e esse preconceito permaneceu por muitos anos ainda na
sociedade americana, fato que será melhor abordado mais adiante.
Chamo atenção para o filme Olympia, documentário de Leni Riefenstahl. Ela era a principal
cineasta do Partido Nacional-Socialista, a favorita de Hitler. Ainda que
propagandista do regime nazista, o filme é esteticamente muito bom, sendo um
marco sobre o registro cinematográfico acerca de esportes.
Martin Luther King, um dos principais ativistas pelos direitos dos negros nos EUA |
Cidade do México,
1968 – É comum dizer que os anos 60 foram agitados, com profundas
alterações de comportamento na História do século XX. Uma das principais
mudanças foi na questão da luta pelos direitos humanos, na qual se insere a
luta pela igualdade entre negros e brancos nos EUA. Como foi afirmado acima, os
americanos, principalmente no sul, foram (e muitos ainda são) profundamente
racistas. Em estados como a Geórgia era proibido que sentassem nos mesmos
bancos de ônibus, por exemplo.
Mesmo a abolição da escravidão não foi suficiente para
garantir os direitos e a cidadania dos descendentes de africanos nos EUA.
Assim, no início da década de 60 surgem movimentos que mobilizam as pessoas em
passeatas e protestos contra o racismo e pela igualdade de direitos. É nesse
contexto que surgem os Panteras Negras, baseados nas propostas de Malcolm X e
de seu movimento Black Power.
Diferentemente de Martin Luther King, Malcolm X
acreditava que a violência podia ser um meio de solucionar o problema do
racismo, ou seja, era preciso reagir, dar o troco na mesmo moeda. Os Partido
dos Panteras Negras, por exemplo, foi criado na Califórnia em 1966 para
contribuir com a elevação social, econômica e política dos negros.
Tommie Smith e John Carlos com o punho erguido: protesto contra a segregação racial. |
O ano de 1968 foi em si, muito polêmico. Em abril, o
ativista Martin Luther King foi assassinado. Em maio, o movimento estudantil,
aliado aos operários sacudiram a França. As Olimpíadas em 1968 na Cidade do
México, ocorridas em outubro os atletas negros norte-americanos Tommie Smith e
John Carlos, respectivamente primeiro e terceiro lugar nos 200m em atletismo,
ergueram o punho, como um soco no ar, tal qual na saudação dos membros do
movimento Black Power, durante o hino dos EUA quando estavam no pódio. Ambos
foram suspensos da equipe de seu país e banidos da Vila Olímpica. Mesmo assim
deram seu justo recado: o protesto contra a segregação racial. O legado do
gesto de Tommie Smith e John Carlos ficou para a história dos Jogos Olímpicos e
da luta dos Direitos Humanos.
Munique, 1972 –
Em 5 de setembro de 1972, terroristas do grupo Setembro Negro entraram na Vila Olímpica
e mataram onze atletas israelenses. A operação policial para impedir os
assassinatos foi desastrosa e sem êxito. O documentário Um dia em setembro retrata esse fato. O filme Munique de Steven Spielberg aborda a retaliação do Estado de Israel
e a caçada aos que cometeram o atentado.
O terrorista encapuzado aparece na sacada do quarto dos israelense: uma das imagens mais conhecidas e marcantes dos ano 70 e do século XX. |
O grupo Setembro Negro surgiu na Jordânia após 1967. Para
entendermos a situação é necessário voltar a 1947. Nesse ano, a ONU declarou a
partilha da Palestina e a formação de dois Estados: um para os judeus e outro
para os árabes que ali viviam. No ano seguinte, os ingleses, que ocupavam a região
retiraram-se e Israel declarou sua Independência. De imediato, os países árabes
que o cercavam, o atacaram no que ficou conhecido como “Guerra de Independência
de Israel”.
Os israelenses
vencem a guerra e expulsam árabes que viviam no seu território para a Jordânia,
dando início ao problema dos refugiados. Em 1967 estoura uma nova guerra: a dos
Seis Dias, novamente vencida por Israel. Desta vez, um território ao oeste da
Jordânia é anexado e ocupado. Muitos árabes muçulmanos que viviam ali
atravessaram a fronteira para não estarem sob controle israelense, outros
permaneceram. A área, conhecida como Cisjordânia até hoje é motivo de impasse e
conflito entre palestinos e israelenses.
Em setembro
de 1970, o exército jordaniano expulsou milhares de refugiados que fugiram de
Israel e matou outros milhares. A este massacre promovido pela Jordânia, deu-se
o nome de Setembro Negro, que acabou dando o nome ao grupo terrorista que
atacou em Munique. Em 1012, apesar dos pedidos e protestos dos israelenses, o
COI não fez nenhuma menção ao fato da morte dos onze atletas na abertura das
Olimpíadas de Londres.
Moscou, 1980 e Los
Angeles, 1984 – os Jogos Olímpicos de Moscou, capital da URSS foram
boicotados por parte dos países do bloco capitalista. Ainda que a Guerra Fria
tivesse arrefecido nos anos 60 e 70, ela voltou à tona e com força nos anos 80.
Mesmo durante o governo Carter, marcado pela defesa dos direitos humanos, os
EUA restauraram a bipolaridade, com uma certa guinada conservadora, que só
aumentou no governo Reagan. Durante as Olimpíadas de 80 os americanos ainda
estavam sob o governo Carter e iriam fazer de tudo para botar água no chope, ou
na vodka, dos russos.
O ursinho Misha, mascote dos Jogos Olímpicos de Moscou chora no encerramento: 61 países boicotaram o evento em represália à invasão soviética no Afeganistão. |
Faltava-lhes um pretexto. E ele veio com a invasão
soviética sobre o Afeganistão em 1978. Há muito tempo que o país já era área de
influência de Moscou, travando relações desde 1919. Na década de 70, o
Afeganistão era governado pelo príncipe Daud, que buscava aproximação com os
EUA e a China, mas foi derrubado em 1978 pelo Partido Democrático do Povo
Afegão (PDPA), ligado à União Soviética. O Afeganistão sempre foi um país muito
pobre e agrário, com a política centralizada na área da capital, Cabul. Este
partido pró-soviético entrou em atrito com latifundiários locais e com o clero
muçulmanos por questões como a reforma agrária e os direitos das mulheres.
O PDPA não estava conseguindo impor estas metas ao povo
afegão, pois havia forte oposição, inclusive armada das partes já citadas. Foi
nesse contexto que a União Soviética decidiu intervir militarmente. Derrubou o
governo que a apoiava, mas que não tinha simpatia da população, contudo a
guerrilha continuava e os soviéticos permaneceram ocupando a região para manter
o Afeganistão sob sua esfera de influência. Os EUA intervieram indiretamente na
questão: enviaram dinheiro e armamentos para guerreiros fundamentalistas
islâmicos. A luta foi especialmente difícil para a URSS devido ao terreno
montanhoso da região. Ao fim, o confronto teve um alto custo para os
soviéticos, sendo uma espécie de Vietnã para estes.
Os russos haviam sido alertados que caso continuassem com
a ocupação os Jogos Olímpicos seriam boicotados. Como resposta os EUA e outros
sessenta países não enviaram atletas para Moscou. Em represália ao boicote de
Moscou, a URSS e outros países do leste europeu boicotaram os Jogos Olímpicos
de 1984 em Los Angeles, alegando falta de segurança para seus atletas. A rigor
entre 1952 e 1976, soviéticos e americanos passaram para a Guerra Fria para o
esporte. As disputas pelo primeiro lugar no quadro de medalhas entre os dois
países eram reflexo do confronto entre os principais países dos blocos
socialista e capitalista.
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