quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Casablanca



Casablanca é sem dúvida um dos maiores clássicos do cinema de todos os tempos. Dirigido por Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, o filme conta a história de Rick e Ilsa durante a Segunda Guerra Mundial. Casablanca, cidade do Marrocos fazia parte da rota de fuga para a América no período. Ali, Rick possui um bar. Um dia Ilsa e seu marido, Laszlo entram lá. “De todos os bares em todas as cidades do mundo e ela entra no meu!”, reclama Rick. Ele e Ilsa tiveram um romance em Paris, pouco antes da invasão alemã. Ocorre que a garota desiste de Rick para estar ao lado de Laszlo. E Rick possuía dois vistos de saída de Casablanca, o que possibilitaria o casal deixar o lugar para ir a América.
Apresentados os personagens e a história, vamos a uma análise de vários aspectos do filme:
·         A Segunda Guerra em Casablanca: É importante destacar que o filme foi gravado em 1942, durante a guerra. A obra foi produzida no “calor da hora”, o que lhe confere um forte aspecto político. Devemos nos perguntar o que Casablanca nos conta sobre o período. A posição dos nazistas e dos alemães como vilões da história é algo muito revelador. No princípio da Segunda Guerra e mesmo hoje em dia, alguns filmes não mostram o povo alemão como responsável pelo regime nazista. Talvez seja espécie de “política de boa vizinhança” de Hollywood. Em 1942, porém isso não seria possível, dada a situação que a Europa e o mundo se encontravam. A “culpa” ou não do povo alemão pelo regime de Hitler é algo que nos levaria a uma longa discussão. Porém não devemos esquecer que ele foi eleito chanceler e que teve grande apoio popular. Também não devemos esquecer que instalou uma ditadura totalitária, em que toda a forma de oposição era perseguida e assassinada. Como lutar contra um regime assim?

·         Invasão da França: A Segunda Guerra começa oficialmente em setembro de 1939, quando a Alemanha invade a Polônia. A expansão nazista foi bem rápida e em junho de 1940, já havia chegado à França. A Segunda Guerra foi um dos maiores vexames da história francesa. Em princípio, o governo francês colocou seus soldados na fronteira com a Alemanha, na chamada “linha Maginot”. Contudo, essa estratégia revelou-se errada, já que os nazistas atacaram a França pela Bélgica, que havia sido conquistada, chegando facilmente até Paris em 14 de junho de 1940. No dia 22, a França assinou a rendição. O país foi dividido: o norte ocupado pelos nazistas e no sul se instalou a França de Vichy.

·         França de Vichy: O norte da França, incluindo Paris, era alemão, ao qual ainda foram anexados os territórios da Alsácia e Lorena. Ao sul, se instalou um governo fascista e colaboracionista, liderado pelo general Pétain. Conhecido como França de Vichy, por ter essa cidade como capital, teve o apoio da Igreja, da direita e da elite francesa favorável ao nazismo. Em outras palavras, a França de Vichy não passava de um “Estado fantoche” do III Reich.

·         A resistência: Na realidade, durante o conflito e a ocupação, a resistência teve pouca importância militar, com exceção da Iugoslávia. Ela só deu as caras, a rigor, no início da invasão e final do conflito, auxiliando os aliados. Durante a guerra, se viu obrigada a permanecer escondida, fugindo, ou realizando ações esparsas. Foi um mito construído após a guerra, pelos novos governos, que boa parte dos membros havia participado da resistência. Era necessário que houvesse heróis depois de um período tão conturbado. O próprio general De Gaulle, líder da resistência francesa, afirmou que “a resistência foi um blefe que deu certo”. E aqui o filme escorrega num erro: as duas cartas que possibilitariam Laszlo e Ilsa deixar Casablanca eram assinadas por De Gaulle. Que não tinha nenhuma autoridade sobre a França de Vichy, afinal, De Gaulle, era o líder da oposição francesa ao III Reich e estava exilado na Inglaterra.

·         A guerra na África (Marrocos): A cidade de Casablanca fica no Marrocos, país do norte da África. A região era dominada pela França desde 1926, após uma disputa contra a Espanha. É importante relacionar este controle do Marrocos pela França com o imperialismo, ou neocolonialismo, que consistia em uma expansão européia rumo a Ásia e a África em busca matéria-prima e mercado consumidor para a indústria. Após 1940, o Marrocos fica sob a administração de Vichy. A França, agora colaboracionista, perdeu sua força imperialista perante os dominados devido à invasão, mas ainda assim tinha o controle sobre parte dessas regiões, como era o caso do Marrocos. Curioso que em novembro de 1942, as tropas dos Estados Unidos que lutaram contra o nazi-fascismo na África, desembarcaram justamente no Marrocos e na Argélia.

Bogart em Casablanca
·         E a população durante a guerra: É interessante perceber a posição das pessoas na cidade de Casablanca perante a guerra. Rick, por exemplo, é um americano que havia vendido armas para Etiópia, quando esta foi invadida por Mussolini, além de lutar na Guerra Civil Espanhola contra Franco. Ainda teve que fugir de Paris depois da invasão nazista. Mesmo assim, em Casablanca, se declarava politicamente neutro. Mas pra mim, o personagem mais interessante é o chefe da polícia local, o inspetor Renault. Corrupto e imoral, parece representar bem a maior parte da população durante a guerra e durante um regime de exceção: é necessário “dançar conforme a música”, se adaptar. Assim, Renault se mostra de início colaborador dos nazistas. Mas não deixa de ser amigo de Rick e de realizar apostas no seu bar, ainda que isso fosse ilegal.
Ou seja: a maioria das pessoas é obrigada a se encaixar na nova realidade, mas isso não significa que concordem totalmente com o que ocorre.
É um filme que vale muito a pena ser visto. Quem ainda não assistiu, corre para alugar, ou para baixar. Além de possibilitar bons trabalhos em aula com os alunos.

Trailer do filme:
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
VICENTIZI, Paulo Fagundes. Segunda Guerra Mundial: história e relações internacionais, 1931-1925. Porto Alegre, Ed. da Universidade/UFRGS, 1989.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
CASABLANCA. Michael Curtis. Warner Bros. EUA: 1942. DVD. (102 min), p&b.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Porto Alegre – “leal e valerosa” ao Império

Brasão de Porto Alegre
Quem conhece o brasão da cidade de Porto Alegre, sabe que sobre ele constam os dizeres “Leal e valerosa cidade de Porto Alegre”. Isso se deve aos fatos ocorridos entre 1835 e 1845 no Rio Grande do Sul, mais especificamente no período conhecido como Revolução Farroupilha. Mas Porto Alegre não ganhou este título devido ao seu papel em favor dos Farrapos. Muito antes pelo contrário: pelo seu apoio ao Império.
Em 20 de setembro de 1835 começou a Guerra dos Farrapos. Suas causas estiveram ligadas ao descontentamento das elites gaúchas quanto a não tributação do charque do Prata por parte do governo brasileiro. Ainda havia insatisfação em relação à centralidade do poder Imperial. Os presidentes da província, indicados pelo Rio de Janeiro, nem sempre eram do agrado dos rio-grandenses.
Não esqueçam que desde 1831, com a volta de D. Pedro I para Portugal, o Brasil vivia no Período Regencial, até que D. Pedro II, com seis anos, pudesse assumir a monarquia. Ainda que o Ato Adicional de 1834 desse maior autonomia às províncias, a situação de oposição ao Império por parte da elite do Rio Grande do Sul havia chegado num ponto irreversível, no qual o diálogo seria pelas armas.
Cabe destacar que os líderes da revolta eram pecuaristas, estancieiros e charqueadores, membros da elite local. Contudo, é importante perceber que não foram todos os sul-rio-grandenses que aderiram à rebelião. Havia, principalmente nos grandes centros urbanos, apoiadores do Império. Assim, a província ficou dividida entre farroupilhas e imperiais. Não é à toa que as cidades escolhidas como capitais pelos rebeldes eram ligadas ao meio rural, como Piratini.
Entre os “grandes centros urbanos” estava Porto Alegre, se é que se pode chamar assim uma cidade com cerca de 20 mil habitantes. Pois o conflito teve início justamente após a invasão desta pelos Farrapos, que derrubaram o presidente da província, Fernandes Braga, em 20 de setembro de 1835. Para se ter uma ideia, a cidade foi invadida pela ponte da Azenha sobre o Arroio Dilúvio. Foi ali que se deu o primeiro combate de farroupilhas contra imperiais. Porém, no ano seguinte, os legalistas tomaram a cidade de volta.
Foto atual da Ponte da Azenha, onde teriam ocorrido os primeiros combates do conflito e por onde os rebeldes teriam entrado em Porto Alegre

Bento Gonçalves
De 1836, até 1838, os rebeldes, liderados por Bento Gonçalves investiram sem sucesso contra Porto Alegre. A resistência da cidade frente às tropas farroupilhas lhe valeu o título de “leal e valerosa”. Porto Alegre se tornou um ponto estratégico para os imperiais, inclusive para a economia local. Durante toda a Guerra dos Farrapos, a cidade permaneceu por muito mais tempo nas mãos dos imperiais. Os únicos meses em que Porto Alegre esteve sob comando dos farroupilhas, foi dominada, sem consentimento da população.
Foi dali que o barão de Caxias partiu em 1843 para derrotar os rebeldes. Caxias havia sido indicado pelo governo central para dar uma solução no conflito farroupilha. Sua ofensiva culminou em uma série de derrotas dos farrapos, que levaram os rebeldes a decadência. Em 1845, foi assinada a paz de Ponche Verde, no qual os revoltosos entregaram as armas. Como compensação os líderes foram anistiados e as dívidas dos farrapos, perdoadas.
Caxias em 1877

Bibliografia:
KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Leitura XXI, 2004.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.

PADOIN. Maria Medianeira. “A Revolução Farroupilha”.  In.: PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. Império. Passo Fundo, Méritos, 2006. v.2. Coleção História Geral do Rio Grande do Sul.

GUAZELLI. Cesar Augusto Barcellos. “O Rio Grande de São Pedro na primeira metade do século XIX: Estados-nações e regiões províncias no rio da Prata”.  In: GRIJÓ, Luiz Alberto et. all. Capítulos de história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2004.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Conquista do México pelos espanhóis – Por quem cara-pálida?


Localização do império Asteca
Em 1519, os espanhóis chegavam onde hoje é o México, habitado na época pelos astecas. Hernan Cortez, comandante do exército do rei, derrotou os nativos com apenas cerca de quatrocentos homens. Como foi possível uma derrota de um exército de um reino que controlava boa parte das cercanias de Tenochtitlan, a principal cidade asteca, atual Cidade do México nessas condições?
Para começar é importante entender o que os espanhóis foram fazer ali. É necessário inserir a “Conquista do México” no âmbito do mercantilismo, a faceta econômica do Antigo Regime. Entre as características do mercantilismo estão o colonialismo, que conferia poder para aquele Estado que tivesse o maior número de colônias e territórios a serem explorados. Outra característica do mercantilismo era o metalismo, para o qual a riqueza de um reino se mediria através da quantidade de metais preciosos que este arrecadasse. E já se sabia que o México tinha ouro em boa quantidade, pois já havia ocorrido contato entre espanhóis e astecas desde 1517.
Imagem de um guerreiro asteca
Tendo em vista isso, vamos afastar algumas ideias do senso comum. Alguns supõem que os europeus eram superiores aos americanos, o que denota um forte racismo. Outros podem imaginar que os espanhóis tinham vantagem com os cavalos e armas de fogo. Na realidade, esse número era inexpressivo. Talvez tenha havido um assombro inicial, um certo fator psicológico, pelo desconhecimento dos astecas a respeito de tais elementos. Mas com certeza, não foi um fator decisivo. As epidemias, por exemplo, foram muito mais devastadoras.
Ainda existe um pensamento que supõe que os astecas acreditavam que os espanhóis eram deuses. Alguns afirmam que houve uma coincidência entre a data do desembarque de Cortez com o ano que segundo o calendário asteca ocorreria o retorno de um deus bondoso que havia partido. Mas os primeiros episódios de violência por parte dos espanhóis desfizeram essa crença dos habitantes da América. Pensar que os astecas se renderam aos europeus por acreditar que estes eram deuses pode ser cair em uma ideia preconceituosa de que não se deram conta do que estava acontecendo. Uma hipótese é que esta foi uma versão elaborada após a Conquista, pelos próprios astecas para justificar a derrota.
Cortez, na realidade, se utilizou da astúcia e da diplomacia. Os astecas, antes da chegada dos espanhóis, subjugavam uma série de povos locais como os tlaxcaltecas e os huejotzincanos. Os espanhóis conseguiram se unir a estes rivais para poder vencê-los, através do trabalho de intérpretes, homens que já circulavam entre o mundo espanhol e o indígena. A maioria dos guerreiros no episódio da queda do império Asteca era composta de outros nativos da América. Foi uma guerra civil indígena que resultou na dominação espanhola.
É importante destacar que os indígenas da aliança antiasteca não foram meros instrumentos dos espanhóis. Viviam em um regime terrível pela cobrança de tributos em espécie e em trabalho. Estavam agindo de acordo com o próprio interesse, para se livrar da dominação asteca. Não imaginavam que o pior talvez ainda estivesse por vir.
Um interessante documento a respeito da Conquista do México são as cartas que Hernan Cortez escreveu ao monarca espanhol. Nelas conta ao rei Carlos V não só como se deu a vitória sobre os astecas, mas também traça um panorama dos primeiros anos de colonização hispânica na América.
Imagem de Cortez
Bibliografia:
WACHTEL, Natan. “Os Índios e a Conquista Espanhola”. in: BETHELL, Leslie. História da América Latina - América Latina Colonial – V.1. São Paulo, Edusp, 1997.
RESTALL, Matthew. Sete Mitos da Conquista Espanhola. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.