Soldados republicanos nas barricadas |
Em 18 de julho de 1936, as tropas do general Francisco Franco saíram do Marrocos para dar um golpe no governo democraticamente eleito na Espanha, dando início a uma sangrenta guerra civil.
No início do século XX, a Espanha era um país miserável, governado por uma monarquia que se apoiava no Exército e na Igreja, com uma economia predominantemente rural e uma burguesia incipiente e fraca. A única região em vias de industrialização era a Catalunha.
Nessa altura, diversos movimentos políticos populares se manifestavam contra esta situação. Para reprimi-los o rei empossara Primo de Rivera como ditador do país. Ele permaneceu no cargo até 1931, quando foi destituído do poder junto com a Coroa. Instaura-se uma República, com uma das constituições mais democráticas da época.
Em 1936, ocorreu a vitória da Frente Popular nas eleições parlamentares, formada por socialistas, comunistas e setores da burguesia democrática. Contudo, os setores conservadores da Igreja e do Exército, unidos a grupos de inspiração fascista, os falangistas, e diversos setores da direita derrubaram o novo governo.
Os republicanos reagiram a essa violência contra a democracia. Anarquistas, socialistas, comunistas e setores da burguesia democrática se voltaram contra os golpistas, que se autodenominavam nacionalistas. Estes ainda contaram com o apoio militar de Portugal, da Alemanha nazista e da Itália fascista.
A URSS organizou as Brigadas Internacionais, voluntários de diversos Partidos Comunistas no mundo para lutar contra os fascistas na Espanha. Na verdade, antes disso, voluntários estrangeiros já lutavam em prol da República, em milícias independente do controle dos PCs. Cerca de 40 mil jovens voluntários de fora do país estiveram presentes no confronto. Cabe destacar que eles estavam lá para lutar por uma causa e não por um território ou por dinheiro.
Foto famosa tirada no exato momento que um soldado republicano é alvejado por tiro |
Gostaria de destacar uma música da banda de rock britânica The Clash, Spanish Bombs. The Clash sempre foi uma banda preocupada com questões sociais e políticas. Seguindo uma linha punk, tem grandes sucessos como Should I Stay or Should I Go, Rock the Casbah e London Calling. A que destaco trata da Guerra Civil Espanhola e merece uma boa análise.
Veja a letra, mas cuidado com tosca tradução do vídeo ao lado, que ao menos nos traz imagens do conflito.
Veja a letra, mas cuidado com tosca tradução do vídeo ao lado, que ao menos nos traz imagens do conflito.
The Clash – Spanish Bombs Spanish songs in Andalucia The shooting sites in the days of '39 Oh, please, leave the ventana open Federico Lorca is dead and gone Bullet holes in the cemetery walls The black cars of the Guardia Civil Spanish bombs on the Costa Rica I'm flying in a DC-10 tonight Spanish bombs, yo te quiero y finito Yo te guerda, oh mi corazon Spanish bombs, yo te quiero y finito Yo te guerda, oh mi corazon Spanish weeks in my disco casino The freedom fighters died upon the hill They sang the red flag They wore the black one But after they died it was Mockingbird Hill Back home the buses went up in flashes The Irish tomb was drenched in blood Spanish bombs shatter the hotels My senorita's rose was nipped in the bud Spanish bombs, yo te quiero y finito Yo te guerda, oh mi corazon Spanish bombs, yo te quiero y finito Yo te guerda, oh mi corazon The hillsides ring with "Free the people" Or can I hear the echo from the days of '39? With trenches full of poets The ragged army, fixin' bayonets to fight the other line Spanish bombs rock the province I'm hearing music from another time Spanish bombs on the Costa Brava I'm flying in on a DC-10 tonight Spanish bombs, yo te quiero y finito Yo te guerda, oh mi corazon Spanish bombs, yo te quiero y finito yo te guerda , oh mi corazon Oh, mi corazon Oh, mi corazon Spanish songs in Andalucia, Mandolina Oh mi corazon Spanish songs in Granada Oh mi corazon Oh mi corazon Oh mi corazon Oh mi Corazon |
Vamos prestar atenção em alguns elementos dessa canção que remetem à história da Guerra Civil Espanhola:
· Spanish songs in Andalucia/ The shooting sites in the days of '39 – A Andaluzia era uma das províncias mais pobres e rurais da Espanha. A Guerra Civil foi justamente até 1939.
· Federico Lorca is dead and gone – Federico Garcia Lorca era um poeta espanhol, manifestadamente antifascista, morto pelos partidários de Franco logo no início do conflito, em 1936.
· The black cars of the Guardia Civil – A Guarda Civil era, e ainda é, uma força militar para defender o governo espanhol. Durante a guerra, se posicionou a favor dos golpistas, assim como grande parte do Exército. Ainda junto a Franco estavam os falangistas, de inspiração fascista, e os carlistas, ligados à monarquia conservadora.
· The freedom fighters died upon the hill – Os voluntários de diversas regiões do globo iam para Espanha para lutar pela liberdade, contra um governo autoritário. Mesmo que muitos não soubessem quase nada sobre a Espanha, se propuseram a lutar, e muitas vezes a morrer, por um ideal. Houve, inclusive, a participação de brasileiros no conflito ao lado dos republicanos. A maioria dos estrangeiros era composta de franceses: cerca de dez mil.
A Guerra Civil Espanhola pode ser considerada como uma das últimas “lutas românticas”, por um ideal. Escritores importantes como Ernest Hemingway e George Orwell estiveram no front ao lado dos republicanos, o primeiro escreveu Por quem os sinos dobram e o segundo, Lutando na Espanha.
· They sang the red flag/They wore the black one – Bandeiras vermelhas e pretas se referem aos socialistas e aos anarquistas, respectivamente. Eram as principais forças políticas que se opunham ao golpe. Ambos já eram organizados, mesmo antes do início da Guerra Civil, em grupos como os socialistas na Unión General de Trabajadores (UGT), ou os anarquistas na Confederación Nacional del Trabajo (CNT).
· With trenches full of poets/ The ragged army, fixin' bayonets to fight the other line – Enquanto os nacionalistas, ou golpistas, contavam com o apoio de Alemanha e Itália, nenhuma nação se posicionou oficialmente em prol dos republicanos enviando tropas. Ou seja: apesar do voluntarismo estrangeiro, havia escassez de armas entre os defensores da democracia, os quais não fizeram largo uso de táticas de guerrilhas, que costumaram dar certo em momentos como esse. Além disso, pelo lado dos franquistas, havia uma direção militar e política única, o que não ocorreu entre os republicanos, talvez pelo caráter ideológico tão diferente dos grupos envolvidos.
· Spanish bombs rock the province – As bombas que realmente sacudiram a província não eram exatamente espanholas, mas alemãs. Em 26 de abril de 1937, a cidade de Guernica, no País Basco, foi bombardeada pelos aviões da “Legião Condor”, coordenada pela Alemanha nazista. A destruição foi tão grande e violenta que levou Pablo Picasso a pintar o painel Guernica.
Guernica destruída pelo bombardeio |
Painel de Pablo Picasso: Guernica |
· I'm hearing music from another time – Há de se destacar o cancioneiro da Guerra Civil Espanhola. Tanto do lado nacionalista, como do republicano, havia belas canções que buscavam motivar as tropas, num dos usos mais clássicos da música para fins políticos.
· Spanish bombs on the Costa Brava – A Costa Brava é o litoral da Catalunha, uma das províncias que mais se destacou na luta contra Franco. Como estava entre as únicas regiões industrializadas da Espanha, teve um acentuado desenvolvimento dos sindicatos e do anarcossindicalismo. Barcelona, a principal cidade catalã, por exemplo, só foi cair para os golpistas em 1939.
A Guerra Civil Espanhola pode ser considerada como uma das últimas “lutas românticas”, por um ideal. Escritores importantes como Ernest Hemingway e George Orwell estiveram no front ao lado dos republicanos, o primeiro escreveu Por quem os sinos dobram e o segundo, Lutando na Espanha.
A vitória de Franco não significou, porém, que a Espanha se tornasse claramente fascista. Com o tempo, houve um distanciamento dos falangistas e faltavam a Franco alguns elementos que sobravam em Hitler e Mussolini, como por exemplo, o apoio das massas. Mesmo assim, cabe destacar que a Espanha afundou em um longo período de ditadura e autoritarismo, que durou bem mais que os fascismos europeus envolvidos na Segunda Guerra, até o final dos anos 70 do século XX.
A guerra na Espanha ainda foi um laboratório de ensaio para a Segunda Guerra Mundial, principalmente no que se refere aos bombardeios aéreos. Porém não pode ser considerada como uma primeira fase do conflito mundial, por não ter repercussões globais, afinal, o regime ditatorial de Franco manteve a Espanha isolada do mundo por mais trinta anos.
Agradeço ao meu irmão Felipe que prestou grande ajuda na editoração e revisão deste post.
Agradeço ao meu irmão Felipe que prestou grande ajuda na editoração e revisão deste post.
Bibliografia:
Almeida, Angela Mendes de. Revolução e Guerra Civil na Espanha. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987.
HUGH, Thomas. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1964.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991.São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
Ótimo texto, sempre quis saber a relação entre a musica e a guerra civil espanhola, vai me ajudar no meu trabalho de escola. Obrigado XD
ResponderExcluirOtimo poste adoro the clash
ResponderExcluirExcelente post! London Calling é meu album favorito e Spanish Bombs a mais querida
ResponderExcluirParabéns