quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre o Estado laico


Nas últimas semanas foi criado um novo debate no Rio Grande do Sul: a retirada das cruzes dos tribunais criou mais uma polêmica na província. A questão toda gira em torno do Estado laico e da separação entre o mesmo e a Igreja. Ora, se a cruz é um símbolo religioso, não cabe numa instituição oficial. Desde quando que existe essa diferença entre Estado e Igreja?
Desde a Revolução Francesa. Pois é, desde 1789 que a religião não faz mais parte do governo. Como se sabe, a Revolução foi profundamente influenciada pelo Iluminismo, que se opunha ao Antigo Regime, sistema em vigor na Europa durante a Idade Moderna. Uma de suas características era justamente a ligação entre as autoridades e a Igreja, afinal, o poder do rei emanava da vontade divina. Assim, membros do clero tinham certos privilégios, como isenção fiscal.
A classe que mais abraçou o Iluminismo durante o século XVIII foi a burguesia, a mesma que fez a Revolução. Sim, a verdadeira classe revolucionária era a burguesia. As mudanças colocadas em prática na sociedade na França pós-Revolução foram conquistas dessa classe. Ocorreu um processo de “descristianização” dessa classe que era instruída e lia os autores iluministas. Isso não significa ateísmo, significa apenas uma diminuição no aspecto da devoção religiosa.
Logo, com a Revolução Francesa, e com a Americana de 1776 também, as instituições foram secularizadas. O poder não emanava mais de Deus, mas sim do povo. Além disso, foi divido em três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Este último é responsável por julgar as leis, de modo cego e isento. Se o Judiciário é um dos poderes que emana do povo e não de Deus, por que existiam cruzes nos tribunais? E por que criar uma polêmica defendendo a permanência da mesma?
Não se trata de interferir no direito individual. O funcionário que quiser pode ter sua cruz, ou sua imagem religiosa sobre a mesa. Mas os tribunais são órgãos públicos, assim como a Assembleia Legislativa, o Congresso Nacional e os palácios governamentais.
Junto a isso, a separação entre Igreja e Estado trouxe outras novidades como a criação de escolas públicas e laicas, fazendo da educação uma responsabilidade do governo e a alteração do batismo para o registro civil, fazendo com que todos, e não apenas os católicos apostólicos pudessem contar no senso e exercer o direito da cidadania. Assim, ainda se deu o direito de culto para todas as religiões, afinal, não existia mais uma religião oficial.
No Brasil, esse processo se deu somente em 1889, quando da Proclamação da República. Durante o Império, Estado e Igreja eram ligados e depois de 15 de novembro desse ano, principalmente após a carta constitucional, ficaram separados. Com isso, não havia mais uma religião oficial, e casamentos, batizados passaram a ser registrados no âmbito civil. Tudo isso, devido a ideia laica dos dirigentes republicanos, influenciados pelo positivismo.
Portanto, faz mais de cem anos que no Brasil, o governo é separado da religião e mais de duzentos anos que a Revolução Francesa adotou o Estado laico, acabando com os privilégios do clero e transformando todos em cidadãos. E isto, em princípio, não significa nenhum tipo de perseguição a quem pratica alguma religião. Pelo contrário: significa a liberdade religiosa e de culto. Pena que uns que outros andaram matando essas aulas de História no colégio.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric. Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Uganda

Nos últimos dias um vídeo do youtube vem tomando conta da internet e do facebook: trata-se de um documentário denunciando as ações de Kony, chefe de uma milícia em Uganda, responsável por raptar e escravizar crianças, além de matar milhares de pessoas. Muito bom que as pessoas se preocupem com esse caso, as redes sociais podem ser usadas para outros fins além de só divulgar o que fizemos no fim de semana, ou falar da Luiza no Canadá. É excelente que as pessoas demonstrem interesse em Uganda, um país subdesenvolvido e miserável, perdido no meio da África. Mas é uma pena que somente assim que os olhos do mundo se voltem para esta região pobre e explorada. Veja o vídeo que tem mobilizado as pessoas em volta do mundo:

Uganda, como tantas outras regiões africanas, foi vítima do imperialismo europeu que varreu este continente entre 1880 e 1814. Foi ocupada pela Grã-Bretanha, como parte da estratégia de ocupar a nascente do rio Nilo, no lago Vitória. Desde 1894, Uganda se tornou em um protetorado inglês. Este tipo de regime consistia na manutenção das autoridades locais do período pré-colonial, desde que subordinadas às metrópoles. O governo sob protetorado não tinha direito de organizar um exército e transferia suas relações diplomáticas para a metrópole que o dominava.
Em vermelho o território de Buganda
em comparação com o resto
da atual Uganda
No caso ugandense, foi mantida a estrutura monárquica e as entidades políticas do reino de Buganda, ao qual foram incorporados outros pequenos reinos locais. Há que se destacar que mesmo assim, etnias que não faziam parte do reino de Uganda sofreram muito os reveses da dominação inglesa. Foram instaladas companhias inglesas que controlavam as plantações de algodão com mão de obra nativa e trabalho forçado, com produção destinada para a exportação. Mesmo assim, Uganda era a região mais rica e populosa da África oriental britânica. 
A partir dos anos 40, com o fim da Segunda Guerra, surgem protestos contra o domínio britânico e situação de pobreza local. A união de dois elementos pode ser apontada para esta sublevação: um nacionalismo de Buganda e uma revolta das populações de outras regiões que compunham o território de Uganda cansadas da exploração dos ingleses
No início dos anos 60, Milton Obote pleiteia a autonomia de Uganda e funda a Uganda National Congress (UNC), que se transforma em Uganda People’s Congress (UPC). Em 9 de outubro de 1962, os ingleses cedem e Uganda se torna um país livre e independente. Surge um governo de união nacional com Obote dividindo o poder com o rei de Buganda, ou “kabaka” no idioma local, Mutesa III. Mas entre 1966 e 1967, Obote, com o apoio do exército, destitui o monarca, incorpora Buganda pela força e institui uma república presidida por ele.
Obote se dizia socialista, mas o país continuava sendo miserável, com uma economia voltada para a agricultura de exportação e com empresas estrangeiras que ainda operavam em Uganda. Até quem em 1971, o general Idi Amin deu um golpe de estado em Obote. 
Idi Amin
Entre 1971 e 1979, Idi Amin governou Uganda com uma ditadura feroz, que está entre os regimes que mais violaram os direitos humanos nos últimos cinquenta anos. Uma boa ideia do governo de Idi Amin pode ser tirada a partir do filme “O Último Rei da Escócia”, com Forest Whitaker no papel do ditador. Como se não bastasse a cruel e sanguinária ditadura Idi Amin privilegiou uma etnia local, no caso a nubi, que detinha o monopólio de boa parte da economia do Estado. Como resultado, no início dos anos 80, Uganda ocupava uma das piores posições em países desenvolvidos no mundo. 
Idi Amin foi derrubado em 1979 por tropas da Tanzânia, com apoio de parte da população ugandesa. Foi formado um governo interino presidido por Yusuf Lule, que no mesmo ano foi derrubado por Godfrey Binaisa. Mais quatro presidentes ocupariam o cargo só da década de 80, o que evidencia a instabilidade política do país. 
Em Uganda, como em tantos outros países da África houve uma divisão arbitrária do território, por parte das potências europeias a revelia das populações locais. As fronteiras impostas não obedeciam a nenhum critério histórico ou social. Como se não bastasse a situação de penúria, nos mesmos anos 80, os países africanos se viram obrigados a se socorrer de empréstimos do Fundo Monetário Internacional. As medidas que o FMI impôs para fazer os empréstimos, como cortes no orçamento e privatização de estatais, quebrou mais ainda os países do continente africano. 
Como se vê a situação de Uganda não é recente. Por anos o país sofre com a ditadura de Idi Amin, que matou cerca de 300 mil pessoas. Desde 2011, os Estados Unidos intervieram, mandado tropas para o país, na expectativa de terminar com os conflitos causados pelo Exército de Resistência do Senhor e pelo seu líder, Joseph Kony. Em tempo: no ano de 2010 foram descobertas grandes reservas de petróleo na região. 
É ótimo que as pessoas compartilham e divulguem o vídeo que denuncia Kony. Mas antes disso é importante que saibam a História de Uganda e quando que alguém realmente se importou com este país. Cabe lembrar que situações de conflito existem por toda a África, mas quase nunca são lembradas pela mídia ocidental.
Mapa atual de  Uganda

Bibliografia:

MACEDO, José Rivair. (org.). Desvendando a África. Porto Alegre, editora da UFRGS, 2008.

VISENTINI, Paulo Fagundes. RIBEIRO, Luiz Dario. PEREIRA, Analucia Danilevicz. Breve história da África. Porto Alegre, Leitura XXI, 2007.

Mazrui. Ali A. Mazrui e Wondji. Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília, UNESCO, 2010. Disponível para download.
LINHARES, Maria Yeda. A luta contra a metrópole (Ásia e África). São Paulo, Brasiliense, 1981.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher


Em 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. É uma data importante, sobretudo para afirmar todas as conquistas que elas vêm obtendo desde o início do século XX. Apesar da opressão e dominação que sofreram ao longo do tempo, não devem ser vistas como meras vítimas, porque também são agentes da História, são seres sociais ativos. Elas obtiveram seus direitos e sua igualdade através de lutas e participação na sociedade.
Claro que por muitos anos foram excluídas socialmente. Entretanto, por meados do século XIX, a situação começou a mudar. Mas para pior. Elas começaram a ingressar nas grandes indústrias, o que dificultava que realizassem o trabalho na rua e em casa. Assim, depois de casadas, mesmo que fossem de famílias humildes, não trabalhavam; ainda que entre solteiras, o número de mulheres que trabalhassem fosse elevado. Dessa maneira, eram expelidas da economia e do “mundo dos negócios”, sendo estas tarefas predominantemente masculinas. Por consequência, eram também isoladas das decisões políticas dos países.
Por isso que, no século XIX, o aspecto mais visível da emancipação feminina eram as sufragistas, defensoras do voto universal, tanto dos homens, como das mulheres. Porém esta era uma demanda da classe média. A classe operária tinha outras necessidades. As mulheres trabalhadoras sofriam com péssimas condições, além de arcar com uma carga horária entre 12 e 14 horas por dia e ter um salário inferior ao dos homens.
No início do século XX, a despeito da discriminação, muitas conseguiram uma inserção no mundo masculino através do acesso à educação, ao voto e à profissionalização. Mas como as mulheres competiriam num mundo feito pelos homens e para os homens? Para além da luta pela igualdade de direitos, era preciso a luta pelas suas diferentes necessidades, como por exemplo, a licença-maternidade.
Foi principalmente após a Segunda Guerra que as mulheres se tornaram uma força política importante. A partir daí, as casadas não seriam mais apenas um apêndice do marido, muitas vezes chefiando as famílias. Com o direito ao voto nos mais variados países, elas conseguem conquistar inclusive a liderança de nações como foi o caso de Indira Gandhi na Índia, Golda Meir em Israel, Margareth Thatcher na Inglaterra e Isabelita Perón na Argentina nos ano 70 e 80, além dos casos mais recentes de Dilma Rousseff no Brasil, Angela Merkel na Alemanha e Cristina Kirchner na Argentina.
Clara Zetkin
e Rosa Luxemburgo
Mas por que esse dia é celebrado em 8 de março? Principalmente pela luta de mulheres na liderança de movimentos sindicalistas e de esquerda, como Emma Goldman no princípio do século XX. Nesse momento, como foi dito, os salários eram baixos, as condições de trabalho péssimas e a carga horária alta. É nesse contexto que em 1910, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagen, na Dinamarca, a líder Clara Zetkin propõe a criação do Dia Internacional da Mulher, mas sem definir uma data. Mesmo antes, desde 1908, nos Estados Unidos, as mulheres socialistas organizavam manifestações pelo “Dia da Mulher” no último domingo de fevereiro.
Em 25 de março de 1911 um evento chocante marcaria a luta feminina não só por igualdade de direitos, mas por despertar a consciência das mulheres para sua condição. Um incêndio numa fábrica têxtil em Nova Iorque matou 125 mulheres e 21 homens, sobretudo imigrantes judeus e italianos. Muitas dessas mulheres eram identificadas com movimentos socialistas e anarquistas. Esse fato leva muita gente a pensar que o Dia Internacional da Mulher é em homenagem às vítimas do incêndio, o que não necessariamente condiz com a realidade. A data faz alusão ao dia 8 de março de 1917, quando trabalhadoras russas do ramo da tecelagem entram em greve. Poucos meses depois, a Revolução Socialista de outubro ocorria no país.
O papel subalterno imposto às
mulheres na sociedade ainda è
muito visível na sociedade contemporânea,
como pode ser percebido em propaganda
de sabão em pó, margarina, refrigerantes...
Somente na década de 60 que junto com outras políticas afirmativas, 8 de março foi institucionalizado como o Dia Internacional da Mulher. É inegável que as conquistas das mulheres foram várias desde o século passado. Voto, inserção na sociedade e igualdade de direitos foram importantes avanços. Entretanto, em muitos casos, os homens ainda são melhores remunerados; em muitos países, as mulheres não têm seus direitos garantidos e por diversas vezes, a mentalidade retrógrada e burra de vê-las como “seres inferiores” que devem cuidar do lar, permanece.
Hoje, a mulher deve ser vista como igual ao homem, mas ao mesmo tempo como diferente. Suas demandas, buscas e vontades são diferentes e deves ser respeitadas como tais. Hoje, as mulheres têm outras bandeiras, como o direito ao aborto, ao qual ainda são negadas por motivos que considero esdrúxulos. O dia 8 de março relembra a luta pelos direitos das mulheres, e aqui podemos nos referir aos mais variados direitos, desde o voto até o de se vestir como bem entender, sem depender de aspectos conservadores da sociedade. Mas, muitas vezes, essa ideia é deturpada em prol da propaganda e do comércio. É importante resgatar essa origem da data para a conscientização dos problemas que ainda existem em nossa sociedade em relação a posturas machistas e que excluem as mulheres.